Gilberto Maringoni
Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.
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Na prática, uma greve geral. E de alto teor explosivo, por Gilberto Maringoni

Na prática, uma greve geral. E de alto teor explosivo

por Gilberto Maringoni

Vivenciamos na prática, há uma semana, os efeitos de uma greve geral em todo o país. O movimento dos caminhoneiros teve o condão de travar quase toda a atividade produtiva, ao bloquear a circulação de mercadorias, em especial ao cortar o abastecimento de combustíveis de norte a sul. É difícil localizar um setor que não tenha sido por ele afetado, seja por falta de suprimentos, seja pela dificuldade de seus trabalhadores se deslocarem.

A capilarização da greve se dá pelo papel estratégico que tem o transporte rodoviário nestas terras. Em situações anteriores, nas quais outras modalidades de deslocamentos eram centrais para a economia, as características eram semelhantes.

BONDES, TRENS E NAVIOS
A histórica greve de 1917, em São Paulo, só se torna geral quando, duas semanas após sua deflagração nas fábricas, os condutores de bonde cruzam os braços. Ao longo das décadas seguintes, a ferrovia e o sistema de portos se tornaram nevrálgicos em uma economia agroexportadora. Não à toa, o PCB – Partido Comunista Brasileiro – sempre teve numerosas bases nas categorias ligadas a tais setores.

Em uma economia regida pelo fordismo e por contratos de trabalho mais definidos – em especial após o advento da CLT, entre 1943 e 1964 – era muito mais simples verificar quando existia greve e quando havia locaute nas mobilizações.

A categoria dos caminhoneiros não é exatamente uma “categoria”, no sentido usual do termo. Ela é múltipla e variada em sua composição. Há autônomos (cerca de 70%), funcionários de empresas e empresários, num universo de mais de um milhão de trabalhadores mal remunerados. Pelas características de trabalho solitário com vínculos precários, não há organização sindical convergente ou definida. Há contratos intermitentes, com e sem carteira assinada, jornadas indefinidas, metas informais, riscos de toda ordem (a começar pelo de vida), submissão variada a chantagem e corrupção por parte dos serviços de segurança rodoviários, longos períodos fora do lar e forte tendência ao individualismo.

Em outras palavras, parece ser a categoria dos sonhos dos formuladores da reforma trabalhista do governo Temer. Que este contingente de homens e mulheres (minoria) consiga coordenar e deflagar um movimento como este, é um tento admirável.

O DELÍRIO DA GREVE “PURA”
Nessas condições, é puro delírio alguém imaginar ser possível a realização de uma greve “pura”, apenas de trabalhadores, com pautas muito definidas e articuladas. É justamente aqui que as características de greve e locaute se superpõem num mesmo movimento e se estabelece – através de inúmeros dirigentes – uma disputa encarniçada pela direção das reivindicações.

Esse enfrentamento interno ficou claro na quinta-feira, quando representantes do governo federal se reuniram com delegações dos caminhoneiros. Oito entidades levaram a Brasília suas pautas. Eram elas:

1. Redução a zero da Cide e do PIS/Cofins sobre o óleo diesel

2. Extinção da política de reajuste diário dos preços do combustível

3. Suspensão da cobrança de pedágio sobre o eixo suspenso de caminhões vazios

4. Criação de um piso mínimo para o frete.

É curioso que não haja nenhuma demanda trabalhista entre esses pontos e outros fechados com os golpistas de Brasília. Nada de salário, condições de jornada etc. Como era de se esperar, algo deu errado. O portal da Globo informou o seguinte, naquela tarde:

“O presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, deixou a reunião no Planalto por volta das 15h30. Na saída, ele afirmou que a entidade não aceitava a proposta do governo. A Abcam diz representar 650 mil caminhoneiros”.

O movimento continuou firme.

EMPRESÁRIOS E TRABALHADORES
Ao que parece, o setor patronal – com sua pauta liberal de isenção tributária – se acertou com o Planalto, deixando os trabalhadores de fora. É possível que isso explique – é apenas uma especulação – o fato de a mídia e a administração federal não terem, nos dois primeiros dias, investido contra os paredistas. Imaginavam se acertar com os patrões e ponto final. Havia um fator adicional para isso: a demanda pela redução dos preços dos combustíveis tornou o movimento simpático à maioria da população. Não é pouca coisa.

Firmado o acordo com a turma do locaute – que nada garante, além de uma trégua de trinta dias, suficiente para desmobilizar as ações nas estradas -, os meios de comunicação e o governo mostraram suas garras. Teve início a demonização dos caminhoneiros pelo Jornal Nacional e pelos programas policialescos e noticiosos (não há fronteira nítida entre eles) de outras emissoras.

Do lado oficial, as feras foram soltas na tarde de sexta. Primeiro, o governo valeu-se de seu contínuo no STF, o prestativo Alexandre de Moraes, para decretar a ilegalidade do movimento, com a adoção de multas pesadíssimas de R$ 100 mil por hora, caso as estradas não fossem imediatamente desobstruídas. Em segundo, veio o espetáculo: Garantia de Lei e da Ordem (GLO), em todo o Brasil. Em português claro, uma virtual intervenção militar com poder de polícia para retirar os caminhões do meio das pistas.

HÁ LADO NESSA HISTÓRIA
Apesar do caráter confuso das manifestações caminhoneiras, não pode haver a menor dúvida por parte da esquerda sobre o lado a se perfilar. É possível que, dado o grau de repressão e do bombardeio midiático, haja descontentamento popular com a falta de produtos e serviços e o movimento reflua.

Mas o desgaste governamental pela manutenção da política de preços da Petrobrás – que vincula valores internos à variação cambial – começa a ficar escancarado. Ou seja, para contentar algumas centenas de acionistas, o governo golpista – encabeçado pela figura luminar de Pedro Parente – não titubeia em submeter a maioria da população brasileira a grossa chantagem.

A tensão social se acumula, sem muita chance de se reduzir, dada as decepcionantes previsões para o futuro da economia brasileira. Professores do ensino privado entram em greve em São Paulo e Minas, petroleiros ameaçam parar e outras categorias se articulam.

Estagnação econômica com crise social é coisa – a História já provou – de altíssima octanagem.

 

Gilberto Maringoni

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

10 Comentários

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  1. O que enche o saco dos brasileiros !

    O que realmente pertuba os brasileiros é que a riqueza que eles produzem, e o Brasil é grande, vai embora do Brasil para o bolso dos que locupletam-se com os juros pagos.

    Simples assim, usurfruissem o brasileiros as riquezas que produzem e tudo seria diferente.

    Todos sabem: A dívida é impagável, oriunda de um contrato impossível. 

    Até quando é a pergunta?

  2. Site de esquerda, a greve é
    Site de esquerda, a greve é legítima sim, e não precisa de liderança esquerdista, são trabalhadores unidos, e o povo está apoiando em peso.

  3. NÃO É GREVE GERAL, AINDA, QUE

    NÃO É GREVE GERAL, AINDA, QUE SÓ OCORRERÁ QUANDO OS PETROLEIROS – OS TRABALHADORES DA EFINARIA GABRIEL PASSOS – RS, JÁ DERAM O PRIMEIRO PASSO. RESTA AGORA OS DEMAIS TRABALHADORES DO PETRÓLEO! POR QUE, OU ENTRAM NA LUTA, OU DESAPARECEM COMO CATEGORIA ! E DEPOIS, OS TRABALHADORES DOS TRANSPORTES, DE TODOS OS MODAIS.  AFINAL, O GOVERNO TEMER – AÍ INCLUINDO-SE PEDRO PARENTE, O STF, A POLÍCIA FEDERAL, A PROCURADORIA GERAL, A CENTRAL GLOBO DE LAVAGEM CEREBRAL ETC. – É UM GOVERNO DE DESMONTE DA NAÇÃO ! O POVO TEM QUE PARALISAR A ECONOMIA, O PAÍS, OU, EM BREVE, NOS TRANSFORMAREMOS NA PIOR DAS ÁFRICAS, PARA A QUAL JÁ ESTAMOS CAMINHANDO A PASSOS LARGOS !

     

     

  4. Caro Nassif
    É uma  greve

    Caro Nassif

    É uma  greve localizada, mas que atinge o Brasil de uma forma geral.

    É uma greve comandada por direitistas golpistas.

    Como a reivindicação atinge a todos, os muitos setores são obrigados a entrar em greve e apoiar a manifestção.

    Em nenhum momento se coloca o Fora Temer, mas a redução do preço do diesel, não é tirando o Parente que muda, a questão dos preços é um projeto político econômico entreguista. Isso não é e nem será tocado.

    Também são bolsonarista e apoiam um golpe militar.

    Saudações

     

  5. Pouquíssimos tem noção da origem do problema

    A maioria sequer sabe quem é Pedro Parente.

    Não devemos subestimar o poder da desinformação.  Por conta da narrativa midiática, ja há quem atribua o caos a caminhoneiros comunistas, seguidores do Lula, o verdadeiro responsável pela desordem. Conversas ouvidas em ponto de ônibus. 

     

     

  6. Não há o que comemorar.

    Não há o que comemorar. Descontentamento por descontentamento não gera nada. A República Velha gerou o tenentismo e as primeiras greves operárias, mas nenhuma revolução social. Essa greve doa caminhões não passa de um 2013 2.0 para cancelar as eleições em 2018 e, sim, infelizmente sim, teremos os milicos de volta logo mais. Como disse o General pros maçons: é um golpe por várias aproximações, ou seja, lento e gradual.

  7. Pedro Parente…

    a escolha perfeita de todo canalha golpista e entreguista

    aquele que sabe o que fazer para que um país pare de produzir riquezas

    e passe a produzir ricos

  8. O maior barulho

    Um gol do flamengo há poucos minutos por todos os bares lotados.

    Daqui a dois dias nada aconteceu.

    O Brasil tem UM inimigo, a rede esgoto. Nada acontecerá enquanto uma bomba não cair na cabeça de cada um dos filhos do marinho e destruir toda aquela estrutura maldita. Pode passar fome, não ter gás em casa, não ter casa, nada acontecerá, nada terá qualquer efeito enquanto a mídia tiver esse poder absoluto de idiotizar.

    O País sendo destruído na cara de todo mundo, mas ninguém vê. O Brasil se desmanchando a cada dia e o gado vai sorridente para o matadouro.

    Estamos em uma guerra e o inimigo está dentro de casa liberando alguma espécie de gás venenoso, invisível e inodoro. Sinto, mas o dano cerebral causado parece irreversível. Só uma bomba, talvez, seja capaz de despertar o rebanho da hipnose coletiva. Só um terrível e tremendo estrondo ainda pode nos salvar.

    Os 3 filhotes do marinho na FORCA EM PRAÇA PÚBLICA ou o pescoço para a canga.

    Trágico, sim, ouvir o urro uníssono disparado ao gol do flamengo.

     

     

     

  9. TNT puro

    Trinitrotolueno!

    No início de 1917, o transporte ferroviário russo entrou em colapso (devido à guerra travada pelas tribos germânicas – representadas pela Alemanha e o Império Austro-húngaro – contra o país), provocando o desbastecimento das grandes cidades, Quando, em março, começou a faltar pão nas padarias de Petrogrado (atual São Petersburgo e antiga Leningrado), as mulheres saíram às gritando ‘QUEREMOS PÃO”. Uma semana depois, o czar abdicou. O resto é história.

    Agora o transporte rodoviário brasileiro entrou em colapso (devido à guerra híbrida travada pelas tribos germânicas – representadas pelos EUA – contra o País). Quando vai começar a faltar pão nas padarias?

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