No lugar de cancelar Risério, é melhor debater seus equívocos, por Luís Felipe Miguel

Os textos em defesa de Risério que a Folha publicou depois são mais interessantes.

No lugar de cancelar Risério, é melhor debater seus equívocos

por Luís Felipe Miguel

Eu li o artigo do Risério e achei melhor nem comentar. Risério e a Folha publicaram exatamente para gerar polêmica. Por isso o tom provocativo, arrogante, que antes sublinha do que esconde a debilidade dos argumentos esgrimidos.

Os textos em defesa de Risério que a Folha publicou depois são mais interessantes.

O de Joel Pinheiro da Fonseca tem o mérito de apresentar, com clareza cartesiana, a falácia principal que subjaz ao artigo de Risério, que é ver no racismo um defeito de conduta individual.

Fonseca diz que reservar a palavra “racismo” para violências de um grupo privilegiado contra outro, desprivilegiado, seria como dizer que só há assassinato quando A mata B, não quando B mata A.

Mas hoje as ciências sociais entendem, eu diria que consensualmente, o racismo como um sistema estruturado de negação de direitos, redução do horizonte de possibilidades e tolerância e incentivo a agressões contra determinado grupo de pessoas.

O símile adequado não seria com “assassinato”, mas, talvez, com “genocídio”. Um judeu que matasse um alemão apenas por ser alemão ou um palestino que mate um israelense apenas por ser israelense cometem homicídios, mas “genocídio” é um termo que se reserva para o caminho inverso – exatamente por seu caráter profuso e sistemático.

Quando Risério evoca Louis Farrakhan ou a obscura escritora sudanesa que afirma a inferioridade genética dos brancos, está indicando a existência de bolsões de ódio racial de negros contra brancos. É possível discutir a reticência que setores progressistas têm a condenar tais manifestações. Mas equivalê-las a racismo é obviamente falacioso.

Fonseca escreve: “Se fosse só uma questão de termos, não faria muita diferença. O problema é que o uso das palavras facilmente altera o entendimento das coisas”.

Concordo plenamente. É preciso assinalar o caráter estrutural do racismo exatamente para marcar que seu enfrentamento não pode se limitar à punição às condutas individuais, mas deve incidir sobre a forma da organização da sociedade.

Já os textos de Hélio Schwartsman e de Lygia Maria, na edição de hoje, discutem sobretudo as reações a Risério – e eu creio que apresentam argumentos dignos de atenção.

Todo mundo sabe que implico com ele, o sábio dos manuais de divulgação. E ela, pelas poucas colunas que li até agora, é – no sentido preciso da palavra – uma conservadora. Mas, embora eu não as endosse in totum, as colunas de ambos trazem questões interessantes.

Schwartsman condena quem acusa Risério de ser racista e quem julga que a publicação de seu texto devia ter sido vetada previamente.

De fato, Risério em momento nenhum nega a existência ou mesmo a prevalência do racismo contra negros. Apresenta uma leitura equivocada do racismo, isto sim.

Esta leitura equivocada, porém, é provavelmente dominante na sociedade brasileira. Seria possível aproveitar o texto de Risério para, em vez de cancelá-lo, debater seus equívocos e mostrar por que está errada. Em benefício não do autor, em cuja boa fé tendo a não acreditar, mas do público.

O que Schwartsman aponta é a replicação, no caso em tela, da tática de alguns grupos identitaristas, de silenciar discordâncias no grito. Que pode ser muito lacrante, mas não ajuda em nada no avanço da luta contra as opressões.

Lygia Maria caminha na mesma direção, observando como, ao desqualificar críticos por serem “brancos” (mesmo quando não o são, aliás, como é o caso de Wilson Gomes), por isso recusando a priori qualquer enfrentamento com seus argumentos, certos identitaristas promovem uma biologização do debate público que guarda similaridades com um processo que foi central na constituição histórica do racismo branco.

Da velha esquerda se pode criticar muita coisa. Mas ela sempre esteve pronta para o debate público de ideias, sempre ansiou por ele – até por saber que, quando ele é cerceado, é ela a primeira a sofrer.

Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular).

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Luis Felipe Miguel

5 Comentários

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  1. “…Da velha esquerda se pode criticar muita coisa. Mas ela sempre esteve pronta para o debate público de ideias, sempre ansiou por ele – até por saber que, quando ele é cerceado, é ela a primeira a sofrer…” Nota-se na reação violenta e irracional quanto ao texto ou a Gestapo Ideológica e STF perseguindo opiniões contrárias. Seria cômico se não fosse trágico. O Brasil vive sim este racismo trágico, assim como a racismo inverso a partir de 1930, quando o Revisionismso Histórico Esquerdopata-Fascista de homens brancos de meia idade como Florestan ou Paulo Freire, frente ao MEC (Obra primordial do Ditador Assassino Fascista)substituem a Grandiosidade da Intelectulidade Negra e Miscigenada Brasileira de Democracia e Republicanismo até 1930 (Luiz Gama, Machado de Assis, André Rebouças, Lima Barreto,…) pela Xenofobia, Higienismo e Racismo Norte Americanos e Europeu que começam a ser implantados na Ditadura do Estado Novo. Nossa Cultura Negra e Miscigenada então é trocada pelo símbolo caricato de Mulher Branca Européia com fruteira na cabeça. A evolução igualitária de Florestan, Freire e toda Intelectualidade Esquerdopata dentro de MEC, USP, Unvs, Federais, UNE, OAB,…de Elites Brancas e Pensamentos “Brancos” a partir de 1930 rumo ao Terceiro Mundo. Latrina e Escárnio do planeta desde então. O Racismo no Brasil tem dia e hora para começar. Destrui uma Nação Potência Continental e seu século de Vanguarda Mundial (1830/1930) nos jogando em 91 anos de excrementos ideológicos onde estamos enterrados até hoje. Pobre país rico. Mas de muito fácil explicação.

  2. Um macho branco saindo em defesa de outro macho branco num espaço jornalístico dedicado à machos brancos (como todos os outros). Cadê a novidade?

  3. Quem relativiza o racismo no Brasil é racista.

    Risério é um racista.

    Joel, trader de órgão, é um racista.

    Demétrio SEMPRE foi racista.

    Narloch é um imbecil racista.

    E a Folha é uma empresa capitalista, comandada por racistas.

  4. Parabéns pela colocação. O importante é debater as ideias. Só não entendi sobre a velha esquerda: Stálin não se interessava pelos debates, valia o tudo pelo poder. É o mesmo que os jornalistas “censores “ fazem. Espero que a sua crítica seja entendida e respeitada

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