O jogo da ciência II, por Gustavo Gollo

O jogo da ciência II, por Gustavo Gollo

A constatação de que vivemos em um mundo aberto, um mundo no qual infinitas possibilidades se nos apresentam a cada instante, impõe, de imediato, como corolário, a obrigatoriedade de que não nos portemos como se vivêssemos condenados a escolher entre um pequeno punhado de alternativas, e fadados a repetir e repetir, como se um bug nas engrenagens do mundo, ou de nossa mente, resultasse em algo análogo a um disco emperrado. Vivendo em um mundo aberto, a necessidade de se manifestar através de clichês consiste em estupenda manifestação de pobreza mental.

Se tal conclusão se impõe, virtualmente, em todas as instâncias de nossa vida, para os que se intitulam cientistas e se propõem a desenvolver conhecimentos novos e fazer avançar os horizontes da humanidade, ela é não só compulsória, mas drástica e radical!

Obrigação adicional, tem o autor da ideia, de estender sua pregação à prática, convindo-lhe também a generosidade de compartilhar seus exercícios e achados com toda a gente, acrescendo, em meu caso, ser também o autor da defesa da ciência como um jogo – defesa literal. Anuindo ser tudo isso o caso, trato de expor umas pré-conclusões “verdes”, ou “cruas”, e ainda em “cozimento”, mas que já podem ser saboreadas. Uma versão beta da ideia.

Proporei a seguir um metajogo. Trata-se de um fabuloso jogo de criar jogos!

Apresento, nas páginas que seguem, uma versão avançada, apropriada para doutorandos em física e matemática, mas ilustrativa de certo método, e, nessa medida, extensível a todos. Antes disso, descrevamos o cenário no qual vêm se arrastando estes jogadores, atualmente.

Cursos de física costumam impor forte decepção aos estudantes, após descortinar-lhes a encantadora magia da física moderna, desenvolvida, fundamentalmente, nas primeiras décadas do século XX, quando, no auge do encantamento, os jovens alunos descobrem a estagnação posterior da física, sendo informados de que chegaram atrasados para a festa, e que o parabéns foi cantado um século atrás, propiciando lauto repasto para todos os participantes, mas cujos restos já foram roídos por gerações subsequentes de famintos, restando para eles, talvez, apenas a possibilidade de cheirar os pratos lambuzados, outrora preenchidos com delícias saboreadas antanho.

Informados, assim, desde a graduação, de que o banquete não era para o bico deles, os jovens estudantes devem se resignar a sonhar com um passado glorioso, mas se contentar com as migalhas que ainda consigam descobrir entre os restos deixados pelos desse tempo.

Tendo tido uns anos para se acostumar com a ideia frustrante, os abnegados e ainda jovens estudantes chegam, assim, sem maiores ambições ao doutorado, sendo então conduzidos a aceitar um projeto tão espinhoso quanto irrelevante que lhes custará inúmeras noites em claro, imersos em cálculos muitas vezes inatingíveis, outras tantas maçantes, e que resultarão, quando muito, em migalhas, condenando suas vidas, até o restante de seus dias, a um trabalho árduo, e inútil, como se tivessem sido destinados a gerenciar um brocoió depauperado, e fadados a remoer eternamente o mesmo bagaço ressecado, com o intuito vão de espremer gota de um suco que nele já não resta.

Décadas atrás, quando perguntado sobre que conselho daria aos jovens, Nelson Rodrigues, um notório reacionário, então já velho e ressentido, respondeu enfático: envelheçam!

Não!, não façam isso, digo-lhes eu, e nem permitam que lhes envelheçam a força, condenando-os a labuta improfícua e penosa, qual Sísifos contemporâneos a empurrar torturantes rochedos intelectuais.

Rejuvenesçam e rebelem-se, elegendo um projeto que lhes permita sonhar, que mantenha acesa a sua mente, seus desejos, que os encante, e que possa ter relevância e sentido, negando-se a aceitar proposta que direcionará suas vidas para um propósito vazio. Delineie um projeto que possa vir a gerar frutos, e se negue a aceitar o destino estéril decorrente de uma escolha infrutífera.

Ao jogo!

Quase um século atrás, o padre Lemaitre propôs uma bela teoria para explicar a origem do universo. Partindo do intuito original de compatibilizar o conhecimento científico com as descrições bíblicas, o valoroso cônego belga imaginou uma enorme e singular explosão original no início dos tempos, geradora de todo o universo, hoje chamada “big bang”.

Proponho uma alternativa/complemento a tal teoria, a ser desenvolvida com base na ideia de replicador. Em poucas palavras, um replicador é qualquer coisa capaz de, direta, ou indiretamente, gerar cópias de si. Descrição um pouco mais detalhada do conceito pode ser encontrada aqui.

https://jornalggn.com.br/fora-pauta/teoria-da-evolucao-por-gustavo-gollo/

Para explicar o surgimento do universo, pode-se partir de uma singularidade original, como fez Lemaitre. Também é possível pressupor um mundo original povoado por entidades radicalmente díspares, sem qualquer similaridade entre umas e outras, todas elas únicas e drasticamente diferenciadas de todas as demais. Penso que tal mundo existiria “anteriormente” ao próprio tempo, dado não haver sentido em se referir a “tempo” em um mundo no qual nada se repete, sendo cada “instante”, ou melhor, cada quadro desse mundo, contíguo a outro quadro, sem qualquer continuidade com o anterior que fosse capaz de compor a noção de tempo, gerando assim uma diversidade absoluta.

Quando perguntado sobre o que Deus teria estado fazendo antes do primeiro dia, Santo Agostinho, um grande intelectual medieval, teria respondido que Ele estava construindo o inferno, para colocar quem um dia viesse a fazer esse tipo de pergunta! E talvez, no entanto, existências precursoras do tempo possam ser pensadas.

Em tal mundo, povoado por pura diversidade, teria surgido, fruto de uma das infinitas interações locais, um replicador original, uma entidade capaz de gerar réplicas de si, propiciando a contagem do tempo, e gerando réplicas geradoras de réplicas que acabariam por povoar o universo.

Tais replicadores poderiam ter se aglutinado em entidades “gasosas” ou “cristalizado” para formar elétrons e demais partículas elementares.

Partindo deste cenário de uma cosmogonia nominalista, o metajogo que proponho, consiste em inventar jogos matemáticos capazes de se coadunar com as características das partículas e explicar os resultados das diversas interações entre elas. Tais jogos, de fato, já existem. A novidade que proponho consiste em pressupor todas elas como interações replicadoras, baseado no preceito de que seres idênticos, réplicas, decorrem de interações replicadoras (muitas delas indiretas, de maneira análoga à dos vírus, criaturas inertes).

Resumo: invente jogos matemáticos descrevam um replicador original e suas interações capazes de gerar as partículas elementares que compõem o nosso mundo.

A tentativa de construir todo o universo com um único tipo de replicador capaz de compor tudo o que se conhece é extremamente ambiciosa. Mas mesmo uns poucos tipos de replicadores originais capazes de gerar a totalidade das coisas seria resultado absurdamente grandioso! Grandioso e digno de atenção e do investimento de toda uma vida – vida que é a única que terá, jovem, consuma-a tendo isto em foco.

Creio que tal grandiosidade justifique o investimento de toda a vida – observação referente à vida profissional; nunca perca de vista o fato de sua vida ser única, e de o universo ser rico o suficiente para evitar que ela transcorra em uma única dimensão –, ao contrário da triste labuta de uma vida empenhada em moer bagaço ressecado – mas cuidado com os conselhos, ou ameaças, dos que gastaram as deles em meio à triste aridez de seus dias.

Assim sendo, contemplemos a vida e vibremos!, contemplemos partículas e estrelas, e vibremos!, pulemos e vibremos em louvor às partículas, às estrelas, aos jogos e à vida! E rolemos a festa!

Venho desenvolvendo uma ideia que chamo “biologia generalizada” que consiste em uma generalização da biologia e da extensão dos conceitos e análises biológicas a sistemas inertes. O texto a seguir propõe critério de medidas aplicáveis aos seres vivos e generalizáveis a outros.

https://pt.slideshare.net/GustavoGollo/aptido-51261951

As analogias que proponho entre seres vivos e inanimados, tratando ambos como replicadores, tendem a soar estranhas e absurdas a princípio. Esse texto talvez atenue isso (ou talvez exacerbe a sensação), recomendo também:

https://jornalggn.com.br/fora-pauta/nao-linearidades-contemporaneas

P.S. Duas lembranças me ocorreram, depois de publicado o texto:

O problema/jogo aqui proposto tem alto grau de dificuldade e, consequentemente, gerando enorme probabilidade de não ser resolvido durante o prazo de um doutorado, de modo que bem valerá desenvolver, simultaneamente a este, outro mais modesto.

Por outro lado, não devemos nos esquecer que a fase mais produtiva da vida é a juventude, sugerindo que não a desperdicemos empenhados exclusivamente em joguinhos menores.

Gustavo Gollo é multicientista, multiartista, filósofo e profeta.

Redação

2 Comentários

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  1. prof. Pardal descobre a roda

    Apesar da vagueza nos conceitos apresentados neste texto mal explicado, tudo indica que o professor Pardal do blog apresenta a sua roda. O conceito de recursividade presente em “replicadores” é tão antiga quanto a algebra. Usada largamente na matemática, na computação ou na biologia genética. Trata-se de uma FERRAMENTA e não de uma finalidade em si própria.  O nosso professor Pardal poderia ao menos ter nos oferecido a fineza de dimensionar o seu problema. Na ciência a cosmologia nos oferece o paradigma geometrico. Na metafisica o paradigma é a sincronicidade. A que se refere ? 

  2. a propósito…

    minhas criticas se dão ao nível das ideias, lembrança que achei necessária. O autor parte  do cretino, quase alienado principio de que a física do século XXI está estagnada, o que leva a duvidar de seus conhecimentos cientificos. Nunca na história da humanidade a física esteve tão vibrante e presente como nos dias atuais, a ponto de substituir a filosofia para inumeras questões. Talvez não volte a surgir um novo Einstein, visto que a complexidade do tema exige o trabalho conjunto de muitas equipes . Não quero mal o autor, que aliás nem conheço. É que diante dos inumeros desserviços deste portal à ciência acho importante o contraponto.

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