O ovo e o pinho sol, por Allyson Allan

O ovo e o pinho sol

por Allyson Allan

Notório o destaque atual da imprensa na polarização causada por dois objetos simbolicamente carregados de significados, o ovo e o pinho sol. Sabe-se que não é de hoje que diferentes objetos ganham significados maiores que suas funções na sociedade, saciar a fome e desinfetar o banheiro, por exemplo. O que está em jogo é o sentido dado pelo uso dos dois objetos por dois diferentes protagonistas, um manifestante que lustrou a cabeça do Doria em Salvador nessa segunda-feira e o jovem Rafael Braga que foi incriminado pelo porte do desinfetante e outros ilícitos pela Primeira Câmara Criminal do Rio de Janeiro nessa terça-feira.

Outros objetos têm sido carregados de valor simbólico na história. A Constituição da mandioca que foi a primeira a declarar o Brasil como independente das terras portuguesas no início do século XIX. Guerra das bananas na invasão de Cuba, Caribe e quase toda América Central pelas forças americanas contra as espanholas, no início do século passado. Ou uma mistura do café com o leite, que deu nome a disputa pelo poder entre políticos mineiros e paulistas que terminou com a morte de João Pessoa. Esses eventos têm em comum a polarização Portugal / Brasil, Estados Unidos / Espanha, Minas Gerais / São Paulo e que tem se tornado um segundo turno das eleições de 2018, quem é a favor ou contra tal partido, político ou movimento. Não tem meio termo, não há consenso e muito menos bandeiras e projetos políticos alternativos, somente ovo.

https://www.youtube.com/watch?v=RJrhATCnwfE align:right

O ato político de lustrar a testa do Doria com albumina atua como uma quebra pontual na blindagem estética do prefeito de São Paulo que sente-se confortável somente no território que o elegeu. A visibilidade ganha pelo uso do ovo vai além do coro “- Fascistas, golpistas não passarão” que foi orquestrado pelos manifestantes em Salvador. O ato político intensivamente divulgado mostra que há um abismo entre o projeto político do candidato e a população que se reuniu contra a baderna da Câmara, que dedicou à vítima do ovo o título de cidadão soteropolitano. Aliás, a violência do ovo quebrado não foi tão violenta quanto dar ao Doria o título de cidadão soteropolitano pelas mãos de senhores-de-engenhos, ratificando assim o discurso que “o legislativo não é cartório carimbador de opiniões do povo”, discurso proferido recentemente pelo deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ), fazendo sentido à luz dos espaços institucionais desde a Câmara de Vereadores de Salvador ao Senado. O ódio criado pelo ovo é proporcionalmente à ojeriza criada pelo pinho sol.

A história do Rafael Braga trouxe a tona a discussão da parcialidade da Justiça onde há um fenótipo criminal. O estereótipo ajudou na decisão sobre o crime cometido de portar pinho sol durante as jornadas de junho de 2013 que fez com que ele fosse condenado por mais de quatro anos de prisão em regime semiaberto. Rafael voltou a ser preso em 2015 portando nove gramas de cocaína condenado por tráfico de drogas e associação ao tráfico, ao todo onze anos de prisão, tendo como única evidência a fala do policial que o prendeu. De um lado o pinho sol com um valor simbólico de quatro anos de prisão para Rafael Braga, de outro o ovo e a quebra de uma estética midiática.

Há um significado em comum para ambos os casos, o ódio gerado. Por um lado um legislativo e executivo que não tem aprovação popular, e é ovacionado por sonegadores de impostos que tem suas dívidas perdoadas e são em sua maioria latifundiários e banqueiros; por outro, um judiciário em descrédito quando julga 9 gramas de cocaína como tráfico de drogas para um fenótipo criminoso com base em discurso de autoridade policial e que, antes ainda, em 2014, criminaliza o porte de pinho sol.

O ovo e o pinho sol podem dar lugar a outros objetos como helicópteros e malas também carregados de valor simbólico. Quem sabe o judiciário mude com malas e helicópteros de pinho sol. Quem sabe o executivo e o legislativo faça uma grande receita de reforma política com ovos e alhos.

Ou alternativamente, o valor simbólico desses objetos possa mudar caso o projeto político priorize educação, tecnologia e ciência, e mais verbas não sejam cortadas no MCTI e no MEC. Uma injeção de dinheiro no MEC e no MCTI levaria para além dessa polarização material, humanizando e formando recursos humanos essenciais para resignificação dos julgamentos e decisões políticas.

Redação

5 Comentários

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  1. O peso da lei

    400 gramas de cocaina e um testemunho do representante da lei

    não são equivalentes a 400 kilos de pasta base de coca

    sem o testemunho de um representante da lei,

    especialmente se ele não quiser  testemunhar.

    A lei é igual pra todos.

    A interpretação da lei é que é individualizada.

     

     

  2. Só faltou você mencionar o

    Só faltou você mencionar o elo entre ambos.

    A mala de dinheiro entregue ao homem de confiança de Michel Temer. 

    Rodrigo Santos da Rocha Loures desapareceu dos noticiários.

    Agora só se fala do ovo na cabeça do Dória Jr. e da injusta prisão de Rafael Braga por porte de Pinho Sol.

    Não por acaso, as malas de dinheiro também transitam dentro dos Tribunais brasileiros e justamente por causa deste transito existe uma distinção no tratamento dispensado a Doria Jr. e a Rafael Braga.

    Siga a mala e você encontrará a fonte da juventude.

    Os juízes brasileiros ainda se comportam como se o país fosse jovem, ou seja, uma colônia racista hierarquicamente organizada com brancos no topo e negros e índios na base. As pilhas de dinheiro sustentam a distinção de tratamento dado aos dois grupos em face da mesma Lei.

    1. Caro Fábio, a última frase

      Caro Fábio, a última frase também pode ser escrita assim: a distinção de tratamento dado aos dois grupos produz as pilhas de dinheiro que sustentam a colônia racista. 

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