Por que Boulos?, por Michel Aires de Souza Dias

Por que Boulos?

por Michel Aires de Souza Dias

É fato que o Estado nunca se identificou com a comunidade, uma vez que seu objetivo, até então, sempre foi perpetuar e manter a exploração de classe de forma legal.  O poder político no Brasil sempre foi um instrumento a serviço das elites.  Desde a década de noventa tivemos governos neoliberais, como Collor, Itamar, Fernando Henrique, Temer e, atualmente, Bolsonaro. Historicamente, as políticas neoliberais serviram apenas à classe proprietária, para desenvolver a infraestrutura econômica e produtiva necessárias para o acúmulo do capital, perpetuando cada vez mais as desigualdades sociais. A agenda neoliberal sempre prezou pela diminuição do papel do estado na economia e na redução dos investimentos e alcance das políticas públicas.  Nos últimos anos, as privatizações, a desnacionalização da economia, a desregulamentação dos mercados e a austeridade fiscal sempre fizeram parte da política de Estado. O poder político sempre foi condicionados pelo ambiente econômico. Os interesses econômicos e de classe sempre estiveram acima de quaisquer reivindicações populares.

Atualmente, entende-se a racionalidade política como consenso, sendo este o princípio da democracia. Mas, como falar em democracia se a política é feita entre iguais. O consenso sempre foi e continua sendo a lógica dos dominantes. Em uma palestra feita aqui no Brasil, o filósofo francês Jacques Rancière (2014) afirmou que, sob o termo consenso a democracia é concebida como o regime puro da necessidade econômica.  O desenvolvimento das forças produtivas, ao impor a coesão do corpo social, esvazia o sentido da política como escolha entre soluções alternativas. Hoje, enquanto os partidos políticos comemoram o consenso nacional e o advento dos grandes espaços supranacionais, reaparecem as formas mais brutas, mais arcaicas, da guerra étnica, da exclusão, do racismo e da xenofobia. Para o pensador francês, a grande irracionalidade que vivemos hoje está ligado a essa forma de razão política fundamentada no consenso dos mais fortes, pois representa o esquecimento do modo de racionalidade próprio à política.

Para a filósofa alemã Hannah Arendt (2003a, p.21), “a política trata da convivência entre diferentes.”, não entre iguais.  O espaço político se baseia na pluralidade dos homens e só tem sentido se a liberdade se fizer presente. A partir dessa perspectiva, uma democracia só pode ser efetiva se contemplar a participação popular. Cabe a ela criar mecanismos de participação direta dos trabalhadores, das minorias e dos mais pobres. A participação popular só tem a contribuir para o aperfeiçoamento da democracia, uma vez que torna a política instrumento de empoderamento, de igualdade, de liberdade e de cidadania. Quando a política é cerceada e se torna um monopólio de alguns, isso significa a negação da pluralidade humana. O conceito de pluralidade é “a condição da ação humana pelo fato de sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a existir” (ARENDT, 2003b, p.16).

É com este espírito que Boulos faz política. É pensando na pluralidade dos homens, na participação política das classes populares, que ele personifica o verdadeiro espírito democrático. É olhando os mais pobres que ele busca dirimir as grandes desigualdades sociais e equalizar as oportunidades por meio da política. Sua formação em filosofia e sua longa experiência nos movimentos sociais lhe permite ter uma visão mais ampla da realidade e das demandas populares. Como líder do Movimento dos Trabalhadores sem Teto, ele tem uma percepção profunda da pobreza, da exclusão e do preconceito que essa camada da população sofre. Ele também conhece as demandas das minorias, pois sempre esteve presente nos debates e na luta com ativistas dos movimentos feministas, negros e LGBT. O que o diferencia de outros candidatos, é que ele nunca esteve ligado à elite econômica e financeira, que financiou seus adversários.  O seu único compromisso é na defesa dos direitos elementares da população mais pobre, que historicamente sempre foi excluída das políticas públicas. São por estas razões que vale a pena ler com atenção o seu plano de governo e dar um voto de confiança a ele.

Michel Aires de Souza Dias – Doutorando em educação pela Universidade de São Paulo. E-mail: michelaires@usp.br

Referências

ARENDT, Hannah. O que é política. Rio de janeiro: Bertrand, 2003a

ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003b

RANCIÈRE, Jacques. O dissenso. Tradução de Paulo Neves. In: NOVAES, Adauto (Org). A crise da razão. São Paulo: Companhia das Letras, 2014

Michel Aires

Graduação em filosofia pela UNESP. Mestre em filosofia pela UFSCAR. Doutor em educação pela USP. Tem experiência nas áreas de Filosofia e Educação, com ênfase na Teoria Crítica, em particular, nos pensamentos de Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Possui artigos publicados nas áreas de educação, filosofia e ciências sociais.

Michel Aires

Graduação em filosofia pela UNESP. Mestre em filosofia pela UFSCAR. Doutor em educação pela USP. Tem experiência nas áreas de Filosofia e Educação, com ênfase na Teoria Crítica, em particular, nos pensamentos de Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Possui artigos publicados nas áreas de educação, filosofia e ciências sociais.

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  • Aperfeiçoamento da democracia? Ora, devemos trabalhar para que a democracia seja abolida, não aperfeiçoada, pois assim como não tem lógica a submissão da maioria pela minoria, também não tem lógica a submissão da minoria à maioria.

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