Redes sociais e autoimagem, por Francisco Fernandes Ladeira

O que Facebook e Instagram fizeram foi elevar a possibilidade de construirmos um personagem de nós mesmos a patamares jamais imagináveis

Redes sociais e autoimagem

por Francisco Fernandes Ladeira

Atualmente, muito se tem falado que o advento das redes sociais fez com que as pessoas passassem a construir “personagens de si mesmas”, ou seja, cada vez mais tentamos aparentar algo que não somos, por meio de postagens no Facebook e no Instagram que enfatizam sucessos profissionais, aquisições de bens materiais, presenças nas baladas mais concorridas, premiações, viagens a lugares paradisíacos e relacionamentos amorosos perfeitos.

Porém, uma análise mais acurada sobre o homem, enquanto ser social, apontará que essa grande dependência em relação ao olhar do outro, a busca por aprovação alheia e a necessidade de transmitirmos uma imagem sobre nós mesmos são questões que estão presentes em nossas personalidades desde o surgimento das primeiras organizações humanas. Logo, muito antes da ascensão do espaço virtual.

No livro A Representação do Eu na vida cotidiana, Erving Goffman compara a vida social a um palco de teatro, em que diversos papéis sociais são encenados, de modo que o indivíduo não é o mesmo em todas as circunstâncias: se ele for um professor e estiver em seu local de trabalho, utilizará um vocabulário próprio, diferente daquele empregado quando está em sua casa e cumpre as funções de pai e marido, ou quando encontra com amigos em um bar.

Lembrando o conceito de habitus, elaborado por Pierre Bourdieu, se frequento a high society, devo cultivar certos hábitos, etiquetas e gostos, como apreciar determinados vinhos, saber se portar à mesa, ouvir música clássica e admirar obras de arte (mesmo que, internamente, eu odeie tudo isso).

Entretanto, nem sempre somos bem-sucedidos na execução do personagem que criamos sobre nós mesmos, pois muitas vezes as pessoas têm impressões sobre nós que são totalmente diferentes daquelas que imaginávamos que elas teriam.

Por outro lado, em ocasiões específicas, o papel social é tão forte que um indivíduo só consegue reconhecer a si mesmo quando desempenha suas funções perante a sociedade. Este é o caso do militar Jacobina, personagem de um conto de Machado de Assis, que só conseguia ver sua imagem refletida nitidamente no espelho enquanto vestia sua farda.

Se até o átomo muda de comportamento quando observado, por que essa máxima seria diferente conosco, seres gregários? Não por acaso, uma letra da banda Capital Inicial traz um intrigante questionamento: “o que você queria fazer se ninguém pudesse te ver?” Provavelmente, algo bem diferente do que você faz quando todos estão te observando.

Portando, as redes sociais não criaram a necessidade do ser humano em “aparecer” para o outro. Conforme pôde ser constatado neste texto, isso faz parte de nós. O que plataformas como Facebook e Instagram fizeram foi elevar a possibilidade de construirmos um personagem de nós mesmos a patamares jamais imagináveis por Goffman, Bourdieu e Machado de Assis, ou qualquer outro pensador.

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Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Autor de dez livros, entre eles A ideologia dos noticiários internacionais (Editora CRV).

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