Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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Século do Ego I – A TV Globo é um crime contra a humanidade, por Armando Coelho Neto

Século do Ego (1) – A TV Globo é um crime contra a humanidade

por Armando Rodrigues Coelho Neto

Crime contra a humanidade é um termo de direito internacional sobre ataque deliberado, generalizado e ou sistemático contra uma população civil. Pode ocorrer em tempos de guerra ou de paz. A desumanização e a experimentação humana, com danos à estrutura mental são exemplos desse tipo de crime. É o que parece fazer a TV Globo contra grande parte dos brasileiros.

No Brasil, quase como regra, as emissoras que não concorrem com a TV Globo a imitam; quem não debate repercute sua programação – novelas, jornalismo, etc. Em linha semelhante seguem as demais mídias.

As Organizações Globo não inventaram a roda nem a pólvora, mas os Marinhos aprenderam bem como utilizá-las, com méritos e deméritos. Desse modo, impossível não lembrá-las depois de assistir o documentário “O Século do Ego” (título original “The Century of Self”), série em quatro capítulos (Adam Curtis, BBC/Londres – 2002).

A obra mostra como o mundo dos negócios e da política recorre a técnicas psicológicas para seduzir o público com produtos e ou discursos. O documentário mostra que as tais técnicas foram inspiradas na obra de Sigmund Freud, sobretudo por seu sobrinho americano Edward Bernays e sua filha Anna. Quem assiste a obra mergulha involuntariamente na engenharia do golpe de 2016.

Conforme o primeiro episódio, Freud há cem anos desenvolveu teorias sobre natureza humana – suas forças primitivas, sexuais e agressivas ocultas nas mentes das pessoas, capazes de levar as sociedades ao caos e a destruição. O horror da guerra, em 1914, foi para Freud uma demonstração de sua teoria. Para ele, os governantes haviam liberado essas tais forças. Suas ideias foram aproveitadas por seu sobrinho Bernays, para manipulação de massas, que trabalhou a entrada e saída triunfal dos Estados Unidos na guerra. Bernays se deu conta de que os fenômenos de massa usados na guerra poderiam ser usados em tempos de paz. E mostrou ao mundo corporativo americano que as pessoas poderiam desejar/comprar coisas que não precisavam.

As ideias do Freud viraram verdadeiro laboratório social nos Estados Unidos, onde Bernays teve papel importante, fascinado com a ideia de ganhar dinheiro manipulando o inconsciente das pessoas. Desse modo, um dos primeiros experimentos foi convencer mulheres a fumarem em público, um hábito até então mal visto. O cigarro estaria associado ao pênis e ao poder masculino e as mulheres precisavam desafiar esse “poder”. Então, num grande evento da Páscoa, convenceu um grupo de debutantes ricas a esconder cigarros sob as roupas. Com um sinal de Bernays, elas acenderiam o cigarro teatralmente, a pretexto de estarem acendendo “tochas da liberdade”. O ato saiu em toda a imprensa e a venda de cigarros estourou. Experimento aprovado!

– A propósito do parágrafo anterior, não é razoável pensar no Pato da Avenida Paulista, pelo menos por enquanto.

Até então, não havia o consumidor americano, mas sim o “trabalhador americano”, o “proprietário americano” e tanto um quanto o outro trabalhava pelo que precisava – no caso dos ricos também os supérfluos. Para estimular vendas ou derrubar governos, foram contratados profissionais para escrever artigos pseudocientíficos com ares independentes, ou seja, falsamente opinativos…

– Quaisquer semelhanças com os articulistas de plantão pró-golpe ainda é imprudente…

Aos poucos, a ideia de cidadania foi cedendo espaço ao ideário do consumo. Bernays, já então conhecido como “entendedor da mente das massas”, estava por trás da mágica e logo foi acionado para manipulação política. Em 1924 foi contratado por Calvin Coolidge, então presidente dos Estados Unidos, para melhorar sua imagem junto à imprensa que o tratava como retraído e mal humorado.

– Só pra lembrar! Coolidge não recorria a próclises nem mesóclises, mas precisava de ajuda.

O mundo estava diante de forças ocultas poderosas capazes de produzir frenesi nas multidões e destruir governos. Nesse sentido, a democracia precisaria ser repensada, com a criação de uma nova elite. Esse repensar viria por meio de técnicas psicológicas, mediante o controle do inconsciente das massas. As pessoas precisavam consumir para serem felizes e dóceis, requisito essencial para que o americano se tornasse suscetível  e manipulável – caminho inexorável para uma sociedade estável.

– No golpe de 2016, foi gerado e ou potencializado ódio, sentimento de infelicidade, instabilidade.

O conjunto de técnicas criado para a manipulação teve nomes como “Máquinas de Felicidade” e “Engenharia do Consentimento”. O que para Freud seria uma advertência foi transformado em receita de manipulação social. Com a crise de 1929, surgiram reveses e Bernays caiu em desgraça. Mas tão logo cessou a crise, ele foi contratado pelas corporações para novas manipulações, em especial para negar a eficiência do Estado que precisava sair do controle do governo e passar  para o controle do mercado. O Estado estaria interferindo demais nos negócios. E Bernays acabou trabalhando também para a CIA.

– Por enquanto é melhor não pensar no discurso de Estado mínimo ou nenhum, nem mesmo na cantilena sobre a necessidade de vender estatais, a pretexto da ineficiência do Estado. Ideias como Deus/mercado e a substituição de políticos por gestores – apresentadas como novas – tem um pé lá atrás na “Engenharia do Consentimento”.

É quando George Gallup, um dos entrevistados na série, entra em cena com as pesquisas e transforma pensamento em planilhas tabuláveis/manipuláveis. Assim, “O Século do Ego” revela o óbvio em termos de manipulação, mas tem o mérito de demonstrar com filmes, fatos, depoimentos de atores que nem tudo é teoria da conspiração na análise de fatos políticos, como o golpe de 2016 no Brasil. Nada aconteceu por acaso.

A obra sugere que a organização e direcionamento do ódio, por meio de impulsos violentos e irracionais podem destruir uma democracia, via sentimentos infectados capazes de afetar a sociedade e suas instituições. E mostra que a perda de controle sobre o irracional e o antidemocrático teria levado a Alemanha a uma tragédia histórica.

– O que seria imprevisível no passado parece utilizado de forma consciente no presente para derrubar governos. E aqui já não seria exagero comparar com os crimes de turba (2013) organizados por golpistas, que logo tiveram apoio da grande mídia. Do mesmo modo a crise moral do judiciário.

Os psicanalistas se tornaram ricos e poderosos nos EUA. Com um ovo numa massa pronta de bolo mexeram na autoestima feminina. A produção da boneca Barbie; o novo cidadão/consumidor; o controle de republiquetas por uma única empresa; a demonização de líder popular; a criação de falsas agências de notícias independentes; o sentimento anticomunista; campanhas de terror e treinamento de exércitos rebeldes para atender interesses americanos foram truques psicomidiáticos. A derrubada do governo da Guatemala, em 1954, por exemplo, foi passada para o americano como a libertação de um povo que, internamente, fora aterrorizado com o fantasma do comunismo, tudo com a assinatura de Bernays e Cia.

Assistir “O Século do Ego” pode ajudar na compreensão do momento atual. Não ter inventado a pólvora não isenta de responsabilidade quem a usa para matar. A série revela o nefasto uso politico/comercial da psique de americanos e estrangeiros. Tudo a sugerir que a irracionalidade vigente nas contradições do Brasil do pré e pós-golpe não seriam obra do acaso. A grande mídia é coautora de um crime contra a humanidade, ainda que um bando de psicanalistas não tenha se reunido com esse propósito no prédio da Fiesp ou na mansão dos Marinhos na cidade de Paraty-RJ…

Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal, ex-representante da Interpol em São Paulo

 

Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

7 Comentários

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  1. O povo está cansado da Globo.

    O povo está cansado da Globo. Ele se sente sequestrado por ela. Todos a assistem, é verdade, mas é mais numa relação um tanto de ódio e desgosto. Assim que a Globo acabar – e ela vai – será como no fim daquele filme com o Jim Carrey, o “Show de Truman”: todos vão respirar aliviados e vão dizer uns aos outros: “e aí, vamos fazer outra coisa?”. O Brasil vai ter essa reação quando a Globo acabar, será um alívio e uma disposição para, agora, sem a interferência cretina dela, fazer as coisas que esse país precisa que seja feito. Liberdade à Lula. 

    1. As pessoas que assistem TV

      As pessoas que assistem TV continuam no vício dfa Globo. No bar, sala de espera e na esmagadora maioria dos lares… só dá Globo. Sistema Globo. A Globo só acabará quando outro tomar seu lugar. Só!

  2. As diversas formas de manipulação

    Ontem ao comentar pelo telefone com uma pessoa sobre as manifestações contra o tosco bolsonaro, a pessoa me disse que na igreja dela (adventista) disseram que Fernando Haddad é um anarquista, que quando “Secretario da Educação (sic) quis implantar a homossexualidade nas escolas, para crianças pequenas.” 

    Fico pensando até onde uma população sem mecanismos de defesa pode ser levada a cometer barbaries em nome da tradição, familia e propriedade. Propriedade! Essas pessoas nem têm patrimônio e nem conhecimento.

    Se vencer, o governo de Fernando Haddad devera investir ferozmente em educação/instrução.

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