Um projeto para a vida e outro para o veneno, por Nilto Tatto

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Um projeto para a vida e outro para o veneno

por Nilto Tatto

Dois Projetos, duas visões diametralmente opostas acerca da produção agrícola brasileira. De um lado o famigerado PL do Veneno (6299/02), de autoria do então deputado Blairo Maggi, um dos líderes da bancada ruralista, que retornou à pauta de debates na Câmara. De outro o PL 6670/16 que também começou a tramitar na Casa, que institui o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos. Desengavetado depois de quase duas décadas, este Projeto autoriza ampliação do uso de agrotóxicos em nossa agricultura, inclusive com produtos químicos já condenados e banidos em outros países.

Note, leitor, que de 2003 a 2015, durante os governos LULA e Dilma, este que é conhecido como o PL do veneno permaneceu parado, na gaveta. Agora a bancada ruralista que tem o ilegítimo governo Temer como refém, aproveita o momento para reapresentá-lo, em contraposição ao Projeto de Lei 6670/16, que institui o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos. Conhecido sob a sigla PNARA, este PL, do qual sou relator, foi elaborado e apresentado por meio de iniciativa popular, com milhares de assinaturas, como prevê a Constituição.

Sobre o PL do veneno, aprovado em Comissão especial com parecer favorável do relator, também ruralista, deputado Luiz Nishimori (PR-PR), por 18 votos a 9, diversas instituições têm se posicionado contra a flexibilização do uso de agrotóxicos, como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Greenpeace, o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Fiocruz, Instituto Nacional do Câncer e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entre outras.

Medida polêmica e execrada por cerca de 280 entidades e diversos segmentos sociais, a Câmara de Meio Ambiente e patrimônio Cultural do Ministério Público Federal observa que é ilegal flexibilizar o uso de agrotóxicos pois, além de causar graves danos à saúde pública, à fauna e à flora, desrespeita alguns artigos da Constituição. A Procuradoria Geral da República já deixou claro que, se aprovado este PL do Veneno na Câmara, vai entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal.

Entre os pontos inconstitucionais o MPF destaca artigo deste PL que dispensa os vendedores de advertir os consumidores sobre os malefícios dos agrotóxicos. A Constituição, em seu artigo 220, prevê exatamente o contrário. E, ainda, adotar o eufemismo “insumos agrícolas” para substituir a identificação de produtos tóxicos perigosos torna vulnerável tanto o agricultor como a devida proteção ao meio ambiente e à saúde da população que vai consumir produtos agrícolas sem as informações necessárias sobre seu modo de produção. É também considerado inconstitucional o item que retira dos estados a autonomia para legislar sobre o tema.

Em sentido oposto, enquanto a bancada ruralista tenta aprovar um Projeto que, na prática, coloca mais veneno na produção agrícola brasileira, a sociedade se mobiliza para reduzir progressivamente a utilização de produtos químicos na plantação, através do Programa Nacional de Redução de Agrotóxico que propõe, também, ampliar a oferta de insumos de origem biológica e naturais, que contribuem para a defesa da saúde e sustentabilidade ambiental com a produção de alimentos saudáveis

Diante de uma triste realidade em que o mercado de agrotóxicos, em apenas uma década, cresceu quase 200% no Brasil, frente a 93% no mercado mundial no mesmo período, este PNARA determina que órgãos públicos federais de saúde, agricultura, trabalho, indústria, comércio e meio ambiente, em parceria com organismos estaduais e municipais dessa natureza, deverão realizar ações integradas para a fiscalização da importação, produção e comercialização desses venenos destinados à agricultura, bem como a eliminação de subsídios, isenções fiscais e outras formas de apoio econômico na utilização e comércio desses produtos.

Outras medidas são previstas pelo Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos, como a atualização, a cada três anos, dos registros de agrotóxicos; revisão das penalidades para uso inadequado de agrotóxico e suas embalagens; proibição do uso desses produtos nas proximidades de moradias, escolas, recursos hídricos, áreas de proteção ambiental e de produção agrícola orgânica; banco de dados para monitoramento da eficiência agronômica, seus efeitos adversos, ocorrências de intoxicações.

Enfim, enquanto o PNARA propõe um conjunto de medidas efetivas de redução do uso de agrotóxicos, em defesa da saúde pública e preservação ambiental, o PL do veneno, que a bancada ruralista quer aprovar, vai no sentido oposto. Os ruralistas alegam a intenção de aumentar a produtividade agrícola para alimentar o mundo, . Mas esquecem que, por conta de muitos dos produtos químicos que querem utilizar aqui, dezenas de países deixarão de adquirir nossa produção agrícola. Será preciso desenhar isso para esses senhores??

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. Lucrativo

    O agrotóxico é lucrativo nas duas pontas.

    Quem fabrica o agrotóxico enriquece vendendo produtos que envenam os alimentos que consumimos e em se nos envenenando nos adoece, e enquanto doentes vamos tomar os remédios caríssimos que  esses mesmos fabricantes de agrotóxicos fabricam e vendem, aí, no final do processo, chegamos ao túmulo  com  alto valor agregado.

    Maiores fabricantes de agrotóxicos do mundo: Basf, Bayer, Dow, Dupont, Monsanto e Syngenta – controlam hoje 66% do mercado mundial

    http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/agrotoxicos-um-mercado-bilionario-e-cada-vez-mais-concentrado

     

  2. Uma sociedade suicida se preocupa com democracia?
    Nassif, até que ponto uma sociedade que não se preocupa com a própria saúde vai se preocupar com a ditadura togada que mantêm preso o candidato em que votaria majoritariamente para ser o próximo presidente da República, em outubro próximo? Se nem o fato de sermos o país recordista no consumo de agrotóxicos e de incidência de câncer provocado por esse consumo leva a população a reagir, quais as chances desse povo reagir aos ditadores travestidos de magistrados que mantêm Lula prisioneiro e, como tal, inelegível? Uma resposta plausível seria deixar claro que a mídia mantêm a sociedade desinformada sobre a carnificina humana provocada por esses venenos agrícolas, mas, por outro lado, o que fazem as 280 entidades que se opõe ao Projeto do Veneno de autoria de Blairo Maggi, visando alertar a sociedade e barrar a aprovação desse PL que chega ao requinte de chamar venenos biocidas de defensivos que devem ser comercializados sem nenhuma restrição? Para responder a tais indagações, convêm lembrar que uma das características mais marcantes da resistência à ditadura militar de 64 foi a do engajamento da sociedade civil à luta pela saúde pública, meio ambiente e C&T. Daí surgiram as primeiras manifestações públicas contra a poluição do ar, das águas e do solo, obrigando o Governo estadual a criar a CETESB, há 50 anos, fundindo a Superintendência de Saúde Ambiental da Secretaria da Saúde à Comissão Intermunicipal de Controle da Poluição das Águas e do Ar. Uma ação civil pública pioneira da ongue Oikos, demonstrando que a poluição do ar estava causando o nascimento de crianças sem cérebro ou anencéfalas em Cubatão, ganhou uma indenização milionária na Justiça, totalmente revertida para que o Ministério Público paulista pudesse criar os mecanismos legais em defesa da saúde pública, instituindo os direitos do consumidor e as bases dos orgãos federais que cuidam dessas questões, incorporando ao vocabulário popular a palavra agrotóxico, para desespero da todo-poderosa ANDEF, Associação Nacional de Defensivos Agrícolas. Com o agrônomo gaúcho José Lutzenberger à frente, a palavra ganhou o aval da SBPC, essa ongue septuagenária que liderava a comunidade acadêmica no apoio à mobilização da sociedade civil em defesa da saúde pública, florestas e demais bandeiras mais tarde incorporadas pela expressão “desenvolvimento sustentável”. Não obstante toda essa luta ter sido vitoriosa, abrindo o caminho para as Diretas Já e para a Assembléia Nacional Constituinte de 86 que modelou a Constituição-Cidadã de 88; despoluindo pólos petroquímicos-siderúrgicos como o de Cubatão e criando mecanismos legais para impedir o envenenamento coletivo, o Brasil continuou sendo o campeão mundial no consumo de agrotóxicos e, paralelamente, campeão mundial de incidência de doenças neoplásicas ou carcinogênicas. Com a ascensão de FHC ao Palácio do Planalto, porém, a SBPC teve sua sede transferida de SP para o RJ e passou por uma longa hibernação que agora termina. De volta à capital paulista e às antigas lutas, a entidade enviou documento ao Congresso Nacional , subscrito por outras 50 sociedades científicas a ela filiadas, em que adverte: “Um relatório do Ministério da Saúde, de 2018, registrou 84.206 notificações de intoxicação por agrotóxico entre 2007 e 2015. A Anvisa (Agência Nacional Vigilância Sanitária) apontou, em 2013, que 64% dos alimentos no Brasil estavam contaminados por agrotóxicos. Registre-se que, em apenas doze anos, entre 2000 e 2012, houve um aumento de 288% no uso de agrotóxicos no Brasil”, ressalta, depois de deixar claro que os agrotóxicos contaminam os alimentos, o solo, a água de rios e aquíferos e, comprovadamente, são causadores de diversos tipos de câncer, malformações congênitas, doenças neurológicas, distúrbios reprodutivos e estão associados à depressão, autismo e mal de Parkinson, entre outros, o que vem causando seu banimento progressivo em vários países aonde ficou comprovado que o eventual incremento produtivo que proporcionam à agricultura não compensam em nada os custos que acarretam à saúde pública, além de representar um modelo produtivo agrícola arcaico e obsoleto que, concebido para o pós-segunda guerra mundial, anda na contra-mão de uma sociedade civil em busca de segurança alimentar e outras pré-condições para uma vida mais saudável e duradoura. Chegamos aqui ao âmago da questão: o agronegócio brasileiro não está preocupado com a rejeição internacional aos seus produtos por possuir um mercado escravo interno aonde vendê-lo impunemente, com o apoio de um PIG cúmplice e de um Judiciário conivente, que teria todas as condições de embargar safras envenenadas e nada faz, tratando gêneros alimentícios como se fossem cigarros, vendidos livremente apesar de serem indutores de câncer, enfisema e enfartes; como se a população pudesse simplesmente não comer ou recorrer à produção orgânica incipiente, cara e sem uma certificação de que realmente é isenta de produtos tóxicos. Motivo? A maior parte da população ignora os riscos que corre, uma vez que não é alertada pela mídia e muito menos pelas organizações não governamentais ambientalistas, que aderiram ao golpismo jurídico-midiático-parlamentar vigente, uma vez que a SBPC ainda não retomou seu papel-chave na resistência ao arbítrio que trocou a farda pela toga mas continua mais nefasto que nunca; na coordenação da resistência a esses venenos que faturam cerca de US$ 8,8 bilhões anuais e tiveram um crescimento da ordem de 288,41% entre 2000 e 2012, segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, que estima em 162,32% o aumento da quantidade de biocidas utilizados nesse período por um agronegócio que nunca foi responsabilizado diretamente pelo fato de sermos campeões mundiais de neoplasias – uma vez que o arsenal jurídico que permitiria tal enquadramento jamais foi utilizado pelo Ministério Público da União ou de estados como o de SP, aonde o agronegócio responde por apenas 0,1% dos impostos arrecadados e, em contrapartida, recebe em média R$ 1,2 bilhão anuais de isenção fiscal para esses agroquímicos. Ou seja, estamos pagando para sermos envenenados, e a contraofensiva acima delineada por Nilto Tanto evidencia que perderemos a batalha porf alta de mobilização popular, tanto para exigir alimentos saudáveis sem embustes semânticos como para poder votar livremente no candidato mantido prisioneiro à revelia da maior parte do eleitorado nacional.

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