Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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Uma agenda para os próximos passos, por Ion de Andrade


Em show, Roger Waters lista Bolsonaro como neo-fascista, junto a outros presidentes atuais – Foto: Reprodução

Por Ion de Andrade

Uma agenda para os próximos passos

Os resultados das eleições no Brasil e as tendências que parecem despontar no horizonte em diversos países apontam para um cenário novo onde valores alinhados ao nazi-fascismo se fundem a um ordenamento que (para manter a legitimidade) parece querer dar continuidade aos aspectos formais do Estado de direito.

O que está em andamento sinaliza para uma busca de equilíbrio entre a normalidade institucional e o autoritarismo capaz de dar legitimidade e longevidade à experiência autoritária. Nisso esse fenômeno parece novo e essa “novidade” pode estar tornando “velha” toda a política anterior baseada nos equilíbrios que até então sustentaram a democracia como a concebíamos.

Esse híbrido entre Estado fascista e Estado de direito está sustentado pelo manejo das redes sociais que são a principal engrenagem a formar a vontade coletiva que os sustenta. Ao lado delas, um moralismo repressivo e homogeneizador, veiculado por algumas instituições religiosas, mas não só, dá forma a uma “infantaria” que veicula no “corpo a corpo” a face “moralizadora” do regime no mundo real. No topo do comando do Estado, esse moralismo (destinado ao povo) cede espaço para uma intelectualidade mais sofisticada e laica formada em escolas americanas, conservadora na gestão da administração pública e neoliberal na da economia e finanças.

Esse Regime novo, que surge das entranhas da experiência (tardia entre nós) de uma “democracia” similar a tantas outras do pós-guerra, sustentada por uma esquerda e uma direita teoricamente concordantes sobre uma ordem constitucional que pactuaram previamente, precisa ser estudado ao detalhe. É condição para que os valores do pluralismo, da democracia e da inclusão social possam recuperar algum tipo de protagonismo na política.

Toda essa necessária reflexão e acúmulo deverá ter papel nos próximos passos a serem trilhados na sociedade e já deveria influenciar as eleições municipais de 2020 quando, sejam quais forem as circunstâncias, forças políticas antagônicas se enfrentarão em torno de projetos de sociedade. Aliás, qual é mesmo o projeto de sociedade das forças progressistas para o âmbito dos municípios e cidades?

Não adiantará o discurso repetitivo e reativo motivado pelas iniciativas do campo vitorioso, o “Soy Contra” de hoje.

Esse exercício de aprendizado, já complexo por si mesmo, tem um adversário de peso: não há nada a aprender se já se sabe de tudo.

A ausência da autocrítica, que é, metodologicamente falando, parte integrante da reflexão que se impõe, convertida que foi em pecado, poderá prolongar o tempo de aprendizado do campo progressista, inibindo a sistematização de uma agenda proativa capaz de influenciar os rumos da política e permitir acúmulos.

A ausência dessa agenda, além disso, contribuirá também para um baixo tônus na ocupação dos espaços democráticos pelas forças progressistas, facilitando a marcha autoritária.

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

6 Comentários

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  1. Sugestão de estratégia para o PT

    Ao começar a governar Bolsonaro vai perder uma boa parte dos seus eleitores. Mas, o sentimento anti-PT que motivou esse voto poderá impedir, por teimosia, a mudança desses eleitores para o PT e aqueles votos poderiam cair para outros setores, que hoje montam uma oposição separada do PT. A estratégia então é para o PT ser cauteloso como oposição, agindo em favor do povo, sem ataques antecipados e contribuindo para reduzir o antipetismo na cabeça daqueles eleitores que Bolsonaro irá perdendo. O Bolsonaro vai cair sozinho, pela sua incompetência e péssimo programa, de modo que o maior foco do PT deve ser reduzir o antipetismo, para capitalizar o retorno daquele apoio que Lula tinha nos primeiros governos

  2. como ???!!!!!”…qual é

    como ???!!!

    “…qual é mesmo o projeto de sociedade das forças progressistas para o âmbito dos municípios e cidades? Não adiantará o discurso repetitivo e reativo motivado pelas iniciativas do campo vitorioso, o “Soy Contra” de hoje…”

    Pela própria heterogeneidade dos cenários e características, de realidade apresentadas (o BRASIL tem quase 6 mil municípios), acho que cobrar “um projeto” das forças progressistas pro ambito dos municípios é, no meu modo de ver, um EXAGERO hercúleo  ..um absurdo  ..uma ignomia, no mínimo.

    Ademais, seria interessante – pro texto parecer justo – que o missivista tb lançasse este veneno (desafio) pras forças conservadoras, não ? Afinal, qual é o projeto deles pras cidades ? “talquei ?!”

    1. Sim, um projeto para as cidades e zonas rurais

      Caro Romanelli,

      O projeto de que eu falo é metodológico, porque, na verdade o que precisa ser feito é fomentar o protagnismo popular para a busca da solução dos problemas locais, que é onde se joga a exclusão social, com o apoio do Poder Público municipal.

      É fazer de cada prefeitura progressista um polo de inclusão social com políticas e infra estruturas específicas a cada uma, claro, mas numa lógica participativa da discussão e da tomada de decisões que produzirão políticas autênticas e casadas com cada realidade local, pois terão emergido desse diálogo entre o Poder Público e suas comunidades,que é precisamente o que temos tido muito pouco. Vou desenvolver em breve essa ideia num artigo.

  3. Só um reparo: no caso do

    Só um reparo: no caso do Brasil, ainda somos regido por uma Constituição republicana, onde está consagrado o Estado Democrático de Direito, que tem seus cânones, sua institucionalidade. Agir de forma diversa impondo com artifícios um caminho de interesse de grupos, é desrespeitar a Constituição, é ditadura. Estamos, isso sim, no desenvolvimento de um golpe de estado, desde o afastamento do poder de Dilma e do PT, em 2016, cujo propósito é, tendo as Forças Armadas  garantindo tudo, mas afastada diretamente do trabalho sujo do prende e arrebenta, tentar possibilitar. como acontecia na ditadura de 1964/1985, só que no chamado Alto Comando, onde se dava a alternância pela escolha de um ditador da vez, travestido de Presidente da República, mimetizando um regime democrático. Agora, o mesmo objetivo, só que fraudando as eleições, com a participação do Judiciário e pesados gastos não controlados nas redes sociais, para eleger o segundo ditador do regime ditatorial iniciado em 2016, prendendo e afastando o Presidente Lula do pleito que ganharia no primeiro turno, e atacando de forma virulenta seu substituto, Fernando Haddad, com auxílio inclusive de partidos da oposição, que desempenharam a função não por burrice, certamente.,  O então Vice-Presidente, o traíra Michel Temer participava da conspiração do golpe de 2016, que o entronizou como o primeiro Presidente do golpe. O que acontece lá fora também é lastimável, mas nós, os brasileiros, é que temos de dar conta de exigir e impor a volta da Democracia. E não será possível só com bla bla bla. Lula livre, abaixo a ditadura!

     

  4. NOVOS TEMPOS

    Bom dia

     

    Ao ler a questão colocada pelo Ion, ” qual é o projeto de sociedade das forças progressitas para as eleiços de 2020?” ; a resposta é uma só: NENHUM.

    As forças progressistas precisam se organizar para ontem. Rever suas práticas, pensar melhor e agir. Caso contrário é capaz que em São Paulo, seja eleito para prefeito o Paulo Maluf, ou um avatar qualquer. 

     Um abraço.

  5. Correlação de Forças

    Está em curso no mundo uma mudança na correlação de forças que se fez sentir de forma violenta no país.

    O reposicionamento das forças em nível global, os rumos do governo Trump e as respostas de Rússia e China, são aspectos muito mais relevantes em nível estratégico. A política externa do Governo Bolsonaro exacerbou a vinculação do nosso futuro a estas questões geopolíticas.

    No momento, estou extremamente cético, e acredito que a única linha de ação possível é não agir. Aguardar para que o peso das contradições recaia sobre o novo governo enfraquecendo suas bases. A retórica atual tem logrado êxito em manter estas contradições flutuando, como se tivessem se libertado da força da gravidade.

    A culpa cristã, arraigada na formação do povo brasileiro, nos leva a procurar pelos nossos erros como principal fonte de explicação para o nosso padecimento. Essa atitude pode até ser útil, sendo até saudável em certa medida na esfera individual, especialmente para aqueles com formação intelectual pequeno burguesa, mas tem baixíssima influência sobre a conjuntura atual. Serve aos interesses de alguns políticos que recentemente se descobriram de esquerda e foram refletir sobre a história da humanidade visitando o Louvre.

    No entanto, acredito que ao assumir o governo e passar tomar decisões concretas, essa ausência de gravidade desaparecerá, fazendo sentir-se todo o peso dos compromissos assumidos.

    Só então será possível estabelecer uma estratégia de enfrentamento efetiva.

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