Venda da cessão onerosa comprometerá mercado de fertilizantes e produção da Petrobras

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Petronotícias

Geológos afirmam que venda da cessão onerosa comprometerá mercado de fertilizantes e produção da Petrobras

por Davi de Souza

O governo descartou a possibilidade de conseguir aprovar no Senado o projeto de lei que autoriza a venda de 70% da participação da Petrobrás na cessão onerosa nos próximos dias. O texto, como se sabe, já recebeu o aval na Câmara dos Deputados. A expectativa agora é de que o tema seja votado pelos senadores após o recesso parlamentar. Até lá, o debate sobre o tema deve esquentar, especialmente porque especialistas estão apontando para consequências negativas caso o projeto seja sancionado. A diretora do Sindipetro-RJ e conselheira da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), Patrícia Laier, considera que a ideia de ceder a participação da estatal nesses campos é  igual a um “sorteio de um bilhete premiado”, uma vez que já foram desenvolvidos programas de exploração e delimitação e feitos os testes de longa duração – tudo por meio do esforço da Petrobrás. Laier, que também é geóloga, explica que áreas como as da cessão onerosa são altamente estratégicas porque contêm uma grande parte das reservas, especialmente no cenário atual, onde há um declínio na descoberta e na produção dos campos gigantes e supergigantes espalhados no mundo. “Eu desconheço um caso de venda de campo supergigante em circunstâncias normais onde o país em questão tenha uma empresa estatal com reconhecimento mundial e condições de desenvolver sozinha, como é o caso do Brasil e da Petrobrás”, avalia.

O também geólogo Luciano Seixas Chagas acrescenta que a cessão onerosa poderia ajudar a reduzir a dependência do Brasil em relação aos fertilizantes. “No pré-sal, não teremos poços secos ou subcomerciais, pois estes poderão ser inteiramente aproveitados para produzir os sais (fertilizantes) por dissolução – tecnologia bastante usada no mundo”, detalha. Ele explica ainda que é possível aproveitar o vácuo gerado pela fabricação dos fertilizantes dissolvidos para sequestrar todo o CO2 contaminante e abundante do pré-sal. “Isso vai contribuir, e muito, com a prevenção da gritante poluição com um método barato e conhecido, e resolvendo com maestria o sério problema do que fazer com a CO2”, ressaltou.

Como avaliam a aprovação deste projeto de lei pela Câmara dos Deputados?

Patrícia – Eu considero vergonhoso que no Congresso Nacional seja feita uma proposta dessa. Porque ela vai prejudicar a própria União, que ainda é a maior acionista da Petrobrás. A estatal pagou pelo direito de produzir na cessão onerosa e ainda tem a questão do excedente da cessão onerosa (ECO). Na questão do ECO, nas áreas de Franco/Búzios, Entorno de Iara, Florim/Itapu e Nordeste de Tupi/Sépia, a Petrobrás ofereceu um percentual do excedente em óleo para a União bastante elevado quando comparados aos oferecidos pelas multinacionais nos recentes leilões do pré-sal, que tiveram propostas vencedoras com o percentual mínimo exigido. 

Luciano – Além da presença de imensos volumes de petróleo em toda a área do pré-sal, também lá estão presentes incomensuráveis volumes de evaporitos, ou seja, depósitos de sais muito estratificados e bastante visíveis e mapeáveis em sísmica, o que significa presença de sais de diferentes contrastes de densidades (2,95 g/cc da anidrita e 1,97 g/cc). Destes, destacam-se a silvanita (KCl) e K20, principais componentes dos fertilizantes potássicos, entre outros, todos importados pelo Brasil. Assim, no pré-sal, com um projeto absolutamente  integrado, o Brasil poderia ser auto-suficiente em fertilizantes, que hoje o país importa em grandes volumes.

Por que consideram a proposta prejudicial?

Patrícia – A questão deste projeto da cessão onerosa se torna mais urgente ainda porque são campos onde foram desenvolvidos programas de exploração e delimitação e feitos testes de longa duração. Até o final de 2014, as declarações de comercialidade de todas as 6 áreas definitivas da cessão onerosa já tinham sido efetuadas. Então, esse projeto é como se fosse o sorteio de um bilhete premiado. Não dá para entender uma lógica dessa. No mundo, há um declínio na descoberta e na produção dos campos gigantes e supergigantes quando falamos em reservatórios convencionais de petróleo. Nos últimos anos, em muitas províncias, têm predominado gigantes de gás, que possuem uma valoração econômica muito diferente. No caso do declínio da produção, este é um fenômeno natural e reflete o fato de muitos gigantes de terra e também offshore terem sido descobertos e estarem sendo produzidos há muitas décadas. Ambos estes declínios são preocupantes. Então, campos gigantes e supergigantes são altamente estratégicos porque contêm uma grande parte das reservas e são responsáveis pela maior parte da produção. Um campo desse sendo doado para as multinacionais será muito nocivo. 

Luciano – No pré-sal, não teremos poços secos ou subcomerciais, pois estes poderão ser inteiramente aproveitados para produzir os sais (fertilizantes) por dissolução – tecnologia bastante usada no mundo. E além, e muito além, será possível aproveitar as vacuidades produzidas pela produção dos fertilizantes dissolvidos, para sequestrar, via armazenamento, todo o CO2 contaminante e abundante em todo o pré-sal. Isso vai contribuir, e muito, com a prevenção da gritante poluição com um método barato e conhecido, e resolvendo com maestria  o sério problema do que fazer com a CO2 e quiçá com o H2S, que exigem grandes volumes de investimentos para os seus descartes. Quem está comprando os ativos do pré-sal por preço de banana, certamente está estruturando bons projetos integrados, incorporando assim ainda valor aos ativos adquiridos por preço de banana podre.

E como explicar o interesse em vender a participação da cessão onerosa para empresas estrangeiras?

Patrícia – O lobby está muito forte no governo Temer. Ele recebeu, inclusive, executivos do setor de óleo e gás para uma reunião assim que assumiu. São muitas coisas difíceis de entender. Os aposentados da Petrobrás, que vestiram durante décadas a camisa da empresa, não conseguem entender como o Conselho de Administração da empresa tem representantes de companhias concorrentes. O que explica esse projeto de autorização da venda de até 70% da Cessão Onerosa é o oportunismo, que não ajuda na soberania energética do Brasil. Grande parte da nossa dívida externa entre os anos 70 e 90 foi gerada de uma balança comercial desfavorável por conta da importação do petróleo. A Petrobrás se esforçava para produzir o petróleo que a sociedade brasileira precisava, mas o consumo era maior do que a produção doméstica.

A senhora conhece caso de privatizações de campos gigantes ou supergigantes em outros países?

Patrícia – Eu desconheço um caso de venda de campo supergigante em circunstâncias normais onde o país em questão tenha uma empresa estatal com reconhecimento mundial e condições de desenvolver sozinha, como é o caso do Brasil e da Petrobrás. Vejamos o caso da Noruega. O primeiro campo (gigante) descoberto no setor norueguês do Mar do Norte em 1969, Ekofisk é operado pela ConocoPhillips Skandinavia AS. A maioria dos gigantes que vieram em seguida são operados pela estatal norueguesa Statoil (Equinor). Campos gigantes são estratégicos não apenas pelo fato de conterem maiores reservas, mas também pela maior produção. Voltando ao Brasil,  a produtividade média nos poços do pré-sal é de dezenas de milhares de barris por dia. A Shell saiu de um campo gigante no Iraque, West Qurna, e pretende sair de Majnoon. E por quê? Porque é uma área de conflito? Por causa do tipo de contrato vigente no Iraque? Eles fazem a conta e chegam a conclusão de que é muito mais negócio produzir no Brasil, onde um FPSO da Petrobrás tem capacidade de produção diária de 150 mil barris por dia e com poucos poços atinge sua capacidade. 

Quais prejuízos o Brasil pode ter caso o projeto seja aprovado também pelo Senado?

Patrícia – O prejuízo é muito grande porque vai passar essa produção, que seria da Petrobrás, para multinacionais. E isso vai acabar comprometendo o excedente da cessão onerosa. Porque são as mesmas áreas. Uma vez que as multinacionais colocarem as mãos na cessão onerosa, será muito difícil tirar. E isso é algo esdrúxulo, porque a Petrobrás fez um investimento absurdo, bancando todo o pré-sal. Basta pegar os dados das rodadas de concessão da ANP e verificar quantos campos foram descobertos por multinacionais. São pouquíssimos. 

Alguns alegam de que a Petrobrás não teria condição financeira de explorar tantos campos simultaneamente. Qual sua opinião sobre isso?

Patrícia – Essa é a maior falácia de todas. A Petrobrás nunca teve problema de caixa. A Aepet demonstrou isso em vários artigos baseados nos números oficiais da Petrobras, que comprovam isso. E por que o argumento tem que ser o financeiro? Porque não se consegue usar outra alegação como, por exemplo, de que a Petrobrás não tem capacidade técnica para desenvolver o Pré-Sal. Eu fiz de curso de mestrado na melhor universidade técnica dos Países Baixos, a TUDelft. Lá eu conheci muitos estrangeiros que tinham o sonho de trabalhar na Petrobrás, isso antes da Lava Jato. A imagem que a empresa tinha no mundo era positiva. 

Também existe uma justificativa de que a venda da participação de ativos da Petrobrás poderia reforçar o caixa da empresa. Como rebate essa alegação?

Patrícia – Isso não é verdadeiro. E os ativos aqui no Brasil estão sendo vendidos a preços muito baixos. Vamos pegar por exemplo o campo gigante de Carcará vendido à Statoil por US$ 2,5 bilhões. Na época a companhia norueguesa tinha uma expectativa de volume recuperável variando de 0,7 a 1,3 bilhão de barris de óleo equivalente. E o que dizer do bônus de assinatura dos leilões da partilha? O governo comemorou que recebeu R$ 3 bilhões. Mas vamos fazer uma conta rápida. Eles leiloaram três áreas com potencial para ter campos gigantes. Um campo desse, com um volume mínimo de 500 milhões de barris, com o barril valendo US$ 75, totaliza US$ 37,5 bilhões. E cabe lembrar que esses campos têm uma produtividade muito alta. Além disso, essas multinacionais vão se valer de toda a tecnologia que a Petrobrás desenvolveu.

Luciano – Pior é que também a  Petrobrás foi um parceiro ruim para as empresas brasileiras de pequeno porte, eliminando-as ou expulsando-as do pré-sal. Vejamos os exemplos da BarraEnergia e da Queiroz Galvão. Ambas eram detentoras minoritárias (10% cada) de parte do ativo Carcará, descoberto em 2011. Como tais empresas precisavam produzir rapidamente o ativo para gerar caixa, a decisão da Petrobrás de postergar os investimentos em desenvolvimento e produção, com óleo previsto inicialmente para ser produzido em 2018, prazo razoável para este intento, e dentro das expectativas das minoritárias. Entretanto, além de não investir com tal propósito, os gerentes Pedro Parente e Ivan Monteiro, com o suporte técnico da diretora de E&P Solange Guedes, não investiram em produção. Pior, venderam o ativo (66%) por preço parcelado e de banana e assim o início de produção foi postergado para 2023, segundo o operador adquirente – Equinor.  Isso levou as pequenas empresas, ávidas e necessitando de fazer caixa, a vender as suas parcelas minoritárias deste ativo para tocar outros projetos,  além de terem que dar resultados financeiros, mesmo ruins, para os investidores nacionais e estrangeiros que aportaram recursos.

Se o governo optasse por não privatizar a cessão onerosa, quais seriam os benefícios para o setor de óleo e gás?

Patrícia – A Noruega é uma referência para nós como país que ficou rico por conta da indústria do petróleo e gás. A política de Estado que adotaram foi a da otimização da geração de valor para toda a sociedade através de petróleo e gás. E qual seria a forma de fazer isso aqui no Brasil? De uma forma análoga, o novo marco regulatório de 2010 fazia isto fortalecendo a Petrobrás com a operação exclusiva na Partilha e com a Cessão Onerosa, e desenvolvendo a indústria de petróleo e gás e a indústria de serviços. Voltemos a usar o exemplo da Noruega. Mesmo com o declínio da produção do Mar do Norte, a indústria de serviços deles está presente em outros países, porque tem o reconhecimento mundial. E isso foi feito com transferência de conhecimento. 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

1 Comentário

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  1. TRATEMOS ANTES NOSSA BIPOLARIDADE ESQUERDOPATA TUPINIQUIM

    Rivotril e Gardenal não dão mais jeito. O que importa a Area de Fertilizantes? Para enriquecer ainda mais Aqueles Latifundiários do Agronegócio? Agronegócio que quer acabar com o Meio Ambiente e toda Humanidade juntamente com a Queima de Combustíveis Fósseis como Petróleo? Petróleo, que aliás, por esta causa não tem mais o apelo e montanhas de lucratividade e capital como era antigamente? Uma tal Indústria em Declínio? MILHARES E MILHARES e MAIS MILHARES de EMPREGOS Altamente Qualificados e Altamente Remunerados? Uma Indústria Naval apenas para sustentar este Setor? Cara sra., tratemos primeiramente de nossas Alucinações. Entre Fatalismos e Vitimizações, cremos que Somos um País Pobre e Pequeno. E que a culpa de tudo que nos acontece é de um Ser Mitológico e Legendário chamado Trump. abs.  

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