AEPET rebate os ‘esclarecimentos’ da Petrobras

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Jornal GGN – A Petrobras continua, de vento em popa, liquidando o patrimônio. E envia explicações que nem sempre convencem. Parte do que colocam como motivo para o saldão do patrimônio pode e deve ser contestado. É o que tem feito a AEPET – Associação dos Engenheiros da Petrobras. A cada informe a entidade faz o esclarecimento em cima do esclarecimento da estatal.

A Petrobras envia os informativos tentando ‘responder a dúvidas’, afirmando que muitas informações incorretas circulam por aí. Mas a explicação carece de explicação, já que nem tudo é como expõe. E a AEPET mostra isso.

Leia o editorial da AEPET sobre o último esclarecimento da Petrobras.

Editorial: Esclarecendo o “Petrobrás esclarece 4”

Em correio eletrônico enviado no dia 14/06/18, intitulado “Entenda melhor os desinvestimentos na nossa malha de gasodutos”, a atual direção da Petrobrás enviou informativo que, segundo ela, visa “responder a dúvidas, apresentar fatos e evitar que informações incorretas se espalhem por aí”.

O comunicado é iniciado com a seguinte afirmação: “Estamos fazendo desinvestimentos na nossa malha de gasodutos. Entenda melhor a questão”. Na sequência, o comunicado segue com a apresentação de perguntas e respostas para cinco questões relativas ao tema. Vamos a elas:

1. A QUESTÃO NORMATIVA
“Por que a Petrobrás está se desfazendo da sua malha de gasodutos?
O desinvestimento na TAG e na NTS é uma forma de a Petrobrás se adequar à regulação da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). A agência vetou, desde 2013, que empresas que desejam carregar seu produto pela malha de gasodutos sejam também proprietárias ou participem de companhias que prestam serviços de transporte de gás natural. Assim, a Petrobras, como produtora e comercializadora de gás natural, fica sem a possibilidade de realizar novos investimentos na malha de gasodutos e nossos ativos tendem a se desvalorizar”.

A resposta dada pela atual direção da empresa é uma falácia.

Primeiro, porque a Petrobrás não precisa vender suas malhas de gasodutos para se adequar à Resolução ANP n° 53/2013, pois esta resolução não diz respeito aos ativos que compõem o patrimônio da TAG e da NTS. 
Essa questão foi devidamente abordada pelo Desembargador Rubens Canuto, do TRF5 em seu voto:

“Prossegue a Petrobrás, aí diz “olha, inclusive, a resolução me proíbe de explorar essa atividade, porque a resolução da ANP diz que só posso explorar se a exploração daquela atividade de transporte for objeto principal da minha atividade social. E como o objeto principal da minha atividade social não é o transporte, mas o refino, a exploração, então, não posso transportar”. Mais uma vez o memorial da Petrobrás é contraditório, porque quem está explorando o serviço não é a Petrobras, é uma subsidiária dela. E o objeto social principal da TAG é mesmo o transporte. Então, nem a proibição da ANP, que ela sustenta como sendo legitimadora e, aliás, impondo a ela a retirada desse seguimento econômico, não se aplica ao caso concreto”

Segundo, porque nenhuma Resolução da ANP pode impedir que a Petrobras de ampliar suas malhas de gasodutos. A Lei do Gás nada dispõe nesse sentido e apenas a Lei pode obrigar fazer ou deixar de fazer qualquer coisa.

A Resolução da ANP e inconstitucional e fere de morte o artigo 170 da Constituição Federal, como também explicou o Desembargador Edilson Nobre, Relator do Recurso em que foi concedida a Liminar para a suspensão da venda da TAG:

“Outro ponto a que me refiro é que tentei olhar a Lei do Gás, porque penso que não é uma resolução, não é uma decisão da ANP que pode proibir qualquer particular de exercer uma atividade econômica. O artigo 170, parágrafo único, da Constituição, diz que somente a lei pode fazê-lo; é uma hipótese de reserva legal. Não é que eu não dê valor a uma resolução de uma agência reguladora, mas a Constituição foi muito clara: só se pode deixar de exercer, limitar e exigir uma autorização para um exercício de atividade econômica se houver uma lei e não uma resolução de uma agência reguladora, assim como também só se pode impedir alguém de exercer uma atividade econômica se houver uma lei. Está no parágrafo único do artigo 170; foi o constituinte que assim impôs”

Então, é bastante contraditório que a Petrobrás assuma uma postura legalista quanto a uma pretensa adequação à resolução da ANP supracitada, mesmo esta não sendo aplicável aos ativos da NTS e da TAG, mas tente se escusar do cumprimento dos procedimentos necessários à alienação de ativos previstos na Lei 13.303/16 ou mesmo na Lei 9491/97 ou no Decreto 2745/98, por meio de diferentes denominações para este ato. Desinvestimentos são privatizações, são alienações de ativos e, se realizados, devem seguir a normativa legal prevista em Lei, independentemente do entendimento do TCU.

Além do mais, também é falso afirmar que os gasodutos já construídos tendem a desvalorizar, pois a demanda pela sua utilização tende a crescer com a entrada em operação de novos campos produtores de petróleo e gás.

2. A TRANSFERÊNCIA DO LUCRO

A direção da Petrobrás prossegue em seu pretenso esclarecimento:

“É verdade que a Petrobrás passará a pagar aluguel pelo uso dos gasodutos?
A Petrobras sempre pagou tarifa pelo uso dos dutos, tarifa esta que é regulada pela ANP. Os contratos de transporte de gás celebrados entre a Petrobrás e as transportadoras (NTS e TAG) permanecem os mesmos após a venda da NTS, assim como os da TAG. Continuaremos pagando exatamente as mesmas tarifas que são praticadas antes do desinvestimento, inclusive com cláusula de Ship or Pay, em que a Petrobrás paga pela disponibilidade da capacidade contratada do gasoduto.
No caso da Petrobrás, quando não utilizamos toda a capacidade contratada do gasoduto, poderemos repassar essa capacidade ociosa para outras empresas que atuam no mercado de gás natural. Quando isso acontecer, nosso custo com pagamentos das tarifas diminuirá”.

Neste ponto, a resposta fornecida no comunicado visa esconder o real efeito da privatização das malhas de gasoduto para a Petrobrás. É verdade que a Petrobrás sempre pagou tarifa pelo uso dos dutos. O que o comunicado omite é o fato de que o lucro auferido pela NTS e pela TAG, enquanto subsidiárias integrais do sistema Petrobrás, constitui parte do resultado operacional do Sistema Petrobrás como um todo. No entanto, após a privatização, o valor auferido por essas empresas é captado pelos novos donos, um fundo de investimentos liderado pela Brookfield Infrastructure Partners (BIP), no caso da NTS. Para maiores detalhes, leia o artigo “NTS: Crônica de um prejuízo anunciado”.

3. O DESRESPEITO À LEGISLAÇÃO E AO INTERESSE PÚBLICO

A alta direção da Petrobrás prossegue:

“Por que a venda está sendo feita sem licitação?
Porque a Lei 13.303/16, que reformou a antiga lei de licitações, não se aplica para desinvestimentos e parcerias. Esses processos são governados pela metodologia aprovada e supervisionada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que estabelece, de modo transparente e isonômico, que qualquer empresa pode participar, desde que preencha os critérios mínimos estabelecidos para cada negócio. Os técnicos do TCU também têm acesso em tempo real a todas as fases dos desinvestimentos da Petrobras e acompanham esses processos de perto.
No caso da TAG, mais de 80 empresas demonstraram interesse em participar do processo”.

Mais uma falácia.

A Sistemática de Desinvestimentos do TCU não pode substituir a Lei. O TCU é apenas órgão de fiscalização, não tem o poder de criar leis.

E no caso, a Constituição Federal exige que as alienações sejam feitas nos termos da Lei.

Observe-se, então, que a Lei 13.303/16 que dispõe sobre o estatuto jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista, como a Petrobrás, prevê que:

“Art. 28. Os contratos com terceiros destinados à prestação de serviços às empresas públicas e às sociedades de economia mista, inclusive de engenharia e de publicidade, à aquisição e à locação de bens, à alienação de bens e ativos integrantes do respectivo patrimônio ou à execução de obras a serem integradas a esse patrimônio, bem como à implementação de ônus real sobre tais bens, serão precedidos de licitação nos termos desta Lei, ressalvadas as hipóteses previstas nos arts. 29 e 30”.

Portanto, a Petrobrás, enquanto empresa de economia mista, só estaria dispensada da realização de licitação para os casos previstos no art. 29 da lei supracitada, o que não ocorre para o caso de alienação de bens e ativos.

Mesmo que se entenda que a Lei 13.303/16 ainda não possa ser aplicada pois ela só entraria em vigência no dia 01/072018 – e assim não se aplicaria aos procedimentos em curso – não seria possível afastar a exigência de procedimento licitatório nos termos da Lei 9491/97 ou mesmo, na pior das hipóteses, do Decreto 2745/98.

A alienação de 90% das Ações da TAG implica a alienação do controle acionário da empresa, o que se constitui claro processo de privatização, e que só pode ser feita por Lei e nunca pela tal Sistemática de Desinvestimento, o que foi o fundamento da decisão do TRF 5.

Tal entendimento foi corroborado, com a decisão proferida em 27/06/2016, pelo ministro do STF, Ricardo Lewandowski que concedeu parcialmente uma medida cautelar, em caráter liminar, conferindo:

“interpretação conforme à Constituição do art. 29, caput, XVIII, da Lei 13.303/2016, afirmando que a venda de ações de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias ou controladas exige prévia autorização legislativa, sempre que se cuide de alienar o controle acionário, bem como que a dispensa de licitação só pode ser aplicada à venda de ações que não importem a perda de controle acionário de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias ou controladas”.

Com base na decisão do eminente ministro à luz da Constituição Federal, fica evidente que a argumentação apresentada pela diretoria da Petrobrás para a execução dos processos de “desinvestimentos” sem realização de processo licitatório é inconstitucional.

Com base nisso, questionamos: por que a direção da Petrobrás assume uma postura legalista em determinados assuntos, mas se esquiva do cumprimento da própria Constituição Federal quando trata dos processos de privatização dos seus ativos? A quem interessam os conflitos entre as ações da empresa e o ordenamento jurídico?

4. O DIVERSIONISMO COMO ARMA RETÓRICA

O comunicado da atual direção da Petrobrás prossegue:

“Qual o risco de o transporte de gás natural ficar na mão de uma empresa estrangeira?
O transporte de gás natural é uma atividade regulada pela ANP. As empresas que operam neste setor estão submetidas às Resoluções ANP 06/2011 (regulamento técnico de dutos terrestres – RTDT), ANP 39/2014 (qualificação técnica para operação de gasodutos) e ANP 52/2015 (requisitos técnicos para construção e operação de gasodutos), para garantir a qualidade do serviço prestado independentemente da origem de seu capital. Para a Petrobrás, sua diretoria executiva e Conselho de Administração, a atração de parceiros que realizem investimentos no Brasil gera empregos e renda para os brasileiros, com saldo positivo para o crescimento da economia e do país”.

Em relação a esse ponto, tem-se que, em primeiro lugar, o fato da atividade de transporte de gás natural ser regulada pela ANP não implica que os resultados dessa regulamentação serão benéficos, ou mesmo justos, para a Petrobras. Ao contrário, a ANP, desde a sua criação, possui registros de hostilidade à Petrobrás, muito bem ilustrado pelo discurso de posse proferido pelo seu primeiro diretor-geral, David Zylbersztajn, que diante de uma plateia composta por vários dirigentes de petroleiras multinacionais afirmou “Quero dizer para a sociedade que o petróleo é vosso…”.

Com relação ao transporte de gás natural ser realizado por uma empresa privada, o risco econômico para a Petrobrás reside principalmente no fato de que o grupo liderado pela BIP, comprador da NTS, bem como o possível comprador das malhas de gasodutos da TAG, passam a ser detentores de um monopólio de uma atividade essencial à Petrobras, especialmente para a logística da produção no pré-sal. Além disso, no caso específico da NTS, a Brookfield é operadora de uma extensa malha de gasodutos nos EUA, o que lhe garante capacidade de operação e gestão do negócio. Esse fato permite-lhe prescindir dos serviços da Transpetro, empresa do Sistema Petrobrás que hoje presta serviços de operação e manutenção (O&M) à NTS e a TAG, após o fim do contrato vigente, bem como maximizar a tarifa de transporte a ser cobrada da Petrobrás.

Em relação ao último argumento apresentado pelo comunicado, a abertura do setor petroleiro para empresas privadas criou gargalos no nosso desenvolvimento e não garantiu a criação de empregos de qualidade e renda para os brasileiros. Ao contrário, as empresas privadas, logicamente em busca do máximo lucro no menor prazo, realizaram lobby junto ao congresso nacional para viabilizar a redução do conteúdo nacional nas obras do setor petroleiro, o que reduziu as perspectivas de geração de emprego e renda para os brasileiros.

5. A LÓGICA PRIVADA NA PETROBRAS

Voltando ao comunicado da direção da estatal.

“Por que o TRF concedeu liminar paralisando a venda da TAG?
O TRF entendeu, em decisão liminar, que o processo de desinvestimento da TAG deveria seguir o PND (Plano Nacional de Desestatização), que é voltado à revisão do papel do Estado na economia nacional. No nosso recurso à liminar, procuraremos demonstrar que as leis 9.478/97 e 13.303/16 asseguram liberdade para que a Petrobrás faça a compra e a venda de ativos como parte de seu dia a dia empresarial”.

Com relação à decisão em caráter liminar do TRF, entendemos que a Petrobrás, uma sociedade de economia mista, não está isenta da realização de processo licitatório para realizar a alienação de ativos.
Os argumentos necessários ao entendimento desse ponto já foram apresentados no ponto 3.

CONCLUSÃO
Terminamos esta Nota de forma similar em que a atual direção da Petrobrás iniciou o seu primeiro “Petrobrás esclarece”
Você está recebendo mais esta Nota da AEPET com o objetivo de não deixar que informações imprecisas se transformem em fatos que prejudiquem a reputação e a imagem da nossa empresa.

Leia também nosso esclarecimento ao primeiro “Petrobrás esclarece”:

Editorial: Esclarecendo o “Petrobras esclarece”

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador