A ÁRVORE E A FLORESTA – Aqui e acolá escutam-se vozes apressadas a denunciar o que setores conservadores convencionaram chamar de “Pacote de Abril”. Este “Pacote de Abril” seria um conjunto de leis e projetos de emendas constitucionais em apreciação atual pelo Congresso Nacional. Chamar de Pacote de Abril o conjunto de projetos de lei em exame pelos congressistas, numa nítida referência ao Pacote de Abril feito pelos militares em 1977, é uma aberração jurídica e política tão grotesca que só cabe na mente de quem não entende absolutamente nada do que seja democracia ou ditadura.
Em 1977 o Brasil vivia sob o tacão da ditadura militar, em plena vigência do macabro AI-5 e manietado por um bipartidarismo forçado. Havia censura, prisões políticas, mortes, torturas, estupros e atentados praticados por agentes do Estado Ditatorial. Em que se parece o Brasil de 2013 com o Brasil de 1977? Em nada, em absolutamente nada! Fazer menção ao Pacote de Abril de 77 para falar da apreciação de projetos de lei em exame pelo parlamento no ano de 2013 é um atentado inominável contra a inteligência humana. O Brasil vive hoje uma liberdade democrática plena, em que pese todas as suas limitações. Compará-la com o terrível tempo da ditadura é absurdo no início, no meio e no fim de qualquer análise.
Se as três PECs em exame são necessárias ou “desnecessárias”, cabe ao Congresso Nacional exercer a função primordial e principal que tem, qual seja, a função de, em nome do povo brasileiro, analisar os projetos e alterá-los naquilo que entenda ser necessário. Interditar a Casa do Povo, colocando-lhe um indevido cabresto, é um violento ataque contra a democracia brasileira. Não há nenhuma previsão constitucional que diga que o Poder Executivo ou Judiciário possa dizer o que o Congresso Nacional PODE ou NÃO PODE votar. Isso é completamente ridículo e absurdo. Querem fechar o Congresso Nacional, impedi-lo de exercer a sua função primordial.
Chamar a PEC 33 de “PEC da Ditadura” é um monstruoso exercício de confundir e desinformar a opinião pública. A PEC 33 não tem absolutamente nada de ditatorial, muito antes pelo contrário. Mais um nítido exemplo de tergiversação é criticar a PEC porque ela tem origem na bancada evangélica. Quer dizer então que no Congresso Nacional a bancada evangélica não pode apresentar projetos de lei? Esta é uma visão profunda e estarrecedoramente autoritária e maniqueísta.
Não existe essa ignomínia de dizer quais bancadas podem e quais bancadas não podem apresentar projetos. Não existe essa ignomínia de dizer quais bancadas tem ou não tem legitimidade para apresentar projetos de lei. Além do profundo preconceito (que olha para a origem e não para o conteúdo), essa tática de desqualificar a PEC 33 porque supostamente favorece temas ligados aos evangélicos é uma forma fácil e sorrateira de fugir ao debate principal, do conteúdo da matéria. Vamos em frente.
Hoje existem as medidas provisórias, instrumento pelo qual o poder executivo pode legislar. Elas são a continuação da figura dos decretos-lei, criados pela primeira vez no Brasil no período do Estado Novo. Se o Congresso Nacional deliberasse pelo fim das medidas provisórias estaria por acaso invadindo a seara de atribuições do poder executivo? Óbviamente que não! O parlamento tem TOTAL legitimidade para votar matérias que dizem respeito a si próprio e aos demais poderes da república. Essa é a sua função primordial.
Ao contrário do que uns e outros dizem, ao STF cabe fazer cumprir o ordenamento jurídico, não modificá-lo ou legislar. E cabe ao parlamento, sem nenhuma sombra de dúvidas, legislar e, se entender necessário, modificar a Carta Magna naquilo que for a vontade de seus membros. O povo brasileiro delega a função de legislar ao parlamentares, não aos ministros do STF, que pretendem usurpar essa função do parlamento.
Chamar a PEC 37 de “PEC da Impunidade” é praticar o mesmo odioso modus operandi que a imprensa oligopólica utiliza. Qual seja, o de ouvir apenas um dos lados interessados na matéria. A principal contribuição da PEC 37 é regulamentar os prazos de investigação do Ministério Público. Hoje, o Ministério Público pode sustar investigações por tempo indeterminado. Pode, de acordo com a conveniência política do momento, interditar investigações durante 05, 10, 15, 20 anos e nada acontece!
Não é verdade que a PEC retira o poder de investigação do Ministério Público. Isso é uma rotunda mentira. O que se quer é regulamentar os prazos para que o MP faça o seu trabalho e pare de chantagear rivais de acordo com a conjuntura. É um avanço democrático. O MP hoje só investiga o que dá ‘IBOPE’. O osso duro de roer, as milhares de investigações do dia a dia ficam por conta da polícia. Ou o MP investiga tudo ou não investiga nada. É preciso regulamentar isso e os prazos de investigação, sem dúvida alguma.
A PEC 99 agora. Finalmente chegamos num consenso! A República Federativa do Brasil é um estado laico. Logo, não cabe a nenhuma igreja, de nenhuma confissão, impetrar Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs). Cabe agora ao parlamento, e não ao STF, apreciar a matéria em plenário. Espero eu que derrubem essa PEC. Porém, cabe a ressalva de que a PEC 99 em absolutamente nada se confunde com a PEC 33. São matérias distintas.
Quanto ao PL 4470/12 (fidelidade partidária), não há casuísmo algum. Isso é também uma grotesca manipulação da informação. O Supremo Tribunal Federal vem legislando ilegalmente sobre a questão da fidelidade partidária há muito tempo. O STF primeiro deliberou que os mandatos pertencem aos partidos e não aos parlamentares, criando a fidelidade partidária absoluta, com a qual eu concordo. Depois, flexibilizaram esse entendimento e criaram a ‘janela de outubro’, que nada mais é do que o incentivo à infidelidade partidária com prazo e hora marcada. Mais adiante, em junho de 2012, o Supremo Tribunal Federal deliberou que o PSD, criado em 2011, tinha o direito ao tempo de rádio e TV e ao Fundo Partidário, mesmo sem ter passado pelo crivo do voto popular!
Essa ridícula decisão do STF a favor do PSD não pode e não deve ser debitada na conta do parlamento, foi o próprio STF, que exorbitando de suas prerrogativas, criou esse monstro jurídico que interfere e deslegitima a expressão máxima da vontade popular, que se expressa através das urnas. A revolta no parlamento foi tão grande com a absurda decisão do STF a favor do PSD que, em setembro de 2012, logo após a estapafúrdia decisão, TODOS os líderes partidários acordaram a votação de um PL para restringir e por fim à farra do tempo de rádio e TV e para dar um fim na farra do Fundo Partidário. Pois bem, agora, quando o Congresso Nacional utiliza de suas prerrogativas constitucionais para regulamentar a matéria, aperfeiçoar a fidelidade partidária, reforçar a democracia impedindo o comércio de tempos de rádio e TV e a venda de apoios políticos, uns e outros reclamam de casuísmo!
Deveriam reclamar com o STF, este sim o criador de toda essa palhaçada! A verdade é que o projeto da fidelidade partidária é excelente, sob todos os aspectos e pontos de vista que se queira analisar. E a verdade também é que é absolutamente falso que esse projeto de lei restrinja a criação de novos partidos políticos. Isso é uma grotesca farsa. A criação de partidos segue rigorosamente o que já existe hoje. Ou seja, para se criar um novo partido são necessárias 500.000 assinaturas de cidadãos brasileiros. E, para a fusão de partidos, também não muda nada, basta apenas que dois ou mais partidos deliberem pela fusão.
Não muda absolutamente nada! A única coisa que muda, para melhor, é que, na falta de uma autêntica reforma política, a fidelidade partidária será enfim regulamentada pelo parlamento e a vontade popular expressa nas urnas não mais será fraudada por acordos e negociatas de balcão. Bendito projeto. Projeto que não tem nenhum casuísmo, apenas obriga que os partidos passem pelo crivo do voto popular para terem o direito ao tempo de rádio e TV e para terem direito ao fundo partidário. Excelente e oportuno projeto que recupera a desgraça que o STF inventou sobre a questão da fidelidade partidária!
Por fim, essa discussão de mérito sobre PECs e PLs foge ao contexto do principal. O que está em jogo neste momento na democracia brasileira não é se a aprovação ou não desses projetos vai acontecer. A disputa que verificamos hoje é uma canhestra tentativa de setores anti-democráticos da mídia oligopólica e de alguns ministros do STF de interditar o parlamento brasileiro, impedindo que o mesmo faça valer as suas prerrogativas constitucionais.
Qualquer poder que pretenda dizer o que o parlamento PODE ou NÃO PODE votar representa uma usurpação ilegal e um golpe branco contra a Casa dos Representantes legítimos do povo brasileiro. Esta é disputa principal que estamos a assistir no momento. Este é o pano de fundo contra o qual eu me manifesto. O Congresso Nacional tem TOTAL legitimidade para legislar sobre qualquer matéria e interditá-lo constitui-se num golpe terrível contra a recente democracia brasileira.
Alguns ingênuos, bem intencionados é verdade, perdem a noção do que realmente está em jogo ao olhar exclusivamente para a árvore e esquecer que a árvore em questão é apenas uma das tantas existentes nesta gigantesca floresta que é a política brasileira. É preciso ler nas entrelinhas!
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