Bozo na encruzilhada, por Luis Felipe Miguel
Seria exagero dizer que flopou, mas a micareta bolsonariana do sábado passado claramente reuniu menos gente do que a anterior. Os discursos não trouxeram nada que não fosse esperado, assim como os cartazes exibidos pelos manifestantes – pedidos de anistia aos golpistas, críticas ao STF e declarações de amor, em mau inglês, a Elon Musk.
O grande interesse do evento foi a movimentação entre Bolsonaro, Ricardo Nunes e Pablo Marçal.
Nunes subiu ao palanque, não discursou e nem mesmo foi anunciado; ficou escondido.
Marçal chegou atrasado e não foi chamado para o palanque, mas fez sucesso junto ao público e criou treta com Malafaia. Disse que foi barrado do carro de som e o homem de Deus retrucou: “Safado”.
A questão é que Bolsonaro não sabe como se comportar diante da eleição paulista.
Foi empurrado para o apoio a Ricardo Nunes, um político de velho estilo, que opera só com o oportunismo de curto prazo e cujo sonho era ter o apoio do inelegível sem ser comprometer com o bolsonarismo.
Uma estratégia difícil, já que Bolsonaro é tacanho, mas não idiota, e pressionou o tempo todo por gestos explícitos do novo aliado. Assim, a contragosto, sempre com olho na taxa de rejeição, Nunes assumiu um discurso mais ideologicamente direitista e aceitou, como vice, um policial que encarna a brutalidade sem meias tintas.
O surgimento de Marçal complicou muito o cenário. Primeiro, os Bolsonaro tentaram sufocá-lo, com uma agressividade deliberada. Não deu certo. Ensaiaram, então, uma trégua.
O medo de Bolsonaro é que Marçal mostre que é possível avançar na base social radicalizada à direita sem o beneplácito dele ou, pior ainda, contra ele.
O problema é que Marçal já mostrou isso. É tarde para Bolsonaro tentar fingir que não foi isso que aconteceu.
E Bolsonaro, por outro lado, não pode largar a mão de Valdemar Costa Neto, do Centrão e, de forma mais ampla, da elite política tradicional. Deles depende sua capacidade de pressão dentro das instituições, isto é, sua esperança de anistia e de não terminar preso.
É o dilema de todo político que usa um discurso antissistema para galgar posições dentro do sistema.
Se Marçal chegar ao segundo turno, será a prova provada de que é possível comer o bolsonarismo por fora. Se for Nunes, a vitória é de Tarcísio, que está firme no apoio ao prefeito.
A declaração patética da semana passada resume a situação. Jair disse que “está muito cedo” para entrar mesmo na campanha de Nunes.
Pô, falta um mês para a eleição. Se não agora, quando?
Se Marçal tivesse se descolado de Nunes, Bolsonaro pularia de canoa. Mas as pesquisas sugerem que a candidatura do estelionatário digital perdeu tração. É grande o risco de apostar no cavalo errado.
O jornalista Bruno Boghossian escreveu: “Se pudesse, Jair Bolsonaro só escolheria um candidato em São Paulo depois da apuração dos votos.”
Acho que é pior que isso. Ele está no modo de redução de danos. Qualquer que seja o resultado, ele sai menor do que entrou, com sua liderança contestada. Se pudesse, Bolsonaro apagaria da história a eleição de São Paulo.
Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular).
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