Bolsonaro paga para ver e o país aguarda a resposta das instituições, por Luis Nassif

Não se deve analisar isoladamente a fala de Jair Bolsonaro na frente do quartel do Exército, com palavras de ordem contra o Congresso e endossando manifestação a favor do AI-5. Por si, poderia ser apenas uma bazófia a mais, que será minimizada no dia seguinte.

Mas se deve somar ao ato os seguintes episódios anteriores:

  1. A revogação da decisão da área militar de exigir identificação das munições vendidas no país, ponto essencial para identificar a origem de balas usadas em operações criminosas – como a que vitimou a vereador Marielle Franco.
  2. A condenação do acordo com as telefônicas para permitir a identificação de aglomerações que possam colocar em risco o isolamento.

Poucos dias depois desses dois movimentos, explodiram as carreatas, planejadas de forma central muito provavelmente pelo Gabinete de Ódio, controlado pelos irmãos Bolsonaro. No mesmo momento em que Bolsonaro falava contra as instituições, além disso, o filho Carlos divulgava um vídeo, pelo Twitter, mostrando grupo de 15 atiradores praticando tiro ao alvo e gritando o nome de Bolsonaro.

Desde o ano passado apontamos insistentemente para a estratégia dos Bolsonaro, de ganhar tempo no governo enquanto preparavam milícias armadas, seguindo o modelo histórico do fascismo. Reforçava a hipótese o projeto de liberação das armas, a tentativa de remoção do fiscal da Receita que atrapalhava o contrabando de armas no porto de Itaguai, as declarações de Eduardo Bolsonaro e Olavo de Carvalho – de que o regime deveria ser defendido por milícias civis -, a descoberta de um verdadeiro arsenal na casa de um miliciano ligado à família Bolsonaro. E também as ligações políticas da indústria de armas e dos grupos de ultradireita (leia, a propósito, o “Xadrez da Indústria de Armas e o Financiamento da Direita”.

Era nítida a maneira como ele e os filhos assediavam os clubes de tiro, a base das polícias militar e civil, além das relações históricas com as milícias.

Ontem, o The Washington Post relatava que, ao lado das carreatas contra o isolamento social, ativistas armadas usavam grupos de Facebook para promover protestos contra a quarentena.

As carreatas de ontem, contra o isolamento social, ocorreram simultaneamente em cidades brasileiras e norte-americanas, comprovando um planejamento central – provavelmente de Steve Bannon, o guru que armou a ultra-direita mundial com ferramentas das redes sociais. Bannon define estratégias gerais. Obviamente cabe a cada país analisar suas próprias circunstâncias.

Ocorre que falta capacidade intelectual mínima aos Bolsonaro. Limitam-se, então, a reproduzir mecanicamente as instruções que vêm de cima, sem analisar as circunstâncias internas. E acabaram se iludindo com a movimentação das bolhas bolsonaristas, passando uma ilusória sensação de hegemonia na opinião pública brasileira.

Os arroubos do pai ocorrerem depois de um café da manhã com todos os filhos, um convescote de sociopatas megalomaníacos. Na tacada de ontem, acuados pelos erros cometidos na condução do combate ao coronavirus, os Bolsonaros se iludiram com a fantasia que eles próprios criaram, de hegemonia junto à população, e fizeram a grande aposta no golpe.

A reação contra o ato partiu de setores políticos, jurídicos – do Supremo Tribunal Federal (STF) a associações de magistrados de diversas linhas políticas, e associações de procuradores -, de personalidades variadas, de governadores, um amplo espectro ideológico de partidos políticos.

Hoje se terá a prova do pudim. Postergar qualquer decisão em relação a Bolsonaro significará dar mais tempo para que continue armando suas milícias e boicotando o golpe ao coronavirus.

Pode ser mais prático para a oposição – do centro direita ao centro-esquerda – empurrar com a barriga até conseguir montar sua estratégia pós-Bolsonaro. Não se trata simplesmente de um Presidente da República, que pode ser contido pelas instituições funcionando. Trata-se do chefe de uma organização clandestina armada capaz de mobilizar milícias violentas por todo o país, conforme se conferiu nas manifestações de ontem.

 

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • O golpe virá pelas PMs estaduais. E o cenário da primeira batalha é São Paulo. E isso se dará de forma cristalina quando Dória for obrigado a fazer a quarentena obrigatória ( o lockdown). Para isso terá que contar com a polícia para impedir que as pessoas circulem pelas ruas ( só tendo exceção pras idas aos mercados e farmácias e médicos ). E aí eles não farão isso, destruindo de vez a quarentena e a autoridade de Dória. Alguns poderão replicar, dizendo que os PMs ao sentirem na pele a letalidade desse vírus ( seja pela perda de colegas, familiares e conhecidos), vão se engajar para o cumprimento do lockdown aqui. Mas aí parte-se do princípio que há racionalidade nesse cenário. E não há, infelizmente.

  • O bolsonarismo não passa de 15 a 20% da população mas tem gente (inclusive na própria esquerda) que superestima esses números em 30 a 35%.

    O uso de robôs, watshapp e outras ferramentas tecnológicas faz parecer que o gado é maior do que é mas ficou nítido no episódio da tentativa de criação de seu partido que bolsonaro não tá com essa bola toda.

    Além do mais, muito do gado bolsonarista são de 'militantes' de apartamento que passam o dia em casa no facebook espalhando fakenews, destes muita gente idosa e já cima dos 60 anos.

    • Concordo com vc,é o típico caso do todopoderoso de vila,o machão,chega gritando tentando pelo medo impôr a supremacía.
      Nada que a primeira bala na testa do machão não acabe com a festa.
      Isso é o bolsonarismo ,o machão da vila.

  • Ou os democratas desse país dao-se as mãos, esquecem suas diferenças ou então podemos esquecer a pouca democracia que temos, será o retorno dos anos de chumbo sem um Golberi para contemporizar. Só espero que não seja tarde demais.

  • Quando há uma quarentena decretada pelo governo do estado e apoiada pelo prefeito da capital, caso das duas maiores do país (dentre outras) pergunta-se:
    Quem comanda a PM? (presumidamente, os governos de estado)
    Como se faz uma carreata com PROTEÇÂO da PM no Rio (do Witzel "cabecinha)"?
    Como se faz aglomeração nas avenidas de São Paulo com a condescendência da PM do Agripino?
    Como se faz aglomeração em frente a instituições de estado com a condescendência da PM do DF?
    Por último: como chegamos na situação estrambótica de ficar escolhendo entre Dória, Witzel ou Bolsonaro?
    Isso aqui tá muito ruim, isso aqui tá ruim demaais!...

    • Não tenho medo ,eles são um bando de borra-botas, o problema é com a gente.
      Carecemos de tetosterona,para enfrentar esses trombadinhas .

  • Não se espere das instituições mais do que elas já fizeram ontem:Um quase nada com declarações tímidas.
    Há tempo já venho comentando aqui neste espaço que o sujeito somente faz o que está fazendo porque se sente completamente à vontade para fazê-lo,ou seja,sabe perfeitamente que nada lhe acontecerá.
    Não sei se dará ou golpe ou não. Aliás,acredito,que não tem situação melhor para ele do que a atual. Cria sempre seus inimigos imaginários que acabam tendo que arcar com o ônus dos constantes erros do governo,permitindo que o sujeito fique sempre flutuando com sua matilha nas nuvens da perseguição no contra tudo e contra todos.
    Com um golpe minimamente o sujeito terá que assumir sua responsabilidade e aparecer como governante,coisa que sabemos,não tem a menor condição de ser.
    Se notarmos bem,essa foi a estratégia de campanha que lhe deu a vitória. Em um primeiro momento,arregimentando a matilha,em um segundo,quando não podia se esconder muito,empurrando todas as questões para seu posto Ipiranga ou para coisas do gênero vou escolher os melhores para compor o governo (argh). Quando a coisa começou a esquentar,uma facada providencial o fez de vítima e,ao mesmo tempo,possibilitou que fugisse dos debates e,livremente,escolhesse para quem queria dar entrevistas. Tudo debaixo do nariz disso que chamamos de instituições.
    Se depender delas,o golpe já está dado. Só não ocorrerá porque o sujeito,além de tudo,é covarde e medroso.

  • A nossa Justiça é a grande responsável pela barbárie atual do Brasil, porque lavaram as mãos e não fizeram o seu trabalho e dever que é de proteger a sociedade à luz do Direito. A partir do voto no impeachment dedicado ao Gal.Ustra até as inúmeras inconstitucionalidades desde que tomou posse, a Justiça fez cara de paisagem. Cada vez mais a frase: "com o STF, com tudo..." faz mais sentido. A que custo? De vidas inocentes ceifadas? Eles que respondam e façam valer o que a sociedade espera da Justiça.
    "Antes que a chama apague
    Antes que a fé se acabe
    Antes que seja tarde"

  • Nassif, já que opções dentro das normas constitucionais para afastar Bolsonaro são demoradas, não seria uma boa estratégia cassar os mandatos dos filhos, já que agem abertamente contra as próprias instituições? Depois prender os três, motivos não faltam, corrupção, homicídio, milícias armadas. Isso não quebraria as pernas de Bolsonaro?

    • Vc tem razao Rita.
      Sua opinião é corroborada por este ensinamento de "A Arte da Guerra": "Diante de uma larga frente de batalha, procure o ponto mais fraco e, ali, ataque com a sua maior força"
      Os filhotes são o ponto fraco deste grupo.

  • As Instituições: o "presidente" do STF, aquele do pacto, se cala; o da Câmara dos Deputados, que pretende agora ser "florista", diz que impeachment dá azar; o do Senado já acordou? O PGR sonha em ganhar de Brindeiro, o famoso engavetador geral, na submissão ao "presidente" agitador. A mídia hegemônica, maior responsável, na origem, por tudo, ao pregar, diuturnamente, o ódio a Lula e ao PT, com mentiras e meias verdades, teme a queda do programa neoliberal que defendeu, defende e defenderá, junto com a saída do agitador. Sobra o quê?

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