Exumação do corpo de Pablo Neruda acontecerá na segunda

Frederico Füllgraf

Caro Nassif,

Escrevo do Chile, onde estou rodando um documentário sobre a saga dos pescadores artesanais, que se completa no Ecuador e na Espanha.

Semanas atrás, na casa do meu personagem principal, o líder pescador Cosme Caracciolo, em San Antonio, ao sul de Valparaíso/ Viña del Mar, me foi apresentado o senhor que você verá na entrevista, cujo link segue abaixo. Seu nome é Manuel Araya, ele foi  chofer, segurança e mensageiro de Neruda, por obséquio do Partido Comunista chileno, do qual Neruda era membro histórico e candidato à Presidência; candidatura da que abriu mão para favorecer Allende.

Pois bem, desde o dia em que Neruda foi declarado morto, na Clínica Santa Maria, de Santiago – 23 de setembro, 1973 -,  Araya afirmou que a causa mortis do poeta não fora um “câncer de próstata”, como atestou o médico da clínica e, sim, que Neruda teria sido assassinado com uma injeção letal no estômago. Agora pasme: curiosa, ou assombrosamente, na mesma clínica faleceu 8 anos mais tarde o ex-presidente democrata-cristão, Eduardo Frei Montalva. Transcorridos 30 anos, seus familiares pressionaram a Justiça e conseguiram sua exumação. Esta confirma que Frei foi mesmo assassinado: 

http://noticierodc-chile.blogspot.com/2008/07/confirmado-eduardo-frei-montalva-fue.html

Araya havia trazido Neruda de Isla Negra para Santiago, por volta do dia 18 de setembro, uma semana depois do golpe de Pinochet. O embaixador do México no Chile tinha articulado entre seu governo e os golpistas chilenos a saída de Neruda para o exílio no México. Por isso, no dia 22 de setembro, aterrissava um avião do Governo Mexicano, especialmente fretado para buscar Neruda e decolar no dia 23 de setembro. Na tarde do dia 22, o médico que atendia Neruda, pediu a Araya que fosse comprar alguns medicamentos. Araya partiu rumo a uma farmácia e nunca mais voltou: no caminho, seu carro (de Neruda) foi fechado, Araya arrancado dele aos pontapés e coronhadas, e conduzido ao famigerado Estádio Nacional, onde permaneceu durante longos meses.

Quando reconquistou a liberdade, em 1974, iniciou seu mergulho nas circunstâncias da morte de seu patrão e protetor (Araya é filho de camponeses pobres) e foi documentando tudo o que lhe parecera estranho: Neruda viera à clinica fazer um checkup porque cinco dias antes de embarcar para o México (decisão que lhe custou muito tomar, ele não queria “abandonar el pueblo chileno”) se sentia mal, mas não devido ao câncer na próstata, sob controle, mas porque o golpe militar o tinha deprimido. 

Observadores incrédulos, mas também o jornalista investigativo, se perguntam, por que Araya demorou 40 anos para fazer a denúncia. Mas a pergunta não procede, ele vem denunciando o suposto assassinato do poeta desde 1974. Que não tenha tido o respaldo necessário, deve-se à ditadura que durou até 1991, e depois dela, ao medo ainda persistente, pois aqui no Chile não é como na Argentina: salvo algumas exceções, os assassinos estão soltos. Mas houve também dois antagonistas que barraram as revelações de Araya: Matilde Urrutía, ex-bailarina, terceira esposa do poeta e mulher avessa à militância na esquerda, e a Fundação Neruda, que detém todos os direitos sobre a obra do Nobel e é acusada gravemente de corrupção e mercantilização do nome de Neruda.

Em 2011, finalmente, a luta de Araya ganhou a adesão do PC, que é autor da ação criminal presidida pelo Juiz Mario Carroza, que determinou a exumação – eis a síntese do histórico sobre a estranha morte de Neruda.

Muito bem, Araya me convidou para participar da exumação, que ocorrerá na próxima 2a, feira, dia 08 de abril, em Isla Negra, e eu a documentarei fartamente, já que no domingo estaremos gravando em San Antonio, a poucos km da casa do poeta. Araya, Rodolfo Reyes, sobrinho e advogado da família Neruda, e setores da imprensa, cobraram a participação de especialistas forenses estrangeiros, aos quais Carroza inicialmente resistiu, assim mesmo estarão presentes alguns famosos legistas da Espanha, da Suécia e talvez de Cuba, para contrabalançar a equipe chilena escolhida, que não inspira confiança, pois será a mesma que “atestou” o suicídio de Allende e emitiu laudos falsos sobre pelo menos 40 detidos-desaparecidos, durante a ditadura.

Esta estória está narrada em detalhe no livro de reportagem “El doble asesinato de Neruda”, cuja ideia nasceu na mesa de jantar de um pescador pobre como Caracciolo, que infernizou a vida de Araya para que a publicasse; o que conseguiram com o apoio do jornalista Francisco Marín.

Recomendei o livro à Geração Editorial, do L.F. Emediato, e Paulo Schmidt quer que eu o traduza; falta apenas a editora Ocholibros assinar o contrato.

Segue link paara uma das entrevistas do afável e teimoso Manuel Araya:

http://www.youtube.com/watch?v=nfCn4b8LiNQ

Luis Nassif

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