Joaquim Barbosa, o negro que se tornou um campeão branco, por Luis Nassif

Foram anos de libação, de orgia de poder, de cegueira, de revanche da vida. Quando terminou o julgamento do “mensalão”, Barbosa parece ter acordado do grande porre que o contaminou. Pediu aposentadoria, balbuciou no Twitter algumas críticas contra a evolução do preconceito nacional que ele ajudara a alimentar e se recolheu à vida profissional e pessoal.

Joaquim Barbosa e Sérgio Moro

Joaquim Barbosa é erudito, um negro que enfrentou todos os preconceitos de uma sociedade escravocrata e jamais se vergou. Transformou sua arrogância em defesa contra os inúmeros preconceitos que sofreu ao longo da vida. Não abriu mão da arrogância nem quando vetado em um concurso para o Itamarati. Construiu sua carreira a ferro e fogo até o concurso público, que permitiu seu ingresso no Ministério Público Federal. E sua projeção no período seguinte, em que os ventos democratizantes do pós- Constituinte tornaram o MPF um poder moderno. Pelo menos até o advento do “mensalão” e da Lava Jato.

Graças ao cargo, o Estado brasileiro permitiu que passasse grande parte de sua carreira estudando fora, aprimorando-se em línguas, tornando-se um procurador com alto nível de erudição, especializado em temas de inclusão.

Sérgio Moro é primário, filho da classe média mais preconceituosa do país, baixíssimo nível de informação, nível intelectual precário e total falta de limites no exercício do poder de juiz. 

Barbosa é um personagem trágico; Moro, um personagem tosco. Ambos, a seu modo, se valeram do cargo para sua revanche da vida e ajudaram a destruir qualquer veleidade civilizatória do país em que nasceram. 

A revanche de Joaquim Barbosa

Mesmo após conquistar o mais alto cargo jurídico do país, o de Ministro do Supremo Tribunal Federal, os fantasmas do passado – e do presente – não deram sossego, o pesado preconceito, explícito ou escondido, de uma sociedade escravocrata, acompanhou Joaquim Barbosa em todo seu período de Ministro.

Recusava qualquer contato informal com os colegas  de Supremo, que não viesse mediado pelo formalismo do cargo. Chegando à sede do STF, evitava passar pelo café, com receio de encontrar os colegas e despertar comentários preconceituosos sibilinos, conforme o relato de seu ex-colega e amigo Eugênio Aragão. Exagero? Talvez. Mas em uma solenidade foi saudado pelo colega Luis Roberto Barroso com um elogio que refletia bem o preconceito secular brasileiro, o homem que venceu, apesar de negro.

A relatoria do “mensalão” representou sua oportunidade de vingança da vida. Sua voz tornou-se poderosa, embalada pelo apoio incondicional da mídia. E tratou de exercer o novo poder em sua plenitude. Era um poder condicionado, que dependia da maior severidade com que tratasse o episódio. Por isso, tratou de ser o mais severo possível.

Cada réu que ajudava a condenar, cada advogado que humilhava, cada colega que enquadrava representava sua revanche da vida. Queria ser reconhecido pelo poder, fosse qual fosse o poder. Em parceria com um Procurador Geral da República pouco criterioso, valeu-se de manipulação de provas, de interpretações jurídicas falsas.

Jack Johnson, primeiro campeão negro de boxe

Não se tratava mais da afirmação da negritude, da bandeira da igualdade racial, mas a batalha pessoal de tomar o lugar dos colegas brancos no panteão da branquitude nacional, a elite branca. E de arrogância em arrogância, de prepotência em prepotência, a alma negra de Joaquim foi embranquecendo. Não simbolizava mais a altivez dos rejeitados, mas o deslumbramento dos poderosos, de quem assimilou todo o instrumental de preconceito, a ponto de se transformar no “campeão branco” da mais preconceituosa publicação do país.

O termo “campeão branco” se refere à busca dos americanos por um lutador branco que conseguisse tirar o cetro de Jack Johnson, o primeiro negro campeão de boxe no início do século 20.

Tornou-se “o menino pobre que mudou o Brasil”, aceitando que sua imagem fosse utilizada em campanha promocional da Veja. Não era mais a representação da afirmação negra, mas um campeão da meritocracia.

No final da batalha saiu vencedor, à custa de plantar definitivamente o ovo da serpente na vida nacional, o discurso de ódio, o punitivismo cego, a lógica de que os fins justificam os meios, que, anos depois, resultaria no impeachment, na eclosão dos preconceitos e  na destruição de todas as políticas sociais que permitiriam a outros negros superarem os empecilhos colocados em sua vida por uma sociedade escravocrata.

Foram anos de libação, de orgia de poder, de cegueira, de revanche da vida. Quando terminou o julgamento do “mensalão”, Barbosa parece ter acordado do grande porre que o contaminou. Pediu aposentadoria, balbuciou no Twitter algumas críticas contra a evolução do preconceito nacional que ele ajudara a alimentar e se recolheu à vida profissional e pessoal.

Mas não apagará da história o seu papel, o deslumbramento que o tornou um dos principais verdugos de políticas sociais que dariam a outros negros e pobres, oportunidades que ele não teve em seu início de vida.

Luis Nassif

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