O novo MEC: Militares extinguindo o conhecimento, por Alexandre Filordi

Um ciclo assustador gira sobre a Educação desde o MEC, mas precisamos lutar para que ele não se torne um ciclo vicioso e fechado

Por Alexandre Filordi (EFLCH/UNIFESP)

Em apenas dezoito meses de governo, o Ministério da Educação vê-se intoxicado por um terceiro ministro. Intoxicar é um termo preciso aqui. Sem espécie alguma de políticas ou plano racionais, destituída de balizas técnicas e eficientes, contaminada por projeções psicóticas, a Educação se sufoca pela intoxicação do zyklon B da incompetência.

O novo ministro da educação, algo que desconheço em qualquer país no mundo, possui um currículo fake. Tudo bem, ele segue a coerência da demanda de um governo onde tudo é falsidade e teatralização para parvos. O mais grave e novo, no entanto, é a militarização da Educação. Com poucos passos, o MEC, dada a tradição de seus ministros anteriores, neste governo, transformar-se-á em uma plataforma de militares extinguindo o conhecimento.

Motivos, para tanto, têm-se de sobra: supressão de investimento nas pesquisas; policiamento ideológico nos livros didáticos; alarmismo míope de que Filosofia, Antropologia, Ciências Sociais não servem para nada; possível extinção do FUNDEB – O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, importantíssimo para assegurar a mínima qualidade educacional nos municípios carentes; militarização das escolas etc.

Tudo isso vai ao encontro do que T.W. Adorno e sua equipe de trabalho, em A personalidade autoritária, denominaram de escala do fascismo. Tratou-se de uma pesquisa para se desenvolver referentes de compreensão psicossociais de como a antidemocracia florescia.

Dentre a vasta gama analítica da escala do fascismo, gostaria de destacar três aspectos. O primeiro indicia a “anti-intracepção”, ou seja, a predominância de uma atitude de impaciência e de oposição ao subjetivo e ao espírito compassivo. Para os pesquisadores, “uma característica importante do programa nazista, deve-se lembrar, foi a difamação de tudo que tendia a tornar o indivíduo consciente de si mesmo e de seus problemas”.

Não é à toa que todo pensamento capaz de potencializar o refinamento da alteridade, tão fundamental para se opor a qualquer sujeição e opressão, foi e é perseguido nesse caso. Eis o perigo da Antropologia, da Filosofia e das Ciências Humanas, pois elas mostram como a consciência e a ação de seus sujeitos são produzidas e podem ser modificadas socialmente, logo, sensibilizando-os com a condição existencial de outrem, em especial dos injustiçados, desfavorecidos, oprimidos, explorados e excluídos pelos poderes também produzidos socialmente.

Mas quando a escala do fascismo evidencia o fortalecimento de todo convencionalismo, isto é, a adesão dos indivíduos aos rígidos valores convencionais, sobretudo os da classe média, visando ao fortalecimento da identificação de poderes coletivos padronizados, um importante dado se revela, em segundo lugar. Aqui, demanda-se “obediência e respeito pela autoridade como as virtudes mais importantes que as crianças deveriam aprender”.

É a descoberta da pólvora: a explosão das escolas cívico-militares estão aí. Há de se ensinar, desde cedo, a andar na linha, a obedecer, a silenciar-se, a sujeitar-se, a crer etc. Criticar, questionar, indagar, especular, pensar e agir diferentemente do coletivo padronizado, jamais! Mas que ciência se faz sem espírito de ousadia, de curiosidade, de aventura? Isso não interessa ao novo MEC, contudo, e seguimos com pés ligeiros para um atraso tecnológico e científicos abissais. Assim, em pleno século XXI, a nossa economia se reduz à plataforma política dos séculos XVI e XVII: no lugar do pau-brasil e do açúcar, soja, carne, minério, pois sem conhecimento não há produção de valor agregado.

Um terceiro aspecto concerne ao quesito agressão autoritária, que diz respeito às tendências em vigiar e condenar, rejeitar e punir pessoas que violam os valores convencionais. O basal aqui é: “o que a juventude mais precisa é disciplina estrita, determinação severa e a vontade de trabalhar e lutar pela família e pelo país” (Grifos meus). Mais do que compreender o fetiche por família, valores tradicionais e pátria acima de tudo, por aí também acessamos algo assustador. A juventude é a passagem a consolidar a maturidade existencial. Condicionada à disciplina restrita, ela também é preparada para aceitar as condições de sua precarização existencial. Fora de uma educação crítica, eivada de consciência social, assumir a identificação com a autoridade interessa apenas aos que exploram e distorcem a formação da juventude, claro está, lucrando com isso.

Um ciclo assustador gira sobre a Educação desde o MEC, mas precisamos lutar para que ele não se torne um ciclo vicioso e fechado. A militarização do MEC é mais do que um alerta, é um sintoma de que a escala do fascismo está latejando entre nós e nos intoxicando. A Educação, neste caso, é uma porta giratória: podemos tanto entrar nessa escala quanto dela sairmos. Por isso mesmo, abaixo os militares extinguindo o conhecimento.

Redação

4 Comentários

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  1. Preocupante o que se transformou o Ministério da Educação em tão pouco tempo. De fato, se a estratégia é a destruição, então, faz sentido colocar militares que são treinados justamente para esta finalidade… 🙁

  2. A mudança vira a realidade se imporá, levara tempo mas vai se impor, é a lei. Narrativas são boas por algum tempo, mas a vontade de conhecimento é maior,

  3. O Governo parece não ter plataforma, mas o discurso recupera vários elementos dos períodos autoritários brasileiros (1937 a 1945 e 1964 a 1984), que se inspiravam nos movimento totalitários mundo afora. Os militares estavam lá desenhando o futuro. Havia ali um claro projeto civilista ligado a um ideal de segurança nacional para a educação, mesmo quando não tinha necessariamente um militar frente ao Ministério da Educação. Tens razão quando faz alusão aos campos de concentração e ao fascismo, mas as ações são deliberadas, não refletem mera incompetência e acho que já estamos bem avançados nessa escalada, que eu chamaria de neofacista. Existe claramente a vontade de elitizar o que depois de séculos começou a ser democratizado. Eles têm um projeto de poder assustador, eugenista. Talvez devamos reconhecer que estão fazendo um ótimo trabalho no processo de “desdemocratização”.

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