O uso das narrativas como arma de guerra na Rússia e no Brasil

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
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Em entrevista, Alcides Peron discute o uso da mídia como instrumento de manipulação de discurso; realidade brasileira não é diferente

Photo by Matt C on Unsplash

O uso dos instrumentos midiáticos para manipulação de discurso tem se tornado algo recorrente tanto no front político, como ocorre no Brasil nos últimos anos, como inclusive na guerra entre Rússia e Ucrânia.

O tema foi abordado na TV GGN 20 horas desta quarta-feira (24/03), onde o jornalista Luis Nassif conversou com o professor e pesquisador Alcides Peron a respeito da mídia como instrumento de manipulação.

Sobre as declarações à imprensa das partes envolvidas, como Rússia e os Estados Unidos, Peron diz que a tendência é que as declarações se tornem cada vez mais intensas.

“A Rússia sabe perfeitamente até que ponto ela pode agir, assim como a OTAN sabe muito bem até onde ela pode agir. A gente sabe que a OTAN não pode, por exemplo, engajar no conflito, os EUA não podem engajar ativamente no conflito”, pontua o pesquisador.

Por conta disso, tanto a OTAN como os Estados Unidos tem ajudado a Ucrânia fornecendo armamentos, por exemplo, com o objetivo de “produzir atrito contra a Rússia”. Contudo, Peron lembra que boa parte do embate não ocorre apenas no front, mas também do ponto de vista das narrativas.

“Uma coisa é a narrativa, é a fala da agressão, ‘precisamos escalonar o conflito, precisamos escalonar o conflito’ como o Anthony Blinken vem fazendo, e uma série de outros figurões tanto do Partido Democrata quanto do Partido Republicano tem se manifestado em favor do escalonamento do conflito”, diz Peron.

Além disso, o professor ressalta que – guardadas as devidas proporções – o conflito com a Rússia é bem diferente de um confronto com países como Síria e Afeganistão. “É totalmente diferente, você está lidando com uma grande potência de cunho nuclear – e que recentemente já manifestou: se houver qualquer tipo de ameaça existencial, eles não teriam problemas em usar algum tipo de armamento estratégico, ou como é conhecido o armamento nuclear”.

Putin e a mentalidade da Guerra Fria

Um fato que vem a calhar quando se fala da Rússia e seus recentes confrontos está relacionado com a ex-ministra alemã Angela Merkel, que tentou reduzir a escala do confronto que culminou com a invasão e ocupação da Criméia pelos russos em 2014.

Segundo Peron, diversas notícias mostravam Merkel como uma figura “potente, respeitadíssima, com uma capacidade de negociação e com traquejo para negociar com o (Vladimir) Putin”.

Porém, uma notícia publicada pela Reuters em 2014 abordava um telefonema de Merkel ao então presidente norte-americano Barack Obama, que falava o seguinte: “’olha, eu não sei se estou conseguindo entender o Vladimir Putin nessa movimentação, porque ele está raciocinando em termos da Guerra Fria’”.

“Era essa a expressão que ela usou, ‘ele está raciocinando em termos da Guerra Fria (…) Mas o fato é: o Vladimir Putin, assim como a Rússia, há um bom tempo já vem se organizando para uma proteção territorial”, lembra o pesquisador.

“Se você ler as estratégias de defesas dele, se você ler todo esse progresso de 93 para cá, eles vem se sentindo cercados. E a expansão da OTAN só vem colocando mais lenha na fogueira, deixando eles ainda mais obcecados com essa questão desse cercamento. Isso para eles é uma ameaça existencial”.

Distorção narrativa no Brasil

Um caso recente que ocorreu em torno da distorção midiática de discurso no Brasil envolve a polêmica envolvendo um comentário feito pelo jornalista Boris Casoy na CNN Brasil.

Segundo Nassif, a emissora tem um bom time de jovens jornalistas e alguns veteranos, mas a sede por likes é uma coisa inacreditável. “O que o Boris está fazendo lá é um antijornalismo sem tamanho. O Boris, ele é do bordão, ele não traz informação nova – quando é um tema mais complexo, eles sempre colocam outro comentarista na frente (…) “O que ele (Boris) solta de acusações difamatórias sem fundamentos é coisa de rede social”.

Neste caso, o que ocorre é a propagação de fake news por parte de Casoy, que disseminou em seu comentário a teoria de que “um legista do caso Celso Daniel foi morto por cubanos. Assim, não traz um dado, uma comprovação, uma fonte”.

“O que a CNN faz é ser uma propagadora de fake news, isso compromete todo o jornalismo dela. Não adianta dizer ‘as opiniões dos convidados não representam a opinião da CNN'”, diz Nassif. “As opiniões do Carlos Bolsonaro não representam a opinião do WhatsApp ou do Telegram, mas na medida em que deixam transmitir estão endossando. E quando você fala em jornalismo, é outro jogo”

O compromisso básico, fundamental, que justifica, é legitimador do jornalismo é a informação correta. Depois, a opinião você faz o jogo que você quer”, diz Nassif. “Eles permitem um negócio desses que é escandaloso”

“Como que pode uma emissora que veio definindo o padrão – eles tem compliance lá, eles tem um sistema de checagem de informação”, diz Nassif. “Converso de vez em quando com alguns comentaristas, eles tem um furo, e antes de sair o furo alguém checa. Como é que permite um negócio desses? (A CNN) ganhou o selo de propagadora de fake news”.

Na outra ponta, o destaque positivo ficou com a entrevista feita com o ministro da Educação, Milton Ribeiro, sobre o esquema com pastores no MEC. “E o que o ministro fala: ‘o meu pessoal lá, eu garanto que não tem nada. Então, se tem alguém lá do esquema antigo com ideologias, pode ter feito isso’. Nunca aconteceu esse tipo de escândalo lá, aconteceu só quando ele trouxe o pessoal dele”, diz Nassif.

“Foi uma entrevista muito boa, mostrando que os jovens jornalistas lá sabem fazer um jornalismo de primeira – e todos eles são contaminados, a imagem é contaminada por conta dessas coisas tipo o Boris”.

Caso Möise

O jornalista Marcelo Auler destacou a entrada de uma ação cível por parte do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro por conta do assassinato do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, em que se pede uma indenização de R$ 17,2 milhões.

“Esses R$ 17,2 milhões incluem a Prefeitura do Rio de Janeiro, por não ter fiscalizado as condições em que se trabalham nesses quiosques nas praias, e também incluem a Rio Orla que é a concessionária que explora esses quiosques, repassando isso para outras empresas menores (…)”

Auler afirma que “desse total de R$ 17 milhões, alguma coisa em torno de R$ 5,7 milhões vão destinados à mãe do Moise, Ivana Lay. Aí incluem verbas indenizatórias a serem pagas pelos dois quiosques e pela Rio Orla e incluem ainda R$ 3,470 milhões de pensão pela expectativa de vida do congolês por 76,6 anos, e uma indenização de R$ 2 milhões pelos danos morais causados à família e ao congolês que a Prefeitura também tem que pagar”, afirma Marcelo.

Além desses valores, cinco procuradores do Trabalho pedem uma indenização de R$ 11,5 milhões a serem pagas pelos 14 réus “na base dos termos de ajustamento de conduta firmado lá no RS com o Carrefour (…) pela morte do João Alberto Silveira Freitas em novembro de 2020 (…)”

“O termo de ajustamento de conduta lá foi de R$ 115 milhões. Aqui no Rio, eles estão cobrando 10%”, diz Auler. “O MP considera que o Moïse foi realmente submetido ao trabalho similar ao trabalho escravo”

“(Moïse) trabalhava desde novembro de 2018 sem carteira, diariamente, só não trabalhava quando chovia, não tinha carteira assinada, ganhava só os 10% pagos pelos clientes”, diz Auler. “Não tinha direito sequer a usar o banheiro do quiosque, tinham que usar um local embaixo de uma ponte”.

Outro ponto a ser destacado é o racismo estrutural. “Eles acham que o ambiente de trabalho para os migrantes na orla é um ambiente racista que eles exploram o direito do trabalhador migrante”, afirma Auler.

“Não raro a mão de obra estrangeira devido ao desconhecimento da língua, do território, das leis nacionais, e é sujeita a violência no ambiente de trabalho – e por isso a Prefeitura também é responsável”, diz Marcelo Auler.

“Eu acho que pode até não chegar nesse valor todo – conclui que o trabalho é em condições análogas à de escravidão, e acham que tem de ter um exemplo para que isso não se repita”, ressalta.

Veja a análise de Luis Nassif sobre a mídia e a entrevista completa com Alcides Peron na íntegra da TV GGN 20 horas. Clique abaixo e confira!

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

2 Comentários

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  1. Sei que é muita informação sendo postada, muita indicação de vídeos, palestras sendo feita, mas não posso deixar de indicar para quem lê e quem faz o GGN o vídeo de Vladimir Pozner, How the United States Created Vladimir Putin. Para quem já assistiu algum vídeo de John Mearsheimer, essa vai ser sua versão “jornalística”. Vale a pena ver pelo menos os primeiros 35 minutos. Para o pessoal jornalista do GGN os minutos entre 25-35 (mais ou menos): o comportamento da mídia corporativa nos últimos 10-15 anos nos EUA e, por que não, no Brasil. Fica a dica: https://youtu.be/8X7Ng75e5gQ.

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