Os 35 anos do Tratado de Paz e Amizade, firmado entre Argentina e Chile

Acordo encerrou a disputa entre os países no Canal de Beagle; Assinado dois anos após Guerra das Malvinas, tratado também significou um triunfo da diplomacia argentina

Do blog argentino Príncipe del manicomio
Tradução livre do Jornal GGN

Os 35 anos do Tratado de Paz e Amizade, firmado entre Argentina e Chile

Novembro de 1984 não foi um mês comum na história da Argentina e, de fato, ainda não foi valorizado em sua real importância.

No domingo, 25 de novembro de 1984, nós, argentinos, fomos às urnas para validar o Tratado de Paz e Amizade com o Chile, assinado em 18 de outubro para encerrar a disputa entre os países vizinhos na região do Canal de Beagle.

A Argentina havia recuperado a democracia há menos de um ano e procurou se reintegrar ao mundo, buscando exibir uma ruptura marcada com o que aconteceu na etapa anterior. A Guerra das Malvinas, que havia terminado apenas dois anos e meio antes, foi uma ferida aberta que atingiu o país com força, e as novas autoridades queriam exibir outra maneira de resolver conflitos.

Assim, e ao contrário da realidade que o país vivia em 1978, quando a guerra faltava pouco para se tornar realidade, a Argentina representava uma saída diplomática para o conflito de limites no Sul.

Tudo começou com uma reunião entre o então novo ministro das Relações Exteriores da Argentina, Dante Caputo, e o representante da ditadura chilena, coronel Ernesto Videla. Durante um encontro reservado na casa do chefe da diplomacia nacional, chegaram a um acordo que incluía a redação da carta, o design dos mapas e da decisão assinar o tratado no Vaticano. Em 23 de janeiro de 1984, os ministros das Relações Exteriores de ambos os países assinaram a Declaração de Paz e Amizade. Isso significou um triunfo claro para a diplomacia argentina, uma vez que conseguiu chegar a uma saída acordada após a guerra estar à beira, e foi assim que o ministro das Relações Exteriores Caputo sentiu. Ao retornar para a Argentina, e apresentar a notícia ao presidente Alfonsin, Caputo, porém, não teve como resposta a aprovação imediata do acordado, já que o primeiro presidente respondeu com um lacônico: ‘Não é o último passo, temos que ir a uma consulta popular’.

É claro que, alguns meses depois de assumir o governo, ele teve amplo apoio popular, mas, para avançar em uma questão de tal complexidade, era essencial ter apoio explícito dos cidadãos, a fim de conseguir a adesão ao acordo no Poder Legislativo, uma vez que a ala Radical não tinha maioria no Senado. Também é preciso lembrar que essa não era a única frente à qual a nova democracia argentina deveria comparecer, pois também precisava lidar com a questão da dívida externa, que havia explodido alguns meses antes com o anúncio da cessação de pagamentos do México, e também sua decisão de processar os líderes militares das últimas ditaduras pelos crimes cometidos entre 1976 e 1983.

Consequentemente, Alfonsín procurou o apoio da população para se mover em direção a uma paz definitiva com o Chile e, em 25 de julho do mesmo ano, assinou o Decreto 2272/84, pedindo uma consulta para ouvir a opinião dos cidadãos a esse respeito. No anúncio da chamada, Alfonsín disse que “A Paz era uma condição para recuperar a dignidade de seus habitantes. Não basta invocar a paz, ela deve ser realizada”.

Embora tenha sido um tópico discutido em ambientes políticos, a chamada pegou de surpresa o peronismo que ainda estava envolvido nas consequências da primeira derrota eleitoral de sua história, que aconteceu apenas alguns meses antes. Assim como sua recomposição, após esse evento eleitoral, sua reação à chamada para consulta presidencial foi caótica.

O setor mais ortodoxo do partido, referenciado na figura do então presidente do bloco de senadores nacionais Vicente Leónidas Saadi, opôs-se fortemente à consulta popular, ainda que não fosse vinculativa, pois afirmava que era uma encenação do governo para distrair-se da problemas enfrentados até então, e houve até projetos parlamentares que abordaram a questão, por exemplo, o nº 2113/84, assinados entre outros por Carlos Torres, Julio Bárbaro e Adam Pedrini, que, em 3 de agosto, sustentaram: “Não nos opomos a que, por negócios de Estado que tratem assuntos vitais para a Nação, se recorra ao povo das províncias para que resolvam sobre os mesmos. O que não aceitamos é que se recorra à população, por métodos que estão fora do espírito da Constituição Nacional”. Essa foi a principal proposta do Justicialismo, opor-se à realização da consulta, porque eles entendiam que não era constitucional, mas curiosamente no mesmo projeto eles dobraram a aposta, propondo, em seu primeiro artigo, uma consulta para a questão Beagle e para o mencionado pagamento da dívida externa, pretendendo posicionar-se eleitoralmente após o colapso de outubro de 1983.

A resposta a essas posições veio de duas áreas, uma externa ao peronismo e a outra de suas próprias entranhas.

Do Supremo Tribunal, o ministro Carlos Fayt afirmou que ‘o advento da democracia contemporânea oferece uma perspectiva não prevista pelo constitucionalismo clássico e exigirá o reconhecimento de qualquer pessoa, legalmente qualificada, do direito de participar diretamente do governo de seu país, através do referendo ou de qualquer outro meio de consulta ou participação popular … ‘, que abortou o caminho judicial em oposição ao projeto presidencial.

Do próprio peronismo, havia quem entendesse a importância da época e, acima de tudo, o apoio que o governo nacional tinha e como seria inconveniente se opor a consulta popular. O líder desta proposta foi o então governador do Riojan Carlos Menem, que se manifestou publicamente em apoio à proposta do governo e militou pelo Sim.

Mas ele não foi o único, já que, por exemplo, o deputado Pedrini, que acompanhou em 3 de agosto o projeto para promover uma consulta popular mais ampla). Em 30 de agosto do mesmo ano, Padrini acompanhou um projeto, de nº 2115, que solicitava declararr “sem efeito o disposto pelo decreto número 2272, de 25 de julio de 1984”, por entender que “o Presidente da República não estava facultado para convocar o eleitorado para a finalidade de uma consulta de tal natureza e na forma e condições que indicava no decreto referido”. O caminho do deputado Bárbaro foi inverso, uma vez que passou de uma posição moderada e de acordo com a publicação de uma nota no Diário Clarín, na qual afirmava que a linha divisória entre um país em ruínas, repartido e esvaziado, e um projeto de futuro que, sem o lastro de sonhos realizáveis, nos permita alcançar a entrega argentina. Um possível país, sem fraudes ou ilusões”, deve procurar tudo e solicitar uma ampla consulta popular.

No peronismo, havia quase tantas posições quanto os peronistas e, embora no final de outubro tenha sido tentado dar organicidade à posição que pedia uma ‘abstenção em massa e militante’, era apenas uma mise-en-scène, já que as autoridades do partido careciam de liderança e autoridade

Em 18 de outubro, o acordo entre Argentina e Chile foi finalmente assinado, quando a consulta popular tinha uma data fixa. Em 25 de novembro, os argentinos compareceram a consulta para expressar seu acordo, ou não, com “os termos da conclusão das negociações com a República do Chile para resolver a disputa referente à área do canal de Beagle”.

Uma semana antes da consulta popular, o ministro das Relações Exteriores, Dante Caputo, e o chefe dos senadores peronistas nacionais, Vicente Leónidas Saadi, realizaram um debate na televisão, o primeiro e único da história argentina, no qual confrontaram ideias e opiniões sobre o acordo de paz. A discussão chegou a um ponto onde os argumentos do senador Saadi, contrário à consulta, eram tão fracos, que ele mesmo teve que questionar a razão do debate. Isso permitiu que Caputo reduzisse parte do seu discurso à célebre frase: “Não existe uma defesa melhor da posição do Ministério das Relações Exteriores do que a mencionada pelo senador Saadi”.

 

O presidente Alfonsín, no estádio de Vélez Sarsfield, lotado, pediu o apoio dos cidadãos, retomando as palavras que moldaram seu discurso de campanha um ano antes. Disse ele: É a luta de todos. Fechei uma campanha eleitoral aqui na capital, dizendo que todos, independentemente da nossa posição, deveriam marchar juntos; que era absolutamente necessário que entendêssemos a necessidade de nos unirmos por trás dos grandes denominadores comuns da Argentina, do fato termos um comportamento nacional que ultrapassasse nossa discussão e que nos permitisse nos apresentarmos unidos diante das grandes potências do mundo, fazendo uma figura, eu disse que os radicais já estavam em suas colunas. Lá vão nossos grandes líderes, nossos grandes mortos a frente [da batalha]: Alem, Yrigoyen, Larralde, Pueyrredón, Balbín e tantos outros. Em resumo, todos na coluna que não pertencem a um partido são da Nação. E eles encontrarão nessa coluna, também à frente, os socialistas com Alfredo Palacios e Juan B. Justo, os democratas-progressistas com Lisandro de la Torre, os democratas-cristãos com Estrada; e tudo, enfim, marchando com suas bandeiras históricas. Mas eles estão baixando aos poucos [suas bandeiras], porque acima de todos deve haver um lugar para que possa flamejar o mais alto o azul e branco [da bandeira] que nos une”. E, curiosamente, ele omitiu o exemplo de Perón e Evita, que ele mencionou na campanha.

Os cidadãos apoiaram fortemente o governo em sua proposta inovadora. Ele teve sucesso em todas as províncias e territórios do país, embora mais apertado em Mendoza e Tierra del Fogo, atingindo 82,6% do total dos votos, e em 29 de novembro, apenas 4 dias após a consulta, ministro das Relações Exteriores Dante Caputo e seu homônimo chileno, Jaime del Valle, assinaram o Tratado de Amizade Argentina-Chile no Vaticano.

O governo deu um grande passo, mas o principal obstáculo ainda estava faltando, porque, como afirmou o deputado Prone no projeto 1513, as respostas da população a essa consulta não possuirá, em absoluto, do caráter resolutivo e porque não será a cidadania, mas os representantes constitucionais do povo quem, definitivamente, aprovarão ou negarão o tratado argentino-chileno, exercitando eles as irrenunciáveis atribuições que, no que diz respeito à conclusão de tratados, les conferiu expressamente nossa Carta Fundamental”, ou seja, faltava a aprovação no Congresso.

O procedimento na Câmara dos Deputados, onde o Radicalismo tinha uma grande maioria, transcorreu sem problemas, mas a situação no Senado seria diferente, onde o Radicalismo era uma minoria e teve que concordar com o bloqueio delas que impedia a aprovação do acordo, porque até um de seus senadores, Luis León del Chaco, foi contra.

Após um árduo debate que durou um dia de sessão, os senadores votaram pela ratificação do Tratado em março de 1985, por 23 votos a favor, da União Cívica Radical e dos partidos provinciais, contra 22 votos, do justicialismo e Elías Sapag do Movimento Popular Neuquino e a abstenção de Luis León.

Como disse Dante Caputo, arquiteto da negociação internacional: “Embora pareça incrível, com um resultado tão categórico, vencemos por uma votação no Senado. Isso mostra até que ponto o caminho da consulta popular foi apropriado. É um pouco tremendo pensar que metade se opôs à única solução possível. Quando você vota contra algo, está implicitamente fazendo isso em favor de outra opção”.

Esta semana se cumprem os 35 anos da consulta popular e da assinatura do Tratado. Que essas linhas valham como homenagem a esse grande gesto que, encabeçado por Raúl Alfonsín, começou a garantir a paz para sempre em nosso país.

Redação

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