Peça 1 – guerra entre poderes

O quadro atual transcende as análises lógicas, as correlações racionais. O golpe em cima do pilar máximo de uma democracia – o mandato de uma presidente eleita – desestruturou o equilíbrio institucional do país.

Os eventos se sucedem aleatoriamente e criam uma dinâmica própria, sem que surjam forças moderadoras. Procuradores insuflam as ruas, presidente de Supremo se comportam como líder sindical, no Executivo um presidente tatibitate cercado de assessores do pior quilate. E, nessa salada, uma confluências de episódios potencializando a crise.

Na segunda-feira, o Ministro Marco Aurélio de Mello tomou a decisão isolada de acatar a liminar da Rede e afastar o presidente do Senado. Havia antecedentes no próprio caso Eduardo Cunha. Aceita a denúncia contra Cunha, não poderia mais ser titular de um cargo – no caso, Presidência da Câmara – na linha da sucessão presidencial. Sucedeu o mesmo com Renan, com algumas especifidades.

Há procedimentos políticos a serem respeitados. No caso, decisão desse calibre, que envolve um conflito entre poderes, não poderia ser tomado individualmente por nenhum Ministro.

Como resposta, o Senado decidiu não acatar a liminar, afirmando que aguardaria a manifestação do pleno do Supremo.

Nesta quarta-feira, o pleno do Supremo analisará a liminar de Marco Aurélio. Há três possibilidades:

Hipótese 1 – Acatar integralmente o voto de Marco Aurélio de Mello.

Hipótese 2 – Acatar em parte: ele continuaria na presidência do Senado, mas não poderia se habilitar à linha sucessória.

Hipótese 3 – Não endossar a liminar.

A Hipótese 1 é defendida por Marco Aurélio. A linha sucessória tem que ser analisada como um bloco único, no qual não poderia haver autoridades processadas.

A Hipótese 2 é de Celso de Mello: o político processado pode permanecer no cargo até o momento que se configure qualquer forma de sucessão. Só seria afastado nessa hipótese.

Com a decisão do Senado de não acatar a liminar – embora em uma nota ponderada, informando aguardar a decisão do pleno – decide-se a questão: o Supremo endossará integralmente a Hipótese 1.

No final da tarde, os Ministros estavam imersos em dúvidas institucionais: e se o Senado não acatar? O Supremo convocará força policial para cumprir a determinação? O Senado manterá Renan na presidência, mesmo correndo o risco de todas as decisões serem anuladas?

A maior probabilidade é do Senado acatar a decisão final e afastar Renan. Trata-se do mais grave conflito institucional desde a redemocratização e a humilhação imposta ao Senado, com sua autoridade sendo questionada não por Marco Aurélio, mas pelos moleques da Lava Jato, deixará sequelas que perdurarão no tempo.

Peça 2 – a autocontenção e a Presidente sem noção

A Suprema Corte norte-americana adota o sistema da autocontenção. Ou seja, as votações devem observar o momento, as circunstâncias, para não atiçar os ânimos, em tempos de conflagração política ou social.

Aliás, foi a observância desse princípio que levou o Ministro Teori Zavascki a adiar por tanto tempo a decisão sobre Eduardo Cunha, com efeitos deletérios sobre a democracia, saliente-se.

Agora, tem-se na presidência do Supremo uma Ministra, Carmen Lúcia, obcecada por manchetes, sem noção dos impactos de suas palavras e atos sobre o ânimo nacional.

Em meio ao terremoto pós-impeachment, colocou sucessivamente na pauta o julgamento de Renan Calheiros, a ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) sobre a manutenção no cargo de presidente do Senado para alguém processado.

Fez mais, ao contrário do que apregoou em sua posse, não definiu um prazo para os pedidos de vista. Com seu pedido de vista, Dias Toffoli paralisou o julgamento da admissibilidade de abertura de processo contra Renan, provocando a irritação de Marco Aurélio.

Carmen Lúcia só não colocou em votação com a ação de José Eduardo Cardozo questionando o mérito do impeachment, porque ela tem lado.

Assim, cria-se o caos rapidamente:

1.     Renan anuncia a intenção de apurar salários acima do máximo constitucional e a lei contra abuso de autoridade.

2.     Há uma reação de alguns setores do Judiciário e , imediatamente, Carmen Lúcia se apresenta como a frasista sindical, sem a menor noção sobre o peso institucional do cargo, e coloca em pauta o julgamento de uma das ações contra Renan.

3.     Nos momentos seguintes, os procuradores da Lava Jato colocam lenha na fogueira, mirando no presidente do Senado.

4.     A turba assimila o discurso e investe contra Renan.

5.     Marco Aurélio aceita a liminar e ordena o afastamento de Renan.

6.     O Senado reage e não aceita a ordem, aguardando o julgamento do pleno.

7.     Para não criar um grave precedente – uma ordem do Supremo desobedecida –o Supremo deverá engrossar na decisão.

8.     Ao mesmo tempo, o Procurador Geral da República pede o afastamento de Renan e Romero Jucá, as duas âncoras de Temer no Senado.

9.     Gilmar Mendes atropela todos os limites, ataca Marco Aurélio, opina sobre matéria que irá julgar e consolida-se definitivamente como o intocável – para vergonha de um Supremo tíbio, que há tempos deveria ter imposto limites em sua atuação alucinada.

E, nessa balbúrdia inédita, uma presidente de Supremo sem noção que poderá irromper a qualquer momento com uma frase de efeito, açulando ainda mais os ânimos, acrescida de um Ministério Público sem comando.

Peça 3 – os desdobramentos

Como salientado no início, não há mais previsibilidade nos eventos políticos e econômicos.

De mais certo, tem-se o fracasso precoce do governo Temer e do Ministro da Fazenda Henrique Meirelles – uma espécie de Felipão da economia. Temer se tornou disfuncional.

Ao mesmo tempo, há indefinição completa sobre os próximos passos. De um lado, o PSDB ajuda na desmoralização de Temer, mas não ousa pegar para si o cálice da recessão econômica. A imprensa se tornou uma biruta de aeroporto. Não mais conduz: passou a ser conduzida pela irracionalidade das ruas.

Nas ruas, há pólvora no ar, tanto pela ultradireita comandada pela Força Tarefa da Lava Jato, quanto dos funcionários públicos sem salários no Rio de Janeiro e, em breve, por outros estados da federação.

O jogo se encaminha para duas possibilidades:

1.     A localização de um nome capaz de conduzir a transição. Até agora, o mais forte é o de Nelson Jobim.

2.     A possibilidade de eleições diretas, cada vez mais concreta.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Se o Brasil fosse um país

    Se o Brasil fosse um país sério, e não uma republiqueta de bananas, a Presidenta Dilma reassumiria o cargo e completava seu mandato.

      • Tenho certeza de que o pmdb

        Tenho certeza de que o pmdb nesse momento quer a volta de Dilma. Só não o faz porque não tem como enfrentar os que o próprio pmdb ajudou a ir pra rua pedindo impeachment de Dilma. Se houvesse no cenário político atual um ator com o mínimo de carisma e virtú maquiavélica, já teria tomado o poder facilmente, pois nunca vi um país tendo só personagens de terceira categoria em postos-chave do poder. Chega ao ponto de tornar hoje, por comparação, Renan Calheiros um estadista. Estamos fodidos e nem pagos -rs 

        E sobre a reforma da previdência, era menos desumano decretar o fim da previdência pública do que impor 49 anos [e não 50 pro povo não perceber que é meio século de trabalho] de contribuição. Só nisso na parte rural do país volta-se quase à idade média. 

        • Acho que não... se apoiassem

          Acho que não... se apoiassem Dilma, o PSDB e o seu judiciário iam tacar todo mundo na cadeia, e Dilma e seu republicanismo, não iam impedir.

          O PSDB manda em todo mundo na base da chantagem. Quem não entra na linha, vai para a Cadeia. Tucano não só fica solto, como escolhe quem vai preso.

  • Nassif, toda esta merd@ em relação a reforma da Previdência....

    Nassif, toda esta merd@ em relação a reforma da Previdência é um cocozinho.

    O que estão tramando contra o povo brasileiro é o mais TORPE, CRUEL, ASSASSINO e....... (espaço para quelquer palavrão) que se tem notícia na história do Brasil, nunca se propôs tamanha ignomínia.

    49 anos de contribuição para atingir o teto

    65 anos de idade mínima que subirá com o tempo.

    ESTA É A PAUTA.

  • Renan será inabilitado para

    Renan será inabilitado para substituir o Presidente da República. Para isto, não precisará perder o cargo de Presidente do Senado.

    Esta será a decisão do stf.

    Com isto, não desautoriza Marco Aurélio, aplaca a revolta dos senadores, atende o Palácio do Planalto que terá um aliado, na Presidência do Senado, para tocar a pauta do Executivo até o recesso parlamentar, mantém a oposição fora de um cargo estratégico, Carmen Lúcia sai bem na foto como pacificadora e Gilmar Mendes corre o risco de ter um infarto.

    A Lei de Abuso de Autoridade se torna mais necessária do que nunca porque o que Marco Aurélio fez foi usar o cargo e a ocasião para se vingar de seus desafetos no stf e no poder legislativo.. Foi abuso de autoridade na veia contra o Presidente de um outro poder.

    Ainda aposto em eleição indireta e o substituto de Temer será do PMDB. Não será Jobim pois ele é da periferia do partido e Jobim não vai entregar a principal mercadoria dos políticos: "estancar a sangria dessa porra".

  • Meus caros,
    Política também é

    Meus caros,

    Política também é timing, assim como futebol. (Voce se lembra quando estava 3x0 para a Alemanha naquele fatídico 2012? O Meireles, quer dizer, o Filipão, abestalhado no lado do campo, sem nada fazer. Deu no que deu). 

    Ídem PT, CUT, MSs e etc, aderirando ao mantra  "Não vai ter golpe", à espera uma interseção dos santos, um milagre.

    E foi só.

    Acontece que em política como em ciência e arte, milagres não existem. Uma obra se dá com 10% de inspiração e 90% de transpiração. Voces podem meter o  pau da globo, estadào, folha, veja, etc. Mas eles lá, trabalhando todos os dias sem parar repetindo suas pós-verdades à exaustão 247. 

    Então , centrais, pts, movimentos e nós, os "bundões", temos que deixar de lado os teclados, livros, velhos cds e todo o conforto da vida moderna e ir para a rua.     

    Teremos capacidade de reagir?  

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

  • Nassif, por favor, esqueça

    Nassif, por favor, esqueça esta triste figura que adulterou a redação da constituição (já esqueceu?).

    Nelson Jobim é dose! Nos poupe...

  • Eu acho engraçado voce
    Eu acho engraçado voce considerar como grave o ato de desobedecer o supremo quando este supremo é composto por criminosos e incompetentes que DEVEM ser desobedecidos e presos o quanto antes, Nassif.

    • Para aceitar esse

      Para aceitar esse afastamento, é melhor fechar o senado e a câmara, e substitui-los pelo Supremo. No caso, uma PEC passaria a precisar de maioria simples no pleno do supremo. É melhor deixar o poder legislativo na mão do supremo e economizar salários de deputados e senadores.

  • DIRETAS E CONSTITUINTE JÁ !

    Diretas apenas já não basta, diante da loucura geral que acometeu as instituições. Sem reformas política e no judiciário o Brasil continuará uma República de Bananas. 

    Basta colocar uma perguntinha básica para se compreender a situação: vocês acham que essa "turma" de Lava Jato e STF aceitaria LULA na presidência ? Pois é.

  • Caro Nassif,
    Você esqueceu um

    Caro Nassif,

    Você esqueceu um dado importante. Saindo Renan, entra Tião Viana, do PT, que se prevê que suspenderá a votação da PEC-55. O que ocasionaria a possível suspensão das propostas economicas de desmonte da economia brasileira, exigida pelo "mercado".

    Outra possibilidade que li, diz respeito que o PGR pediu suspensão de 4 senadores (do PMDB envolvidos em falcatruas na construção da usina de Belo Monte), mas que também teria um 5º senador, cujo nome só seria apresentado depois (Tião Viana?), para não impedir a suspensão das propostas econômicas do governo Temer, mas que demonstraria o apoio determinado do Judiciário a estas propostas.

    Quanto ao Renan, mesmo que nesta quarta feira consigam adiar sua suspensão para o fim de seu mandato, ainda resta a possibilidade de após aprovada a pec-55 no dia 13, no dia seguinte ele ser suspenso, e ele pode também antes disso aprovar a questão do abuso de autoridade do judiciário e a investigação sobre a transposição do teto salarial nessa categoria.

    E o principal, a inferferência de um terceiro poder (não eleito, mas indicado/aprovado inclusive pelo senado) se sobrepor ao Senado!

    Vivemos dias interessantes. Será curioso como conseguirão contornar essa situação, que novas regras da Constituição serão quebradas?

    E agora com a aprensentação da Reforma da Previdência, em que boa parcela da população trabalhadora é afetada diretamente e não mais conseguirá se aposentar. Qual será o resultado disso?

    Alguns escrevem que o POVO é bobo e pode ser enganado, mas durante quanto tempo? Afinal a classe média também será afetadal.

    A resistência dos trabalhadores tem se evidenciado por todo o mundo, Brexit, eleição de Trump, agora na Itália, na Espanha a situação também é complicada querendo impor mudanças na legislação trabalhista..

    Os ataques aos trabalhadores foram muitos, principalmente baseados em falácias e mentiras com a ajuda da imprensa, que criaram um ambiente fantasioso de culpa das conquistas sociais dos trabalhadores na situação econômica (mais uma vez!!!).. Até quando conseguirão manter essas fantasias?

    Não assisto noticiário da tv, mas acredito que tenha sido bastante caótico eles explicarem tora essa situação. E como disse o POVO não é bobo. Quando mecherem no bolso deles as coisas se tornarão mais claras. As mentiras serão reveladas e as cobranças surgirão.

    • Mas não tem povo para eleger

      Mas não tem povo para eleger um congresso que dê 3/5 a esquerda para revertera PEC. Nem em 2002 a esquerda sequer chegou perto disso.

      A PEC só será derrubada a força.

  • Vejo cada vez mais provável

    Vejo cada vez mais provável uma terceira opção, algum tipo de golpe do Judiciário - com apoio popular e militar, claro - pra restaurar a ordem, passar as reformas draconianas, adiar eleições e, bom, daí pra frente tudo poderia acontecer.

  • Nassif, 
    Acho que você está

    Nassif, 

    Acho que você está superestimando as manifestações recentes de apoio à lava jato (não que devam ser subestimadas). Pelas informações, essas manifestações foram um fiasco e acredito que se deve aos organizadores nebulosos delas. Existem notícias desencontradas que foram combinadas com o palácio do planalto, como forma de blindar (se é possível isso) o temer. 

    Meu maio receio, são aqueles que (ainda) não foram às ruas, que tudo assistem e (ainda) não reagem pela preocupação cotidiana das contas à pagar e manter empregados. Vamos ver como se comportarão, pois são os mais prejudicados pela grave crise economica brasileira.

     

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