‘Fizemos uma grande UPP na UFRJ’, diz reitor

Aloisio Teixeira faz balanço do segundo mandato, que terminará em julho, e aponta os desafios para o sucessor

POR MARIA LUISA BARROS

Rio – Como uma senhora conservadora que se esforça para se modernizar, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) chega aos 90 anos aderindo às cotas e tentando democratizar o acesso aos 166 cursos. Para os cotistas, anuncia bolsa-auxílio e disciplina de reforço. Com orçamento de mais de R$ 300 milhões, a UFRJ virou canteiro de obras.

Em entrevista a O DIA, o reitor Aloisio Teixeira faz balanço do segundo mandato, que terminará em julho, e aponta os desafios para o sucessor. Um deles será o de reunir no Campus da Ilha do Fundão, até 2020, todas as faculdades hoje espalhadas pela Zona Sul e Centro. O futuro reitor terá a missão de reconstruir parte do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, que será implodida em 19 de dezembro.

O DIA: A UFRJ vai adotar pela primeira vez cotas para alunos da rede pública. Os críticos ao sistema alegam que a medida pode piorar a qualidade dos cursos. O que o senhor acha?
Aloisio: O perfil do estudante não interfere no aprendizado. O que garante a verdadeira qualidade do ensino é um corpo docente qualificado em regime de dedicação exclusiva com seleção criteriosa por concurso público e infraestrutura adequada com bibliotecas, laboratórios e avaliação contínua das atividades. O Colégio de Aplicação da UFRJ é um ótimo exemplo. Tem estudantes de todas as classes sociais, raças e regiões do Rio e é muito bom. A qualidade do ensino não caiu. Pelo contrário, é uma das melhores escolas da cidade.

O senhor acredita que os cotistas vão enfrentar resistência na universidade?
Por parte dos alunos, não acredito. Mas alguns setores defendem que a UFRJ continue sendo uma universidade de elite, só para os melhores. Com as cotas, eles vão ter que aprender a conviver com a mudança. Os cursos mais disputados, como Medicina, Direito e Odontologia, vão ter um impacto forte com a presença dos cotistas. Nós somos uma universidade pública. Não temos o direito de escolher os jovens que vão entrar.

Por que a universidade optou pelas cotas sociais em vez da reserva de vagas para estudantes negros?

Não sou favorável às cotas raciais. Primeiro porque o principal problema da universidade brasileira não é esse. É a exclusão de negros, brancos, índios que não têm condição de disputar vaga. Não estou recusando o debate. Existe racismo na sociedade brasileira. Mas acredito ser mais importante a democratização do ponto de vista social do que racial. Estudos mostram que a cota racial não muda o perfil social do aluno. Já as cotas sociais têm impacto também racial, dado o fato sabido que há correlação entre raça e pobreza neste País.

Em universidades que adotaram o sistema de reserva de vagas, os cotistas têm dificuldades para se manter no curso. O que a UFRJ pretende fazer para garantir a permanência?

Eles receberão bolsa-auxílio da universidade, terão transporte gratuito, apoio acadêmico através de disciplinas de reforço e acompanhamento de professores para que não venham a ter problemas no rendimento escolar. Vamos construir novas residências e restaurantes universitários, tornando a universidade mais aberta para famílias pobres.

Por que o senhor costuma dizer que o vestibular é uma seleção perversa?
Porque é uma prova específica que exige um preparo que não é de graça, beneficiando estudantes que podem pagar cursinhos ou boas escolas. Induz a uma seleção social que exclui famílias de baixa renda. Hoje, 80% dos estudantes que se formam no Ensino Médio vieram de escolas públicas. Mas apenas 13% dos que ingressam na UFRJ são de escolas estaduais. Cerca de 70% dos nossos alunos estudaram em colégios particulares.

E o que muda com a adesão ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu) através do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que ficará com 60% das vagas?
Todos os estudantes que farão o Enem passam a ser candidatos em potencial para a UFRJ. Atualmente, jovens da rede pública nem sequer tentam o vestibular. Eles sentem que não têm a menor chance. Na verdade, há uma autoexclusão dos estudantes. Isso está errado. A universidade tem que ser boa para muitos. Nos Estados Unidos, 60% dos jovens entre 18 e 24 anos estão nas universidades. Na América Latina, a média é 32% e no Brasil, 13%. Por isso, a mudança na seleção é um avanço importante.

Quanto a universidade terá de orçamento para 2011?

Sem contar os recursos para pagamento de pessoal, teremos R$ 240 milhões para outras despesas de custeio e mais R$ 90 milhões para investimentos. Pela primeira vez em muitos anos, estamos tendo verba para expansão. Muito diferente de 2003, quando metade do orçamento de R$ 40 milhões era comprometido com pagamento da conta de luz. Hoje essa relação mudou. Ainda não é o ideal perto das universidades federais paulistas.

Pelo Plano Diretor da UFRJ, todas as faculdades deverão migrar para o Fundão até 2020. Como vencer a resistência de quem não quer se mudar, como os cursos da Praia Vermelha?

Não será uma decisão passando por cima das pessoas, mas pelo convencimento. A UFRJ está fragmentada. Cada um voltado para dentro de si mesmo. O conhecimento é interdisciplinar e a proximidade física entre as unidades é importante para o estudante. Quem vier para o Fundão terá condições melhores e infra-estrutura mais moderna. Os prédios da Praia Vermelha e do Instituto de Filosofia no Centro são tombados pelo patrimônio. Para fazer reforma no sistema elétrico levaríamos meses.

Em dezembro, parte do Hospital Universitário será demolida. Será desativado?
A partir deste mês, o hospital vai reduzir o número de internações. Semanas antes da implosão, ele será esvaziado e os pacientes, transferidos para outras unidades.

Qual o seu maior legado?
Muita coisa ficou por fazer. Mas acho que o mais importante foi a democratização do acesso, com a ampliação das vagas — em seis anos, a UFRJ criou 2.600 vagas novas e recebeu 20 mil inscritos a mais. Além disso, conseguimos aprovar o plano de reestruturação, o Plano Diretor. Os estudantes voltaram a ter voz, e a universidade foi pacificada. Fizemos uma grande UPP na UFRJ. E eu volto para a sala de aula.

http://odia.terra.com.br/portal/educacao/html/2010/9/fizemos_uma_grande_upp_na_ufrj_diz_reitor_108115.html

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