MEC: 23% de analfabetismo no campo

De O Globo.com

Campo tem analfabetismo em 23% e mais de 37 mil escolas fechadas

Karine Rodrigues ([email protected])
Letícia Lins ([email protected])

ESCADA (PE) e RIO – “Vai reformar?”; “Quando é que as aulas começam?”; “Vai ter 6 série?”, pergunta, quase sem pausa, Heronildo José de Araújo, 11 anos, confundindo a equipe de reportagem com autoridades da prefeitura de Escada, município a 62 quilômetros da capital pernambucana. Ele vive em uma casa no Engenho Canto Escuro, em frente à Escola Municipal Tiradentes, um dos 37.776 estabelecimentos de ensino rurais do país que fecharam as portas nos últimos dez anos, segundo dados do Censo Escolar do Ministério da Educação (MEC).

– Não gosto de viajar todos os dias para tão longe – reclama o menino, que sente enjoo no sacolejo do ônibus escolar e tem dois irmãos que também estudam muito distante de casa.

O número de escolas fechadas impressiona, mas está longe de ser o único dado que chama atenção na educação do campo, onde existem cerca de 80 mil estabelecimentos de ensino. Entre a população de 15 anos ou mais, a taxa de analfabetismo na zona rural chega a 23,3%, três vezes maior do que em áreas urbanas, e a escolaridade média é de 4,5 anos, contra 7,8 anos, mostra estudo de 2009 da socióloga Mônica Molina e mais dois especialistas para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República.

– A ausência do Estado na garantia do direito à educação se traduz na precariedade da oferta. As alterações ocorridas nos últimos dez anos foram pequenas. Os professores são mal formados, não há infraestrutura e nem material pedagógico – avalia Mônica, professora da Universidade de Brasília (UnB).

 

Segundo ela, o fechamento das escolas, em geral, resulta de expansão do agronegócio e da nucleação – quando escolas de menor porte são extintas e os alunos, transferidos para unidades mais distantes e maiores. Mônica observa ainda que as diretrizes do setor dizem que a nucleação deve ser feita após os cinco anos iniciais do ensino fundamental e, preferencialmente, em escolas situadas também no campo, e não na área urbana.

Na opinião de Mônica, as políticas públicas para o campo precisam não só vincular o desenvolvimento à educação, mas garantir outros direitos:

– Ter acesso à terra é a primeira condição para o cidadão permanecer onde está e levar os filhos para a escola. O que está causando o fechamento das escolas não é só a nucleação. As áreas rurais estão sendo engolidas pela concentração fundiária. E os pais enfrentam de tudo para as crianças estudarem.

Que o diga José dos Santos, que foi morar na periferia de Escada para garantir o estudo dos filhos. Com o fechamento da Tiradentes, este ano, os dois filhos ficaram quatro meses sem aula.

– A escola era pequena, mas servia à comunidade. Tinha 14 alunos. Era pobre, não tinha luxo, mas fechar é muita perda – lamenta a mulher de José, Edna, que, assim como o marido, estudou somente até a 4 série e deseja bem mais para os filhos.

Com pós-doutorado em Educação, Eliane Dayse Furtado, da Universidade Federal do Ceará (UFC), também considera que a nucleação está por trás de boa parte do fechamento das escolas. Foi o que constatou ao percorrer 14 estados das cinco regiões do país em projetos de formação de educadores rurais. Na ocasião, também ouviu reclamações sobre precariedade do transporte escolar.

– Outro dia, em Redenção (CE), as crianças ficaram três semanas sem aula porque o único ônibus quebrou. E, quando chove, ele não passa – conta ela.

Professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Sonia de Jesus observa que, apesar dos problemas que comprometem a qualidade na educação do campo, quem mora na área rural quer frequentar a escola:

– Tem estabelecimentos sem banheiro, com paredes rachadas, sem material pedagógico. Mas, ainda assim, a população quer estudar. E há professores que, apesar dos problemas, fazem de tudo para dar aula.

Ednalva Cavalcanti, que hoje ensina 12 alunos, é assim, mas está desanimada, pois acha que a Escola Santa Rita, em Escada, está marcada para morrer: das três salas, duas estão fechadas.

– É triste ver o pessoal indo embora para dar lugar à cana – diz, informando que, em média, os alunos passam apenas três horas na escola, considerada uma das mais conservadas da área rural do município, pois tem alpendre, luz e água.

Entre 2007 e 2011, seis escolas municipais cerraram as portas em Escada, diz a secretária de Educação do município, Elizabeth Cavalcanti, explicando que a Tiradentes fechou por falta de alunos no Canto Escuro, onde O GLOBO computou, pelo menos, 20 moradias próximas:

– No engenho, só há quase adultos e adolescentes.

As três pesquisadoras ressaltam que a educação no campo é melhor nos assentamentos, por pressão e organização de movimentos sociais, como MST, que, recentemente, lançou a campanha “Fechar escola é crime”.

O MEC informa que municípios, estados e DF recebem apoio técnico e financeiro por meio de várias ações e programas para educação do campo, onde estão quase 50% das escolas da educação básica do país, e diz que está elaborando um programa para implementar a Política de Educação do Campo. Destaca ainda que orienta para que a nucleação ocorra “quando realmente necessária”, e dentro das diretrizes da área.

Luis Nassif

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