O novo governo, a mídia padrão e as fake news da previdência social, por Marcio Pochmann

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Como o caso do Chile, reforma da Previdência será um fracasso, com enorme prejuízo aos trabalhadores (RODRIGO ZAIM)

da Rede Brasil Atual

O novo governo, a mídia padrão e as fake news da previdência social

Se pensar fora da caixinha do neoliberalismo, há alternativas à deforma previdenciária atualmente defendida – e que trará prejuízos para a população

por Marcio Pochmann

Se para Nelson Rodrigues “toda unanimidade é burra”, caberia então questionar o circulo de ferro atualmente armado nos meios de comunicação para reproduzir, insistente e convergentemente, por comentaristas e porta-vozes do dinheiro, que no Brasil a previdência social seria fiscalmente insustentável e promotor da desigualdade social. A começar pelo fato de que o país, desde a Constituição Federal de 1988, implementou outro regime de aposentadoria e pensão que não poderia ser simplificado no conceito de previdência social, como predominou entre os anos de 1923 e 1987.

Naquele período passado, o então modelo de previdência social adotado em solo brasileiro era o bismarckiano, conforme concebido por Otto von Bismarck (1815-1898), responsável pela forma contributiva do Estado, trabalhadores e empresários financiar a inatividade da classe operária alemã, após longo período de trabalho realizado.

Com a Lei Elói Chaves, de 1923, o Brasil passou a consolidar o seu sistema previdenciário a partir da criação da Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAP) para trabalhadores de empresas ferroviárias, cujo benefício era concedido aos 35 anos de trabalho.

Na década de 1930, em substituição às CAPs, foram implementados os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP) por categoria profissional, com financiamento e gestão tripartite (empresários, trabalhadores e Estado). Na década de 1960, por força da ditadura civil- militar (1964-1985), os IAPs foram unificados no Instituto Nacional da Previdência Social (INPS) e que prevaleceu até o final dos anos de 1980, sem mais a gestão tripartite.

Por quase todo esse período, o fundo previdenciário registrou, em suas distintas fases, arrecadação superavitária e que terminou sendo desviada, sem que houvesse o seu retorno, para o financiamento de várias políticas públicas, como habitação e infraestrutura (rodovias, pontes, usina hidrelétrica e outras).

Pela Constituição de 1988, a previdência social tal como existia até então no país foi substituída profundamente pelo novo modelo de Seguridade Social beverigiano, cuja inspiração foi o projeto de William Beveridge (1879 —1963) que incorporou nas funções do Estado britânico, a partir da década de 1940, a proteção e promoção social da população desde o nascimento à morte, por meio de um conjunto articulado de políticas públicas.

Embora a promulgação da seguridade social no Brasil não tenha sido motivada por razões – inexistentes à época –- de insuficiência de financiamento, houve a ampliação de recursos para cobrir compromissos com a saúde, assistência social e aposentadorias e pensões, ainda que não tenha sido regulamentada na forma prevista pela Constituição.

Diante disso, emergiu, pela via liberal-conservadora, a reação encadeada pela perspectiva de retorno ao modelo previdenciário da década de 1980, com base nos argumentos de ser insustentável fiscalmente e promover desigualdade social.

Em termos atuais, trata-se de matéria prima para a difusão de fake news, pois dificilmente pode haver sustentabilidade fiscal quando a economia não cresce, como se verifica nos últimos cinco anos no Brasil. E isso sem destacar o crescente vazamento de recursos previdenciários provenientes da Desvinculação das Receitas da União (DRU) desde 1994, da isenção tributária de lucros e dividendos desde 1995, que retirou recursos previdenciários por conta da substituição de contrato assalariado de médios e altos rendimentos pelo de pessoa jurídica (PJ) e de várias situações de desonerações fiscais.

Em função disso, a arrecadação para a seguridade social foi sendo comprimida, além de ter perdido base de fiscalização e receita por conta da criação da super Receita Federal, em 2005.

Ao se pensar fora da caixinha do neoliberalismo, percebe-se que há alternativas à “deforma” previdenciária atualmente defendida. A começar pelo fato que o país poderia considerar a adoção de uma nova política demográfica, como ocorre em vários países e que permitiria reverter o sentido da taxa de fecundidade, ampliando, no médio e longo prazo, a relação entre inativos e ativos.

Além disso, as bases de tributação estão por ser reavaliadas, caso o país volte a crescer sustentavelmente e reconsidere fontes adicionais de recursos. As perspectivas dos ganhos fiscais com a exploração do petróleo no Brasil parecem ser extremamente positivas, assim como ganhos na transição ecológica, o que poderia contribuir, em muito, para a sustentação fiscal da seguridade social.

Sobre a desigualdade social e sua relação com o modelo de previdência social anterior parece indicar viés ideológico importante. Os estudos especializados a respeito da seguridade social em relação ao modelo de previdência anterior apontam, em geral, a redução drástica da pobreza entre pessoas com mais idade, invertendo a situação vigente até a década de 1980. E, concomitante com a redução da pobreza, a sequência da queda na desigualdade social.

Por uma discussão decente sobre a seguridade social no Brasil, sem o risco de que os ideólogos do neoliberalismo coloquem tudo a perder, conforme realizado em alguns países, como o caso do Chile. Um fracasso, com enorme prejuízo aos trabalhadores.

* Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1. “Por uma discussão decente
    “Por uma discussão decente sobre a seguridade social no Brasil, sem o risco de que os ideólogos do neoliberalismo coloquem tudo a perder, conforme realizado em alguns países, como o caso do Chile. Um fracasso, com enorme prejuízo aos trabalhadores”

    Realmente acreditam que estão lidando com “cavalheiros”….

  2. não existe o “novo governo”…

    … não existe mais democracia, … não existe mais representação popular, ….

    teremos um sucessão de marionetes, trabalhando para o Tio Sam e as corporações.  Eleições serão manipuladas e fraudadas, como aliás foi a de 2018.

     

  3. a política dessa direita

    a política dessa direita famigerada que é contra tudo só pode dar sempre errada,

    pois nada cria a não ser exclusão social….

  4. Pretende ser séria, mas

    Pretende ser séria, mas parece piada, a sugestão de Pochmann:  “…o país poderia considerar a adoção de uma nova política demográfica…”.

    Ainda que fosse adotada essa solução, que considero absurda e desprezada pela maioria absoluta da população, que quer menos filhos, não mais, teríamos que esperar ao menos 30 anos para ver algum resultado. Até lá, Inês seria morta, e a Previdência quebrada.

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