Pré-candidatas indígenas defendem suas causas e mostram força em Brasília

Um grupo de mulheres que pretendem disputar as eleições deste ano participou nesta segunda-feira (11) de uma reunião com o presidente do TSE, Edson Fachin. Na sexta-feira (8), elas falaram sobre as suas lutas em plenária do Acampamento Terra Livre

(Foto: TSE).

do Amazônia Real

Pré-candidatas indígenas defendem suas causas e mostram força em Brasília

Por Cristina Ávila


Brasília-(DF) – Uma comitiva de mulheres indígenas, pré-candidatas às eleições deste ano, acompanhadas pelo coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Eloy Terena, esteve às 18h desta segunda-feira (11) com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, para conversar sobre o pleito. Fachin defende o aumento da participação de grupos minorizados e sub-representados no processo eleitoral, como são as populações pobres, negras e  indígenas. 

A coordenadora geral da Apib, Sonia Guajajara, ressaltou no TSE o movimento “Chamado pela Terra”, para que as candidaturas sejam lançadas de modo articulado. Na sexta-feira (8), no Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, ela e outras sete mulheres indígenas se lançaram como pré-candidatas a deputadas federais e mais 13 como deputadas estaduais. “Queremos participar das decisões deste país. Nunca mais vamos aceitar um Brasil sem nós”, afirmou para a plenária lotada. 

Fachin disse que 2022 será marcado pela defesa da democracia, com respeito ao diálogo e à igualdade. “A sociedade tem um déficit histórico com os indígenas”, afirmou. Ele enfatizou a necessidade da presença de mulheres no processo democrático. “E (a democracia) será ainda mais verdadeira se tiver a face da mulher indígena”, destacou. O presidente do TSE enfatizou a importância da terra como elemento de vida “e, assim como dizem os povos indígenas, devemos ser fiéis a esse chamado”. 

Em fevereiro, como parte desse objetivo, o presidente do TSE nomeou a advogada Samara Pataxó, nascida na aldeia Coroa Vermelha, em Porto Seguro (BA), como assessora do Núcleo de Inclusão e Diversidade da Secretaria Geral da Presidência do TSE. 

Além de Sonia Guajajara e Eloy Terena, estiveram no TSE Val Terena (MS), Célia Xakriabá (MG), Eunice Kerexu (SC), Simone Karipuna (AP), Eliane Bakairi (MT), Juliana Genipapo Kanindé (CE) e Chirley Pankará (SP).

“Nós estamos retomando os espaços, de forma democrática e legítima. Entendemos que os poderes precisam dialogar de modo igualitário entre si, mas que acima de tudo deve haver pontes de diálogo entre os poderes e o povo”, enfatizou Val Terena, logo após a audiência. “Somos o povo tentando alcançar os espaços de poder para representar aqueles que têm sido historicamente silenciados”, completou.

Embora ainda não seja possível saber o  número exato de candidaturas, pois elas não estão consolidadas, estatísticas dos últimos anos indicam para a Apib a possibilidade de crescimento de participação e de indígenas eleitos este ano. Em 2020, o processo eleitoral municipal teve recorde histórico de candidatos indígenas no país. Segundo o TSE, foram 2.111, que representaram 0,39% das candidaturas, o que significou um aumento de 88,51% em relação às eleições de 2016, quando foram registradas 1.175. 

Os indígenas representaram 0,34% dos eleitos em 2020, contra 0,26% em 2016. Entre 236 vencedores, 214 ocupam vagas em Câmaras Municipais, dez em prefeituras e doze como vice-prefeitos e vice-prefeitas. Nas eleições de 2018 foi eleita a primeira deputada federal indígena, Joênia Wapichana (Rede/RR).

Sonia Guajajara, que já concorreu à vice-Presidência da República pelo PSOL, com Guilherme Boulos como candidato a presidente, agora pretende concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados, por São Paulo, o maior colégio eleitoral do Brasil. “Cansamos de ver nossas crianças sugadas por dragas de garimpos e contaminadas por mercúrio, ver o agronegócio adentrar nossos territórios com veneno, crianças serem degoladas no Sul, mulheres e jovens violentadas”, ele disse na plenária feminina vibrante no ATL, na sexta-feira.

As pré-candidatas indígenas durante a plenária no ATL
(Foto: Oliver Kornblihtt/Mídia Ninja/Apib)

As participantes se posicionaram enfileiradas na base do palco da plenária e receberam a bênção de mulheres Guarani, que rezaram e dançaram chacoalhando os seus maracás. “Este ano, o povo indígena vai fazer história, vamos aldear a política”, anunciou Concita Sonpré, da etnia Gavião, do Pará, referindo-se a um dos temas centrais do ATL neste ano. Ela conclamou as participantes a levarem aos estados o recado do acampamento. “Não façam alianças e não votem em quem quer nos matar, façam um compromisso com as candidatas de seus territórios e façam o papel de formiguinha para ajudar a eleger estas mulheres”, ressaltou.

O protagonismo feminino foi a marca forte na sexta-feira no ATL, que tem 7 mil participantes de 200 povos tradicionais, em Brasília. No dia de plenária exclusiva de mulheres, elas debateram assuntos como machismo, feminicídio, violência e eleições. 

O processo eleitoral é um dos temas no Acampamento em 2022, principalmente porque as organizações indígenas sentem cada vez mais a necessidade de ter representantes no Congresso Nacional, uma das piores instâncias para os povos tradicionais, ameaçados constantemente por propostas da bancada ruralistas, como é o caso do Projeto de Lei 191, mote dos protestos de uma marcha indígena realizada nesta segunda, O projeto propõe a abertura dos territórios à mineração e a grandes empreendimentos econômicos.

Entre as pré-candidatas está Vanda Ortega, do povo Witoto (AM), técnica de enfermagem que se tornou símbolo da luta contra a Covid-19 e que sofreu ataques misóginos em redes sociais depois de aparecer sendo vacinada em trajes tradicionais. Na plenária do ATL, ela enfatizou a necessidade de representatividade de indígenas no Congresso, especialmente por conta dos recursos naturais amazônicos estarem na mira do governo Bolsonaro e do Congresso Nacional. 

“Os Mura estão sendo expulsos porque querem explorar potássio em suas terras. O Alto Solimões tem altos índices de mortes infantis por diarréia por causa das águas contaminadas que bebem”, afirmou. Ela disse que as mulheres indígenas não podem servir apenas para cumprimento de cotas de candidaturas, mas precisam lutar com recursos para eleições reais.

A jovem mineira Célia Xakriabá, da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), doutoranda em antropologia, já conhecida internacionalmente por seu ativismo indígena, disse que foi “preparada no chão da aldeia” para ocupar a Câmara dos Deputados. Ela leu uma poesia em que uma das frases se destaca: “Antes do Brasil da coroa, existe o Brasil do cocar”. Ela enfatizou que a primeira agressão feita pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) foi à uma mulher, a mãe Terra. “E quando alguém ataca a Terra, nos levantamos com muita força. Queremos fazer história na política, depois de 522 anos anos de resistência e de massacres”.

Não menos impactantes do que as pré-candidatas – enfeitadas com cocares, acessórios e pinturas tradicionais – todas as mulheres participantes da plenária feminina que se estendeu pelo dia todo tiveram força nas palavras.

Uma delas foi Gessira Krahô, conselheira das bases da Apib, de Tocantins. “Não sei escrever, mas sabemos o que queremos, somos donas das panelas, dos maridos, das roças, dos netos e por isso conhecemos nosso território. Os brancos pensam que somos cegas e surdas, mas eu tenho o sonho de que essa mulherada vai tomar conta do Brasil. Tenho certeza que vamos mandar embora esta gente que envenena as nossas terras. Quero meus netos se banhando em água limpa, comendo caça limpa e não esta carne de boi que eles dão injeção pra crescer rápido. Não sei nada de caneta mas, se uma destas quiser, o meu voto será dela. E os homens precisam de nós do jeito que precisamos deles. Eles são os pais de nossos filhos, mas somos nós que carregamos crianças na barriga e na tipoia. Não vejo eles carregando aqui nenhuma criança no braço. Eu não vou voltar pra traz, quero dar meus passos para frente junto com a parentada”.

Uma parenta dela, Raquel Krahô, também prendeu a atenção de todas as mulheres, com um discurso claro e convincente. “Estamos estudando, aprendendo, para plantar nossa semente. E é por isso que precisamos votar em vereador, deputado, senador. Cansei de votar em brancos, vamos colocar nesses espaços nós mesmas, que sabemos o que queremos para nosso futuro. Eu sou liderança e quero dormir bem, viver bem na nossa terra. Na minha aldeia ando pelada e não tenho vergonha, danço e canto e quero votar pra ajudar a tirar desse Congresso aqueles que estão jogando veneno em nossa terra”.

A comunicadora Vanessa Kaingang, influencer e professora do Colégio Estadual Indígena Kokoj Ty Han Já, na Terra Indígena Mangueirinha (PR), lembrou dos feminicídios e das perseguições contra mulheres. “Daiane Kaingang, de 14 anos, foi estuprada e morta no ano passado, em Redentora, noroeste do Rio Grande do Sul”, ressaltou na plenária. A região gaúcha sofre frequentes ataques a indígenas por aliados do agronegócio. Ela também acentuou que na mesma região, na Reserva Indígena Serrinha, da mesma etnia, cinco mulheres foram obrigadas a abandonar suas casas por perseguição por denunciarem arrendamento de terra. “Vivem exiladas”, denunciou.

Sônia Guajajara na plenária das mulheres
(Foto: Alass Derivas/Apib)

Cristina Ávila fez comunicação na PUCRS e iniciou o jornalismo em pequenos diários de Porto Velho, em Rondônia, onde foi atraída por coberturas sobre meio ambiente, questões indígenas e movimentos sociais. Por mais de duas décadas trabalhou em redações de jornais, especialmente no Correio Braziliense. Em Brasília, entre 2009 e 2015 trabalhou no Ministério do Meio Ambiente, responsável por assuntos como mudanças climáticas e políticas públicas relacionadas a desmatamento. Nesse período teve oportunidade de prestar algumas consultorias ao PNUD. Atualmente atua na imprensa alternativa.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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Redação

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