Médico cubano volta e trabalha com apoio da comunidade após polêmica de dosagem

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

da BBC Brasil

Médico cubano supera desconfiança no interior da Bahia

Júlia Dias Carneiro

Enviada especial da BBC Brasil a Feira de Santana (BA)

No fim de agosto do ano passado, 400 médicos cubanos desembarcaram no Brasil, dando início ao principal programa do governo na área de saúde – desencadeando fortes críticas e gerando um amplo debate nacional.

O Mais Médicos encerrou 2013 com 6.658 profissionais atuando em mais de 2 mil municípios Brasil afora, dos quais cerca de 5,4 mil são cubanos.

As reações acirradas no momento inicial – quando profissionais cubanos foram vaiados e chamados de “escravos” por jovens médicos aeroporto de Fortaleza – parecem ter sido contrabalanceadas, de outro lado, pela chegada desses profissionais a cidades que careciam de assistência médica, conquistando os que sentem na pele os benefícios do programa.

 

É o caso da comunidade de Viveiros, na periferia de Feira de Santana, na Bahia, onde a BBC Brasil acompanhou a chegada do médico cubano Isoel Gomez Molina em novembro.

Dose

Isoel convocou uma reunião na igreja da comunidade para se apresentar aos moradores e teve uma recepção calorosa.

Mas, no dia seguinte, ele se tornou um dos casos mais emblemáticos da resistência que o programa ainda desperta.

O médico foi denunciado por uma receita prescrevendo 40 gotas de dipirona (o princípio ativo da Novalgina) a um menino de um ano, uma quantidade excessiva para uma dose única.

A receita caiu nas mãos de uma médica que a postou com críticas nas redes sociais e dentro de 24 horas a notícia estava em todos os portais – médico cubano é suspenso por suspeita de superdosagem.

Integrantes do Mais Médicos em Feira de Santana

Divergência por dose receita marcou início do trabalho de Isoel (à dir)

“Eu fiquei muito chateado. Nunca tinha imaginado algo assim. Senti muita impotência, mas não podia fazer nada”, lembra.

Foram longos dias fechado no hotel em Feira de Santana esperando profissionais do Ministério da Saúde investigarem a situação e esclarecerem o caso.

A conclusão foi de que não houvera erro médico. Ele adotara o padrão comum em seu país de receitar a dose completa do dia, mas explicara oralmente à mãe da criança a dosagem correta por vez – 10 gotas de quatro em quatro horas.

Ela própria intercedeu a seu favor, e sua suspensão gerou um abaixo-assinado em Viveiros pela volta do Dr. Isoel, que foi recebido com festa.

“Foi muito difícil, mas acho que eu saí mais forte e o programa também. Eu não estava preocupado com o meu nome, e sim com a repercussão que isso teria para o programa”, diz.

“Sabia que muitas pessoas iam aproveitar isso para dizer que os médicos do programa não tinham competência para trabalhar. Modéstia à parte, eu me sinto plenamente competente para atuar na atenção básica, pois é venho fazendo em 16 anos de carreira.”

Resistências e capacitação

O Ministro da Saúde Alexandre Padilha acompanhou o caso de perto e diz que ficou claro que a mãe estava bem orientada e que não houvera problema.

Ele diz que o caso reflete um sentimento de xenofobia e de arrogância de profissionais que “não querem tolerar a vinda de profissionais estrangeiros para atender a nossa população”.

“Nós sabemos que vamos enfrentar resistências, mas vamos até o fim”, diz Padilha. “A nossa maior motivação é conhecer a realidade das populações que não têm médicos.”

Mas críticos do programa dizem não ter nada contra a vinda de médicos estrangeiros, e sim condenam o que consideram uma regra de exceção para que o Mais Médicos funcione, dispensando-os da revalidação dos diplomas obtidos em instituições internacionais.

“O principal risco é que nós não sabemos se esses médicos estão capacitados ou não, se seus diploma são verdadeiros ou não e não podemos fiscalizar o seu trabalho adequadamente”, diz Sidnei Ferreira, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj).

Ele diz que o Brasil não tem carência de médicos mas sim de uma estrutura básica necessária e de condições de trabalho atraentes.

“Por que há menos médicos em determinadas regiões? Porque não há concurso público, não há salario compatível com a responsabilidade do médico nem um plano de carreira necessário para a sua manutenção”, critica.

Assim como outros conselhos regionais, o Cremerj apoia a ação que questiona a constitucionalidade do Mais Médicos no Supremo Tribunal Federal, ajuizada pela Associação Médica Brasileira e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Universitários Regulamentados.

Mas Padilha afirma ter “plena segurança jurídica” em relação ao programa e reafirma a meta de ter 13 mil profissionais espalhados pelo até março deste ano. Os próximos grupos de estrangeiros desembarcam ainda neste mês.

Aliviar sofrimento

“Nada justifica não se esforçar para levar um médico para uma comunidade. Em qualquer situação, ele faz a diferença. Ele alivia o sofrimento, ele cuida das pessoas, e sua presença ajuda a organizar o sistema de saúde no local e a atrair mais recursos”, diz.

A crise ficou para trás e Dr. Isoel já está imerso na nova rotina em Viveiros. Ele conta ter ouvido de um amigo que, depois de tudo que aconteceu, seria melhor ele mudar de posto.

“Nem pensar. Agora me sinto ainda mais comprometido com essa comunidade”, diz, contando ter se emocionado com a recepção festiva que teve ao voltar para a unidade de saúde.

Ele pondera que sempre haverá pessoas falando mal das coisas e outras que enxerguem seus benefícios.

“Eu, da minha parte, me sinto muito útil no que estou fazendo, ajudando essas pessoas que estão precisando da minha atenção e dando o melhor de mim”, diz.

 

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

16 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Não presisa ir muito

    Não presisa ir muito longe.

    ” “classe trabalhadora precarizada, super explorada e, em grande parte, informal. É aquela que trabalha muito e ganha pouco”.”

    1. Aliança Liberal preocupado

      Aliança Liberal preocupado com a “precarização das relações trabalhistas”??????????? Só pode ser piada. KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK!!!!!!

  2. O título da bbc é ridículo.
    A

    O título da bbc é ridículo.

    A comunidade sempre apoiou o médico e a mãe da criança afirmou que ele tinha no atendimento indicado 20 gotas.

    Assistam ao vídeo a afirmação da mãe e a defesa da população ao médico; é imperdível. Vejam o que realmente aconteceu e o que o povo pensa:

    http://noticias.band.uol.com.br/cidades/noticia/100000646221/cubano-e-afastado-apos-erro-em-receita-medica-na-ba.html

     

  3. Qual é o ponto, afinal? Óbvio

    Qual é o ponto, afinal? Óbvio que do ponto de vista de uma comunidade carente e desassistida pelo poder público ter um médigo cubano subempregado é melhor do que ter médico nenhum. Isso muda o status de trabalho precarizado desse profissional? E cadê a oposicinha? Não vai questionar com contundência a imoralidadede um governo do partido dito dos trabalhadores que dá um drible da vaca nas leis trabalhistas do país? Já que a legalidade o governo vai dar um jeito de encontrar lá no STF ou onde a questão chegar, se chegar a algum lugar; juridiquês, bem sabemos, só parece português.

  4. > “Por que há menos médicos

    > “Por que há menos médicos em determinadas regiões? Porque não há concurso público, não há salario compatível com a responsabilidade do médico nem um plano de carreira necessário para a sua manutenção”, critica.

    Algo que, pelo visto, não vai ser mudado tão cedo. Sempre será mais barato importar cubanos e pagar bolsa-formação.

    1. Coxinhas, tremei-vos!!!

      Sou de classe média alta e prefiro mil vezes ser atendido pela maioria dos médicos cubanos do que pela maioria dos médicos brasileiros, que só pensa no dindim…

  5. médicos
    Os médicos brasileiros sempre dizendo que a razão de não irem trabalhar nas periferias é a falta de condições ….pois eu acho que é porquê eles não tem onde gastar o dinheiro que ganham….com raríssimas exceções a maioria só pensa no dimdim…..esqueceram o código de ética ….

  6. Comentário.

    É, o médico cubano não presta. Bom mesmo é o Abdelmassih. O luxo de seu consultório não deixa dúvidas a ninguém, não é mesmo? Confessem!

    1. Bingo

      rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs.

      São os mesmos que aplaudem o STF e o habeas corpus dado à Abdelmassih para que ele fugisse do país com a grana e outras coisas das suas esposas.

  7. Nunca ninguém de nós da

    Nunca ninguém de nós da direita contestamos os médicos cubanos, nem na sua ciência, o que constestamos é a forma do programa, a forma explícita de mandar recursos para o Ilha Prisão para manter a ditadura castrista. Não a toa mais de 8 mil médicos cubanos, nesse processo, já fugiram para o EUA…

     

  8. sou exemplo..

    semana passada fui levar minha irmã ao Pneumologista em Vitória, 200 kms daqui, para mostrar os exames que ele tinha solicitado uma semana antes, para nossa supresa simplesmente o “dotô” não apareceu e nem  avisou as atendentes jogaram a culpa no Call Center da UNIMED..aqui onde moro o Prefeito pediu 12 médicos cubanos e a população aguarda ansiosamente…

    Que venham os cubanos!!

    1. poderia haver 120 médicos

      poderia haver 120 médicos cubanos onde sua pessoa resida que nao iria mudar nada, eles nao estao aptos a clinicar em especialidades como a da pneumatologia colega

      foi feito normativas sob encomenda para permitir aos mesmos serem medicos com atuaçao bastante especifica e generica …

      1. Sr. Leônidas…

        Sr. Leônidas…

        De onde tira a verdade para a sua tácita afirmação, de que os médicos cubanos são inaptos quanto a especialidade de pneumologia?

        Pois, considerando as informações sobre a saúde presente na população da ilha de Cuba, fornecidos pela OMS, não vejo como um cidadão brasileiro possa se contrapor.

        Se queres ficar a berrar contra o regime político do qual tenhas aversão, então procure o momento apropriado, que tenha o foco concernente, em uma notícia que versa sobre isso. Vaticinar sem fundamento algum sobre a profissão de uma pessoa, e detratá-la por preconceito de origem, devo dizer, é algo que pouco contribui, para dizer pouco…

  9. Materia ao estilo PIG

    Materia ao estilo PIG né?

    Pega-se um ato e usa o mesmo para tentar desinformar o povo e quem lê

    Ou seja a resistencia ao + médicos é pelo financiamento de uma ditadura a pretexto de pagar salario para médicos

    e a ausencia de revalida

    Erros todos cometemos , agora o fato de um médico com revalida errar nao serve para tornar normal ou aceitavel um profissional clinicar sem ter sido submetido ao exame em questao.

    mas como a esquerda adora fazer uso das coisas que gosta de condenar no quintal alheio , ta todo mundo batento na tecla da contrainformaçao…rs

  10. Mais Médicos = Manifestações de Junho

    Se não fossem as Manifestações de Junho o Mais Médicos não sairia do papel.

    Apesar das notícias desencontradas que ora afirmam que o MM foi feito às pressas e ora diz o contrário, que desde há muitos tempo os dois governos trocavam conversas e até treinavam profissionais brasileiros e cubanos lé naquele país, o fato é que o desejo de romper com o CFM e mudar a lógica das polítcas publicas em saúde já vinham desde antes de Padilha virar ministro.

    Mas em qual conjuntura o Governo Federal anunciaria a contratação de médicos de Cuba, seguindo a tendência de dezenas de outros países, inclusive a Venezuela?

    E mais do que isso, em que contexto o Ministério da Saúde iria quebrar a convivência pacífica de décadas com o Conselho Federal de Medicina e as lideranças médicas, assumindo assim que as políticas para saúde construídas até agora por essa parceria chegaram ao limite há muito tempo?

    Era uma jogada muito arriscada que poderia ser bloqueada juridicamente de forma até mais rápida que o IPTU Progressivo de Haddad. Sem contar a oposição da imprensa, pautando os partidos não-alinhados e até a base do governo. Fantasioso tanto quanto é contraditório, o discurso anti-Cuba é conhecido de cor por qualquer colunista de jornal.

    De qualquer ângulo que se olhe a oposição se o MM fosse lançado antes de junho seria exatamente do jeito que foi, com a diferença que teria enorme probabilidade de sair vitoriosa antes que o primeiro cubano pisasse no Brasil.

    Mas aí vieram as Manifesta de Junho.

    Encurralado pela pauta difusa dos manifestantes, o Governo Federal arriscou e apostou num projeto que beneficia ainda mais a periferia do páis, apesar dos protestos terem ocorrido nos locais mais urbanizdos e concentrado classe média e jovens. Um perfil bem diferente do foco do MM.

    (Parece contraditório, mas isso reforçou a “assinatura social” do governo e mostrou à população que não haveria mudança de rumo nos maiores projetos para parecer atender mais a classe média. Como a aprovação de Dilma subiu nos meses seguintes, conclui-se que a avaliação do governo foi correta. Basta ver que aqueles governantes que só cortaram a tarifa de ônibus e abraçaram a classe média nos seus discursos não aumentaram a popularidade. Acho essa “queda de braço” entre sociedade e políticos muito interessante para se analisar mais pofundamente.)

    Modificado para incluir médicos brasileiros (que já eram os únicos beneficiados em programas de incentivo à interiorização de igual organização) e outros médicos estrangeiros, o Mais Médicos adaptou-se também juridicamente o melhor que pôde (a legislação nunca deu exclusividade ao Revalidade mas, sim, autonomia às universidades com curso de medicina para revalidação de profissionais estrangeiros).

    A oposição feroz, movida por motivos políticos, corporativos, preconceituosos e até anti-comunista cometeu todos os piores erros juntos, fazendo o governo parecer ser o único com boa vontade para resolver parte dos problemas de saúde do país, inclusive na hora de propor melhorias na Medida Provisória que criava o Mais Médicos.

    Num golpe de sorte e com imensa habilidade para se adaptar, Dilma e Padilha lideraram o Mais Médicos para um contexto de unanimidade popular impensável. Fizeram o que queriam desde o começo e que a Oposição Midiática sempre denunciou como sendo o “inferno na Terra”: trazer mais de 10 mil médicos cubanos para o Brasil. 

    E promovem essa “invasão” com apoio de mais de 80% da população; avaliação extremamente positiva do atendimento prestado pelos 4 mil profissionais estrangeiros que já atuam no país; e divulgando a medicina de Cuba e sua sociedade como nunca antes se fez, rompendo paradigmas antigos.

    PS: Foquei nos médicos cubanos porque apesar do Mais Médicos aceitar brasileiros e estrangeiros de qualquer país é notório que o projeto desde sempre foi pensado para aproveitar o modelo de atendimento básico que Cuba “exporta”  por meio dos programas de intercâmbio com outros países.

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador