Beltrame diz que guerra contras as drogas está perdida

Jornal GGN –  Para o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mario Beltrame, a guerra contra as drogas “é perdida, irracional” e as drogas são problema de saúde, e não de polícia. Em entrevista para a revista Época durante viagem para a Europa, Beltrame se mostrou “encantando” com a programa de descriminalização das drogas em Portugal. ” São 90 clínicas completas com toda a assistência, voluntários e visitas. Todos se juntaram para combater essa doença, porque o vício é uma enfermidade, e não um crime.” Para ele, a descriminalização do uso traria efeitos positivos para a polícia e o Judiciário. 

Na entrevista, ele ainda se diz a favor do desarmamento e reclamou do governo federal, que estaria fazendo um plano de redução de homícidios sem consultar as secretarias estaduais.

Enviado por Leo V

Da Época

José Mariano Beltrame: “A guerra às drogas é perdida, irracional”
 
O secretário de Segurança do Rio diz que droga é problema de saúde, não de polícia – e que a descriminalização do uso não pode passar deste governo
 
RUTH DE AQUINO| DE PARIS
 
José Mariano Beltrame, homem forte da segurança do Estado do Rio de Janeiro há mais de oito anos, nem na Europa consegue passear. Está a trabalho, em Portugal e na França. Num momento em que a descriminalização do uso de drogas é debatida no Brasil, noSupremo Tribunal Federal (STF), ele admira a estratégia do governo português para lidar com o problema. Tossindo forte, “com uma farmácia na bagagem”, Beltrame aproveita a viagem de uma semana para ler O homem que amava os cachorros, livro do cubano Leonardo Padura sobre o assassinato do revolucionário Leon Trótski, em 1940, a mando do líder da União Soviética, Josef Stálin. Está em um hotel sem luxo, ao lado da Sorbonne, em Paris. Na pasta preta, o documento de cima o amolece. É um desenho feito pelo garoto Francisco, de 5 anos, filho de Beltrame. Mostra pai e filho de mãos dadas. “O Francisco fez para eu me lembrar dele na viagem.” Horas antes de pegar o trem para ir a Nice abrir um seminário sobre Cidades inovadoras, Beltrame falou a ÉPOCA sobre bandidos, policiais, cidadãos e drogas.
 
ÉPOCA – O que o senhor aprendeu nesta viagem?
​José Mariano Beltrame – Fiquei encantado com a descriminalização das drogas em Portugal. De todas as drogas, inclusive heroína, cocaína. O programa começou em 2000. No Brasil, não pode passar deste governo a descriminalização do uso. A guerra à droga é perdida, irracional. Podemos começar pela maconha. Convidei os portugueses para ir ao Brasil na Semana do Policial, em novembro, e contar a experiência de seu país. Em Portugal, o assunto “drogas” não está inserido na polícia, mas no Ministério da Saúde. Com a ajuda de juízes, procuradores, psicólogos, médicos, e integrantes da sociedade civil. A polícia pega o usuário e ele é convidado a participar de encontros. São 90 clínicas em Portugal, completas com toda a assistência, voluntários e visitas. E uma comissão fiscaliza isso. Todos se juntaram para combater essa doença, porque o vício é uma enfermidade, e não um crime. Sem vaidade, sem luta de poder.
 
ÉPOCA – No Brasil, estamos longe desse consenso…
Beltrame – No Rio, as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) são uma forma de reconhecer o problema da droga, mas não abordar de uma forma belicista. Nunca foi nosso objetivo acabar com as drogas. É impossível. Parece que os brasileiros não acordam para o desperdício dessa guerra. Não existem vitoriosos. Descriminalizando o uso, um dos efeitos é o alívio na polícia e no Poder Judiciário, que podem se dedicar aos homicídios, aos crimes verdadeiros. Mas, olhe só: o governo federal está preparando um plano nacional de redução de homicídios sem consultar os Estados. Eu não fui consultado. Como não ouvir as secretarias estaduais para aprender com acertos e erros? Espero que o plano não envolva só questões policiais. Que venha com o foco de recuperar mecanismos sociais para prevenir a violência. A polícia nada mais é que a seta da ponta da flecha.
 
ÉPOCA – O senhor é a favor do desarmamento. Como vê as pesquisas, no Brasil, que vão em sentido contrário?
Beltrame – Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama vai à televisão se colocar pessoalmente contra a venda indiscriminada de armas, que certamente contribuiu para o massacre de negros por um jovem branco (na cidade de Charleston, em 17 de junho). Não importa se é no Alabama ou em Louisiana, o presidente não foge de tomar uma posição, e diz: “Se não foi possível regular as armas, temos como nação a obrigação de resolver o problema”. No Brasil, estamos em retrocesso. Eu tiro fuzil de policiais, levo uma surra quando tento tirar armas de bombeiros e uma grande parte da população continua querendo se armar.

 

Redação

17 Comentários

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  1. Perdida pra quem, cara-pálida?

    Pra quem vende armas pros Voulás e pros Vaitimboras (Menino do Dedo Verde, pessoal, ótima sugestão pra gurizada!) AO MESMO TEMPO, a “guerra às drogas” ESTÁ MAIS DO QUE GANHA!

  2. O julgamento no STF é importante, mas não resolve

    Se não houver uma definição clara, matemática, do que é consumo e do que é tráfico (como foi feito em Portugal) vai continuar tudo como está. o G1 mostrou casos em que a posse de 1,5 grama de maconha e a,4 grama de crack foram enquadrados como tráfico pela autoridade policial (http://glo.bo/1IycBO0), e assim foram condenado pelo Judiciário.

    O problema é muito de polícia (em 74% dos flagrantes envolvendo drogas a única testemunha é o policial, e 100% dos casos são enquadrados como tráfico), mas não é só de polícia, passa também pelo Ministério Público, pelo Judiciário, pelo nosso eternamento omisso Parlamento. Estão todos, junto conosco, perdendo essa guerra e lotando prisões. 1/4 dos presos se encontram na cadeia por alegado tráfico de drogas. 

  3. Ó! Demorou!!!

    Pra sempre esteve perdida, a demanda é maior que a oferta, como se acaba com isto???

    O único jeito é descriminalizar e depois rezar bastante, mas bastante… para que nenhum drogado cruze sua vida.

    1. Difícil…

      Tendo em vista o número de autuações por dirigir embriagado no maio amarelo, é difícil evitar que um drogado cruze nosso caminho.

  4. As drogas são uma indústria rentabilíssima

    Enquando as drogas forem criminalizadas o lucro direto e indireto serão sempre altíssimos.

    Ontém na Record no PHA mostrou uma reportagem dos traficantes de Sinop MT. Para o produtor colombiano o custo da cocaína é US$ 2000/kg e o preço de venda nas ruas dos EUA, US$ 50000/kg.

    No Brasil, não tenho idéia do orçamento das Polícias e Forças Armadas para manter o combate as drogas, mas deve ser muito alto, e mais alto até que a receita bruta da venda de drogas ( creio eu ).

    Do ponto de vista da Justiça, 50% do movimento é ligado a crimes, e destes a grande maioria de pobres coitados são envolvidos com Drogas, e estes, na sua grande maioria dependem da  Justiça Gratuita.

    Depois de condenados, os drogados e avioezinhos, farão parte da população carcerária que cresce a cada dia custando quase 4 salários mínimos/detento. Vai aumentar ainda mais com a redução da Maioridade.

    Como a droga ilegal gera muito dinheiro, então dá e sobra para propinar funcionários públicos e políticos de todos os níveis, assim como financiar a indústria aeronáutica e aeroportuária ( clandestina ou semi ).

    Bom, se descriminalizarem as drogas no Brasil, a indústria aeronáutica vai entrar em crise, a indústria dos presídios vai entrar em crise, mas principalmente, as polícias, as forças armadas e a justiça terão tempo para realizar suas atividades fim, que é proteger e prestar serviço aos pagantes que é o Povo Brasileiro.

    Sim, claro, os funcionários públicos corruptos e os políticos corruptos não terão mais a “boca” lucrativa.

    Então, se político e funcionário corrupto não tem onde morder, então, ” Mantenha-se a Droga Criminalizada “

  5. DESCRIMINALIZAÇÃO

    Muito bom. Se um secretario da segurança passou a encarar o problema das drogas desta maneira, nem tudo esta perdido. O Brasil avançou muito em varios assuntos sociais, e ainda tem tempo de barrar o avanço do atraso e do fundamentalismo.

    Como é o perfil daqueles que defendem a GUERRA CONTRA AS DROGAS?

    Preconceito.

    Discriminação.

    Oportunismo.

    Corrupção.

    Ignorância.

    Irresponsabilidade.

    Descaso.

    Estas características são encontradas naqueles que defendem esta situação, separadamente, num grupo ou no conjunto todo das características. No fundo é uma postura que desconsidera encarar o problema de forma a equacionar definitivamente com o problema. É a velha displicência de jogar a sujeira para debaixo do tapete. Dá menos trabalho. E o Brasil é campeão, qdo se trata de agir diante dos problemas sociais, desta maneira.

    Se fosse para se discutir seriamente a questão uma pergunta se impõem preliminarmente de forma basilar.

    Desde que se adotou que o problema com drogas deveria ser tratado como GUERRA, o resultado foi satisfatório? Qual o resultado estatístico desta GUERRA?

    A maior irresponsabilidade de quem trata com a coisa a publica é não ser obrigado a apresentar qualquer resultado de suas ações. O legado da copa esta ai pra sustentar esta alegação.

    A GUERRA  contra as drogas pode gerar tudo, desde crimes patrocinados pelo estado, como corrupção, chantagem, lavagem de dinheiro, morte, menos a solução adequada que se espera.

    A ignoracia, o preconceito a discriminação é pano de fundo para se manter a situação como esta, protelando a solução do problema indefinidamente.

    Para a solução de qualquer problema é necessário antes de tudo considerar as premissas daquilo que se procura equacionar. O problema com as drogas urge ser retirado da esfera da criminalidade e colocado adequadamente sob a responsabilidade da medicina.

    Com a descriminalização, as mortes geradas por esta guerra irresponsável, deixariam de existir de imediato, junto com ela toda corrupção, lavagem de dinheiro, na esfera do poder publico.

    O judiciário de certa forma já descriminaliza.

  6. E o brasileiro gosta de

    E o brasileiro gosta de contar piadas chamando o português de burro.

    Aqui está lotado de burros e de alguns espertalhões montados neles, ganhando rios de dinheiro.

  7. Descriminalizacao eh pouco

    Algumas drogas – princialmente a maconha – precisam ser LEGALIZADAS, com um comercio regulamnentado, recolhendo impostos. Nao adianta nada descriminalizar se o traficante continua ganhando diinheiro com o comercio.

  8. O que leva uma pessoa a usar droga?

    Acredito que deva ser combatida a situação que gera desejo ou hábito de consumo.

     

    Apenas uns exemplos:

    JOVENS: Rebeldia? Contra que? Falta de emoção na vida real? Ostentação entre coleguinhas? Falta de estrutura familiar? Falta de fé no seu futuro e da sua nação?

    JOVENS POBRES: Falta de educação ou escolaridade? Fuga mental de uma condição ruim de vida?

    RICOS: Moda? Ostentação? Status (cheiro porque posso)? O tédio? Indiferença com o destino moral do seu país? Técnica predatória (para pegar mulher)?

     

    Tudo acima é parte de uma doença social, gerada pelo extremo consumismo, onde o “ter” é mais importante do que “ser”, onde os pais se dividem para trabalhar e aumentar os bens materiais demandados pelo consumo, e que torna mais infelizes às pessoas, ao ficar cada vez mais distantes desses padrões de consumo, em geral. Desestruturação das famílias, e outras causas.

    Ao alguém declarar que perdeu essa guerra está apenas reconhecendo que é a repressão policial a que perde, ao tentar obrigatoriamente que o cidadão adquira os bons hábitos cívicos acima levantados. Brasil não precisa então de um choque policial para combater as drogas, mas sim de um choque de educação cívica e de políticas sociais dirigidas a criar uma sociedade mais justa.

    Uma sociedade mais justa, com desafios nacionais que despertem o interesse da juventude, com sentimento cívico, com solidariedade social, gera um ambiente onde desaparecem ou são minimizadas as razões anteriores, como acontece em Cuba, por exemplo.

    Já os drogados mais ricos (cheiro porque posso), podem mesmo ir a Miami a vivenciar a sua vida fútil, carente de responsabilidade social e cívica.

  9. É ……………..

    Finalmente um representante do governo vem a publico para verbalizar uma verdade que há muito é conhecida do plublico! Discriminalizar; legalizar; criar points de vendas; torná-la recreativa e medicinal, enfim tocar o samba do criolo doido!!!

    Na verdade, ele não disse nenhuma asneira, pois a venda das drogas é mecanismo de sustentaçmão de vários niveis de governos, sejam eles nacional ou internacional. Vários paises têm seu sustento no comercio das drogas, e seus PIBs sequer chegam perto dos montantes movimentados por este segmento.

    Isto sem falar que no país, maior consumidor, cujas levas de viciados demandam quantidades enormes destas substancias, sempre se dá um jeitinho de permitir a entrada, pois não são fabricantes.

    Assim é que vemos, na movimentação financeira deste enorme segmento, vários setores que só se sustentam quando atrelados a este comércio, e são vários. Vide  as casa de shows, as danceterias, as escolas de samba, os grandes hotéis, os clubs de futebol, as escuderias, os campeonatos de surf, asa delta, enfim declino em comentar os outros, pois é mais que provável o que muitos já sabem!

    Então para finalizar, cito o que leio nos jornais e mais na Rede: Após a invasão dos paises no oriente lmédio pelas forças da Otan, a produção de drogas triplicou. Quando da instalação das bases militgares pelos norte-americanos na Colombia, a produção aumentou enormemente. Quando o fantoche posto no governo do México tomou posse, o tráfico quintuplicou e consequentemente os assassinatos.

    E finalmente, quando da apreensão do helicoca dos Perrellas, amigos do Aécio, candidato derotado nas últimas eleições, a Cia, a PF e membros do judiciário se irmanaram para livrá-los da acusação de traficantes e liberaram, tanto a fazenda quanto os móveis e imóveis envolvidos na operação, contrariando a lei que diz textualmente que deveriam ser leiloados em benefício da União, mas……

    E por falar nisto, onde estão as drogas, ou melhor os 450 kg da “MARDITA” !!!!!!!!!!!!!!!!!!

  10. ele chegou a essa conclusão

    ele chegou a essa conclusão sozinho? quem não quer a descriminalização/regulamentação/legalização das drogas é quem lucra muito com essa “proibição”. e não são os que estão presos ou foram mortos, por tráfico ou disputa de pontos de venda. Só para refrescar nossa memória: aqueles 450 kg de pasta base, que estavam em um determinado helicópetro valima cerca de R$ 22 milhões que, no mínimo quintuplicaria de valor depois do processamento. Quem tem essa dinheirama, sem contar os custos de transporte, armazenamento, processamento, distribuição? Aliás, que fim levou aquele carregamento? virou pó, abastecendo narizes limpinhos & cheirosos?

  11. A guerra contra as drogas
    A guerra contra as drogas está perdida para os traficantes, para os policiais corruptos que se associam ao crime achacando e atacando os usuários, para os falsos moralistas, para os pregadores “charlatães da fé”, desonestos e preconceituosos, para reacionários ignorantes e todos os que acham que a força e a estupidez fazem mais pela sociedade do que o acolhimento respeitoso e a educação!

  12. ele também deu um puxão de orelha

    no governo Dilma. Disse que o Governo federal vem fazendo um projeto sobre o assunto sem ouvir os Estados.  Este povo não se endireita mesmo, Sempre arrumam um jeito de centralizar tudo

  13. “Seu” BelTRAME! a “guerra

    “Seu” BelTRAME! a “guerra está perdida” ou nunca quizeram ganhar? Quem ainda não assitiu o filme lançamento 2015 “O mensageiro”, assistam e vão entender isso. o “Seu” Beltrame já deve saber que nunca se quiz terminar com o tráfico pois isso é política de controle social, e modo de desvios da polícia e política de Estado como meios de se autofinanciar e financiar métodos estranhos à democracia. Não que o filme me alertou sobre isso, mas há mais de 1 década que já sei disso, pela internet.

  14. Descoberta a provável causa

    Descoberta a provável causa do vício. E não é o que você pensa

     

    Faz cem anos que as drogas foram proibidas pela primeira vez – e, ao longo desse século de guerra contra as drogas, professores e governos nos contaram histórias de vício. Essas histórias estão enraizadas em nossas mentes. Elas parecem óbvias, verdades evidentes.

    Até três ano atrás, quando comecei uma jornada de 50 000 quilômetros para escrever meu novo livro, ‘Chasing The Scream: The First and Last Days of the War on Drugs’(Perseguindo o grito: os primeiros e os últimos dias da guerra contra as drogas, em tradução livre), eu também acreditava nisso. Mas o que descobri em minhas viagens é que quase tudo o que nos contaram sobre o vício está errado – e existe uma história muito diferente à nossa espera, se estivermos prontos para ouvi-la.

    Se realmente absorvermos essa nova história, teremos de mudar muito mais que a guerra contra as drogas. Teremos de nos transformar.

    Aprendi com uma mistura extraordinária de pessoas que conheci na estrada. Dos amigos de Billie Holiday, que me ajudaram a entender como o fundador da guerra contra as drogas a perseguiu e ajudou a matá-la. De um médico judeu que foi tirado às escondidas do gueto de Budapeste quando era bebê, para depois destravar os segredos do vício quando adulto.

    De um transexual traficante de crack do Brooklyn que foi concebido quando sua mãe, uma viciada em crack, foi estuprada pelo pai dele, um policial de Nova York. De um homem que foi mantido preso no fundo de um poço durante dois anos por uma ditadura para depois emergir e ser eleito presidente do Uruguai, começando os dias finais da guerra contra as drogas.

    Tinha uma razão bastante pessoal para sair em busca dessas respostas. Uma das minhas primeiras lembranças da infância é tentar acordar um parente, sem sucesso. Desde então, venho pensando sobre o mistério do vício – o que faz algumas pessoas se fixar em uma droga ou um comportamento a ponto de não conseguir parar? Como ajudamos essas pessoas a voltar para a gente? Ao envelhecer, outro parente próximo ficou viciado em cocaína, e eu me envolvi com uma pessoa viciada em heroína. Acho que me sinto em casa perto de viciados.

    Se você me perguntasse lá atrás o que provoca o vício em drogas, te olharia como se você fosse um idiota e diria: “Drogas. Dã.” Não é difícil entender. Achei que tivesse visto isso acontecer na minha própria vida. Qualquer um consegue explicar. Imagine se eu, você e as próximas 20 pessoas que passarem na rua tomássemos uma droga potente por 20 dias. Existem agentes químicos fortes nessas drogas, então no vigésimo-primeiro dia nossos corpos precisariam desses químicos. Teríamos uma necessidade urgente deles. Estaríamos viciados. Esse é o significado de vício.

    Essa teoria foi estabelecida por meio de experimentos com ratos – experimentos que foram injetados na psique americana nos anos 1980, em um famoso anúncio daPartnership for a Drug-Free America. Você talvez se lembre. O experimento é simples. Coloque um rato numa gaiola, sozinho, com duas garrafas d’água. Uma delas tem só água. A outra tem água misturada com cocaína ou heroína. Em quase todas as vezes que você fizer esse experimento, o rato vai ficar obcecado com a água com drogas. Ele vai tomá-la até morrer.

    O anúncio explica: “Só uma droga é tão viciante, nove de dez ratos de laboratório vão usá-la. E usá-la. E usá-la. Até a morte. É chamada cocaína. E ela pode fazer o mesmo com você”.

    Mas, nos anos 1970, um professor de psicologia de Vancouver chamado Bruce Alexander percebeu algo estranho nesse experimento. O rato está sozinho na gaiola. Ele não tem nada para fazer além de usar a droga. O que aconteceria se tentássemos algo diferente? Então Alexander criou o Rat Park. É uma gaiola sofisticada, onde os ratos têm bolas coloridas e túneis para brincar, vários amigos e a melhor das comidas: tudo o que um rato poderia desejar. Alexander queria saber o que iria acontecer.

    No Rat Park, todos os ratos tomaram água das duas garrafas, é claro, porque não sabiam o que elas continham. Mas o que aconteceu depois foi surpreendente.

    Os ratos nessa vida boa não gostavam da água com drogas. Eles basicamente a ignoravam: consumiam menos de um quarto dessa água, em comparação com os animais isolados. Nenhum deles morreu. Todos os ratos que estavam sozinhos em suas gaiolas se tornaram dependentes da droga, mas isso não aconteceu com nenhum dos animais do Rat Park.

    Inicialmente, achei que isso fosse meramente uma idiossincrasia dos ratos, até descobrir que havia – na mesma época do experimento do Rat Park – um equivalente humano em andamento. Era a Guerra do Vietnã.

    A revista Time relatou que, entre os soldados americanos, usar heroína estava se tornando um hábito tão corriqueiro quanto mascar chiclete, e existem evidências sólidas para sustentar tal afirmação: cerca de 20% dos soldados americanos ficaram viciados em heroína no Vietnã, segundo um estudo publicado no Archives of General Psychiatry. Muita gente ficou compreensivelmente aterrorizada; elas achavam que com o fim da guerra um enorme número de viciados voltaria para casa.

    Mas, na realidade, cerca de 95% dos soldados viciados – segundo o mesmo estudo – simplesmente pararam de usar heroína. Alguns poucos foram para clínicas de recuperação. Eles passaram de uma gaiola aterrorizante para uma agradável, e não queriam mais usar drogas.

    Alexander argumenta que essa descoberta é uma contestação profunda tanto da visão direitista, segundo a qual o vício é uma fraqueza moral causada por uma vida de festas e hedonismo, quanto da visão liberal, que diz que o vício é uma doença que existe num cérebro quimicamente sequestrado. Na verdade, segundo Alexander, vício é adaptação. Não é você. É a gaiola.

    Depois da primeira fase do Rat Park, Alexander levou seu teste além. Ele refez os primeiros experimentos, nos quais os ratos se tornavam usuários compulsivos de drogas. Ele os deixou usar a droga durante 57 dias – se tem um jeito de ficar viciado, é esse.

    Então ele tirou os animais do isolamento e os colocou no Rat Park. Alexander queria saber se, uma vez viciado, o cérebro estava sequestrado e não havia maneira de recuperá-lo. As drogas assumem o controle? O que aconteceu – de novo – foi impressionante. Os ratos pareciam exibir alguns tremores de abstinência, mas logo pararam de usar as drogas pesadamente e voltaram a ter uma vida normal. A gaiola boa os salvou. (As referências completas de todos os estudos que estou mencionando estão no livro.)

    Quando soube disso, fiquei encucado. Como seria possível? Essa nova teoria é um ataque tão radical ao que nos contaram que não parecia ser verdade. Mas, quanto mais cientistas entrevistava, quanto mais estudos lia, mais descobria coisas que não pareciam fazer sentido – a menos que você leve em conta essa nova abordagem.

    Eis um exemplo de experimento que acontece à sua volta, e pode inclusive acontecer com você um dia desses. Se você for atropelado e quebrar a bacia, provavelmente vão te dar diamorfina, o nome médico para heroína.

    No hospital, haverá muita gente tomando heroína por longos períodos, para aliviar a dor. A heroína que o médico te der vai ser muito mais pura e potente que aquela usada pelos viciados, que compram uma droga adulterada pelos traficantes. Então, se a velha teoria do vício estiver certa – a culpa é da droga; ela faz seu corpo precisar dela -, é óbvio o que vai acontecer. As pessoas sairão do hospital e irão direto procurar um traficante para comprar heroína.

    Mas eis o que é estranho: isso virtualmente nunca acontece. Como me explicou o médico canadense Gabor Mate os usuários de heroína médica simplesmente param, apesar de meses de uso. A mesma droga, usada pelo mesmo período, cria viciados nas ruas, mas não afeta os pacientes de hospitais.

    Se você ainda acredita, como eu acreditava, que o vício é causado por agentes químicos, isso não faz sentido. Mas, se você acredita na teoria de Bruce Alexander, a imagem começa a entrar em foco. O viciado da rua é o rato da primeira gaiola, isolado, sozinho, com uma única fonte de conforto. O paciente do hospital é o rato da segunda gaiola. Ele vai para casa, para uma vida em que está cercado pelas pessoas que ama. A droga é a mesma, mas o ambiente é diferente.

    Isso nos dá um insight muito mais profundo que a necessidade de entender os viciados. O professor Peter Cohen argumenta que os seres humanos têm uma necessidade profunda de estabelecer laços e conexões. É como nos satisfazemos. Se não conseguirmos nos conectar uns com os outros, vamos nos conectar com o que encontrarmos – a bolinha pulando na roleta ou a ponta da agulha de uma seringa. Ele diz que deveríamos simplesmente parar de falar em “vício”: deveríamos falar em “ligação”. Um viciado em heroína criou uma ligação com a droga porque não conseguiu estabelecer outras conexões.

    O oposto de vício, portanto, não é sobriedade. É conexão humana.

    Quando soube disso tudo, fui sendo persuadido gradualmente. Mas restava uma dúvida incômoda. Será que os cientistas estão dizendo que a parte química do vício não faz diferença nenhuma?

    Me explicaram – você pode se viciar em jogo, mas ninguém vai achar que você vai injetar um baralho nas veias. Você pode ser viciado, mas não há o lado químico. Fui a uma reunião dos Viciados em Jogos Anônimos em Las Vegas (com a permissão de todos os presentes, que sabiam que eu estava lá apenas como observador). Eles eram tão viciados quanto os usuários de cocaína e heroína que conheci. Mas uma mesa de pôquer não tem químicos.

    Ainda assim, perguntei: a química desempenha algum papel? Um experimento tem a resposta precisa, que descobri no livro The Cult of Pharmacology (o culto da farmacologia, em tradução livre), de Richard DeGranpre.

    Todos concordam que fumar cigarros é um dos processos mais viciantes que existem. Os químicos do tabaco vêm da nicotina. Quando foram inventados os adesivos de nicotina, no começo dos anos 1990, houve uma grande onda de otimismo – os fumantes poderiam satisfazer suas necessidades químicas sem o resto dos efeitos imundos (e mortais) do cigarro. Seria a libertação.

    Mas o Ministério da Saúde descobriu que apenas 17,7% dos fumantes conseguem parar de fumar usando adesivos de nicotina. É claro que não é pouca coisa. Se os químicos respondem por 17,7% do vício, como mostra esse dado, ainda temos milhões de vidas arruinadas globalmente. Mas o que ele revela, mais uma vez, é que a história que nos contaram sobre as causas químicas do vício é real, mas só uma parte pequena de uma fotografia muito maior.

    Isso tem enormes implicações para a secular guerra contra as drogas. Essa guerra massiva – que, como vi, mata gente dos shoppings mexicanos às ruas de Liverpool – é baseada na afirmação de que precisamos erradicar fisicamente uma vasta gama de químicos, pois eles sequestram cérebros e provocam o vício. Mas, se as drogas em si não são as causadoras do vício – se, na verdade, é a desconexão que causa o vício –, então nada disso faz sentido.

    Ironicamente, a guerra contra as drogas na verdade potencializa esses causadores de vício. Por exemplo: fui a uma prisão no Arizona – “Tent City” –, onde os detentos ficam presos em minúsculas celas de pedra (“O Buraco”) por semanas a fio se usarem drogas. É a versão humana mais próxima que consigo imaginar das gaiolas de isolamento dos ratos. Quando os presos saem da cadeia, não conseguirão emprego, porque têm ficha criminal – garantido um isolamento ainda maior. Vi exemplos assim no mundo inteiro.

    Existe uma alternativa. Você pode criar um sistema desenhado para ajudar os viciados a se reconectar com o mundo – e, assim, deixar o vício para trás.

    Isso não é teoria. Está acontecendo. Vi com meus próprios olhos. Cerca de 15 anos atrás, Portugal tinha um dos piores problemas de drogas da Europa – 1% da população era viciada em heroína. Os portugueses tentaram a guerra contra as drogas, mas o problema só piorava. Então decidiram fazer algo radicalmente diferente. Resolveram descriminar todas as drogas e usar o dinheiro gasto para prender os viciados em programas de reconexão – com seus sentimentos e com a sociedade. O passo mais crucial é garantir moradia e empregos subsidiados, para que eles tenham propósito na vida, algo que os faça sair da cama pela manhã. Em clínicas acolhedoras, vi os viciados aprendendo a se reconectar com seus sentimentos, depois de anos de trauma e de um silêncio forçado causado pelas drogas.

    Um exemplo que observei foi um grupo de viciados que recebeu um empréstimos para começar uma empresa de coleta de lixo. Repentinamente, eles eram um grupo, todos conectados entre si e com a sociedade, cuidando uns dos outros.

    Agora se conhecem os resultados disso tudo. Um estudo independente do British Journal of Criminology descobriu que, desde a total descriminação, o vício caiu e o uso de drogas injetáveis teve redução de 50%. Repito: o uso de drogas injetáveis teve redução de 50%. A descriminação foi um sucesso tão grande que pouquíssima gente em Portugal defende uma volta ao antigo sistema. O maior opositor dessa política em 2000 era João Figueira, o principal policial da força antidrogas. Ele fez alertas terríveis, do tipo que se espera ouvir na Fox News ou ler no Daily Mail. Mas, quando conversamos em Lisboa, Figueira me disse que nenhuma de suas previsões se confirmou – e agora ele espera que o resto do mundo siga o exemplo português.

    Isso não é relevante só para os viciados que amo. É relevante para todos nós, pois nos força a pensar de maneira diferente a respeito de nós mesmos. Os seres humanos são animais que precisam de laços. Precisamos de conexões e de amor. A frase mais sábia do século 20 foi “Apenas se conecte”, de E.M. Forster. Mas criamos um ambiente e uma cultura que cortou conexões, ou que oferece apenas um simulacro delas: a internet. O crescimento do vício é sintoma de uma doença mais profunda na maneira como vivemos – constantemente olhando para o próximo objeto brilhante que queremos comprar, em vez dos humanos que nos cercam.

    O escritor George Monbiot fala na “era da solidão” Criamos sociedades humanas em que o corte de conexões nunca foi tão fácil. Bruce Alexander, o criador do Rat Park, me disse que falamos demais em recuperação de indivíduos. Precisamos falar de recuperação social – como todos nos recuperamos juntos da doença do isolamento que recai sobre nós como uma névoa densa.

    Mas essas novas evidências não são apenas um desafio político. Elas não nos forçam somente a transformar nossas cabeças. Elas nos forçam a transformar nossos corações.

    É muito difícil amar um viciado. Quando olho para os viciados que amo, é sempre tentador optar pela estratégia durona recomendada por programas como Intervention – falar para o viciado tomar jeito ou então cortá-lo de sua vida. A mensagem é que o viciado que não parar com as drogas deve ser rejeitado. É a lógica da guerra contra as drogas importada para nossas vidas. Mas, na verdade, aprendi que isso só agrava o vício – e você pode perder a pessoa para sempre. Voltei para casa determinado a me aproximar como nunca dos viciados da minha vida – dizer para eles que os amo incondicionalmente, consigam eles parar ou não.

    Quando terminei minha longa jornada, olhei para meu ex-namorado, em crise de abstinência, tremendo no quarto de visitas, e pensei nele de um jeito diferente. Há um século estamos entoando cantos de guerra sobre os viciados. Quando secava a testa dele, me ocorreu que deveríamos estar entoando canções de amor.

    A história completa da jornada de Johann Hari – contada por meio das histórias das pessoas que ele conheceu – está em ‘Chasing The Scream: The First and Last Days of the War on Drugs’ (Perseguindo o grito: os primeiros e os últimos dias da guerra contra as drogas, em tradução livre), publicada pela Bloomsbury. O livro foi elogiado por Elton John, Naomi Klein e Glenn Greenwald, entre outros. Saiba mais sobre o livro

    As referências completas e fontes para todas as informações citadas neste artigo estão nas extensas notas do livro.

    Se quiser ficar atualizado sobre o livro e o assunto, curta a página

    Este artigo foi originalmente publicado pelo HuffPost US e traduzido do inglês. 

    http://www.brasilpost.com.br/johann-hari/descoberta-a-provavel-cau_b_7597010.html

     

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