Convidado a deixar a Rota por matar “muito”, Secretário de Segurança Pública de SP coleciona 16 investigações por homicídio 

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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Reportagem revela suposta atuação de Guilherme Derrite em grupo de extermínio. Em gestão na SPP, número de pessoas mortas por policiais em serviço explodiu

Governo de SP trocou 34 coronéis da PM e fortaleceu bolsonaristas próximos ao secretário da Segurança, Guilherme Derrite. | Foto: Marcelo S. Camargo/Governo do Estado de SP

O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, já foi investigado por 16 homicídios – todos ocorridos durante operações policiais das quais participou, de acordo com dados levantados pela reportagem do jornalista João Batista Jr., publicada pela revista Piauí nesta sexta-feira (3). 

O levantamento tem como plano de fundo a certidão criminal de Derrite apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante sua candidatura a deputado federal, anos antes de integrar a equipe do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Esses documentos apontam que o atual secretário de Segurança Pública de SP esteve presente em intervenções policiais que resultaram em um total de dez homicídios, em um período de apenas três anos e nove meses. 

Contudo, há um sétimo inquérito, não mencionado na certidão entregue ao TSE, que revelou mais seis mortes em uma operação que teve o seu comando, pela qual três policiais militares foram denunciados e presos por tortura e assassinato. Com isso, o total de homicídios sobe para 16. 

A reportagem ressalta que o número não significa que Derrite tenha matado 16 pessoas, uma vez que esses inquéritos raramente apontam o autor do disparo fatal. Contudo, há dúvida sobre o real papel do então policial militar nessas ações, já que ele “foi investigado em todos esses sete inquéritos, mas nunca foi denunciado”.

Além disso, segundo a Piauí, chama atenção o padrão das mortes dos casos investigados, nos quais todas as vítimas eram homens com ficha criminal por roubo ou uso de drogas e foram executadas a partir de disparos em órgãos vitais, como coração ou pulmão. Em todos os episódios essas pessoas teriam atirado contra os policiais sem sucesso. Além disso, raramente há testemunhas civis dos fatos.

Caso Barrucuda e saída da Rota

Foi justamente a operação que resultou em seis mortos em 2014, conhecida como Caso Barrucuda, que motivou a saída de Derrite da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), a tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo. Isso porque “seus superiores entenderam que sua letalidade era alta demais”. 

Em entrevista a um canal do YouTube em 2021, o próprio Derrite contou os detalhes de sua saída da Rota, onde comandou pelotão de 2013 a 2015. “Porque eu matei muito ladrão. A real é essa, simples. Pá! Tive muita ocorrência de troca de tiro, eu ia para cima, entendeu? Quem vai para cima, está sujeito. Troquei tiro várias vezes, e uma atrás da outra. Acabou incomodando, não sei quem, mas veio a ordem de cima para baixo, questão política: ‘Tira o Derrite da Rota.’ E fui convidado a me retirar”, afirmou.

Eu Sou a Morte

A reportagem também traz à tona depoimentos de Wallace Oliveira Faria, um ex-soldado temporário da PM, que confessou que fazia parte de um grupo de extermínio de Osasco, na Região Metropolitana de São Paulo, batizado como “Eu Sou a Morte”, que seria integrado por policiais dos 42º e 14º  batalhões da PM da região. 

Antes de integrar a Rota, Derrite era membro do 14º Batalhão. Segundo Faria, condenado a 102 anos de prisão por cinco mortes e seis tentativas de homicídio, as operações do “Eu Sou a Morte” eram do conhecimento de Derrite. “Tudo o que a gente ia fazer avisava o Derrite. Ele tinha comando total”, afirmou.

Em cartas enviadas à Piauí, Faria deu detalhes sobre a suposta atuação de Derrite no grupo. “Ele e outros policiais, nos dias de serviço, levantavam o endereço de ladrões, traficantes, pontos de tráfico etc., e selecionavam as vítimas, passavam para eu e outros PMs que estavam de folga fazer as execuções. Depois, ele mesmo ia até o local das execuções colher alguma informação e, como sempre, alterar o local do crime para dificultar a perícia. Ele que era o líder, ordenava onde as viaturas tinham que ficar e, quando ia acontecer alguma execução, ele tirava as viaturas dos bairros para facilitar o serviço. Tudo era combinado antes.” E completou: “Os homicídios aconteciam só na noite em que o tenente Derrite era o comandante. […] Ele dava as ordens e organizava as execuções.”

Os depoimentos de Faria, no entanto, não contam com provas materiais e por isso não foram adiante. Em resposta à Piauí, a assessoria do secretário Derrite disse que “lamenta que as acusações infundadas, colocadas a partir da denúncia de um criminoso que cumpre pena neste momento, tenham espaço”.

Operações mortíferas

Vale lembrar que com Derrite à frente da SSP-SP, o número de pessoas mortas por policiais militares em serviço no estado saltou 138% nos primeiros três meses de 2024, em comparação ao mesmo período do ano passado.

De janeiro a março, foram registrados 179 casos, contra 75  nos primeiros três meses de 2023. É o maior número de mortes em ações da PM no estado desde 2020, quando foram 218 vítimas. 

Além disso, desde o ano passado, após a morte do soldado da Rota, Patrick Bastos Reis, foram desencadeadas as operações mais mortíferas da PM paulista desde o massacre de 111 presos no presídio do Carandiru.

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6 Comentários

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  1. Agora ele manda matar 60 pessoas por mês, 5 por semana. O MP silencia, o TJSP não julga ou inocenta PMs assassinos. Promotores e juízes aceitam a verba orçamentária especialmente liberada por Tarcísio de Freitas para garantir os salários acima do teto dos juízes. E todos são felizes para sempre, exceto os familiares das pessoas assassinadas por policiais militares.

  2. Não se muda a sociedade mudando a polícia, mas se muda a polícia mudando a sociedade.

    Já disse e repito: quanto mais desigual, mais violenta a sociedade e sua polícia.

    Não se trata de escusar, anistiar ou absolver crimes de agentes estatais.

    Mas entender em que contexto ocorrem, e ir além, saber que a violência é “diferencial competitivo”, que eleva os mais violentos ao topo de carreiras e, sim, da admiração por essa sociedade.

    Quando eu empurro, segrego e mantenho milhões de pessoas em condições subumanas nas favelas e periferias, eu dou a senha:

    Subumanas pessoas não têm direitos (humanos).

    Então, “senta o dedo”.

    Não é só isso.

    Gostamos de imaginar que a violência policial é um mero desvio.

    Não é.

    É método.

    Uma sociedade violentamente desigual precisa de contenção estatal violenta, muito violenta.

    Só assim vocês podem ir ao shopping no fim de semana, quer dizer, só assim o shopping ainda está de pé.

    Claro, o policial não é só algoz, ele também está imerso em um ambiente conflagrado, derivado de uma guerra inútil às drogas (que ele, policial, reivindica como justa, porque é sua razão de seu existir social), onde ele é colocado como alvo potencial.

    Crime e policiais são operários da indústria da violência, que têm seus patrões, desde a mídia, passando pelos atacadistas de produtos proibidos, até os mercadores de de armas e insumos.

    Não há comedimento em um mundo desses.

    Ou pior, quando há, as formas de mediação nunca são as Institucionais.

    É sempre um “jeito”.

    É assombroso que o debate sempre circule na parte rasa do problema.

    A violência, seja ela estatal (policial) ou marginal, é sempre um sintoma agudo de uma sociedade doente, porque extremamente desigual.

    1. Falar isso não basta

      Não se respeita direitos humanos de quem é, historicamente, desumanizado.

      Passam tarcísios, derrites, e muito mais capitães nascimentos…

      Não é uma questão de personificação.

      Não se muda a visão (errada) de violadores, apenas se pune…

      O que se tem que fazer é tornar humanos os que são vistos como não humanos.

      E isso, senhores, só combatendo desigualdade.

      Não adianta Lula tratar os pobres como porcos (comida), e achar que a polícia vai entender que mudou a chave.

      Polícia é instrumento de contenção de classe e repressão política.

      Lula manda esquecer 64, lambe o chão por onde andam militares e vocês querem criticar a polícia de SP?

      Enquanto a esquerda não entender que, só o combate a desigualdade garante respeito aos mais vulneráveis, de nada adianta choramingar…

      Os brucutus darão de ombros, e continuarão a povoar o imaginário doente da classe média, enquanto fazem o trabalho sujo das elites.

      1. Somente se a esquerda representasse a maioria o Lula poderia fazer o que deseja. A ele é permitido apenas sobreviver e governar por breve tempo para manter a esperança dos pobres.

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