“Em setembro, o urso vai dançar”, por João Rached

Sugestão de Caiubi Miranda

do Valor Econômico

“Em setembro, o urso vai dançar”, por João Rached

Se um homem tirar um urso para dançar, ou vice-versa, o fim da dança não se dará ao final da música ou quando o homem se cansar, mas no momento em que o urso resolver que aquela dança tiver acabado. Essa é a metáfora mais adequada para as negociações que envolvem as empresas e os sindicatos.

Nessa situação, o urso representa a parte da negociação que tem maior capacidade de resistência. Ao contrário do que muitos pensam, o princípio básico da negociação é a resistência, e não a argumentação. Claro que essa equação dependerá de cada situação e de fatores específicos da natureza de cada negócio, mas historicamente as empresas são mais frágeis do que os sindicatos na hora de negociar. Portanto, é fundamental para a sobrevivência do negócio estar preparado para o baile e antecipar alguns passos nessa dança.

A semana da independência, no início de setembro, pode ter um significado especial para as empresas brasileiras nesse sentido. O grito de “Independência ou Morte” pode ser substituído por um “Negocie ou Paralise” por gestores e empregados. Isso porque as negociações entre trabalhadores e empresas certamente serão as mais complexas desde 2001. Elas envolverão quase 3 milhões de empregados das principais categorias. Em setembro começa o baile, que pode durar mais do que o costume.

De um lado, há negócios que tiveram um primeiro semestre extremamente ruim em meio a uma recessão econômica persistente, que já se estende pelo segundo ano consecutivo. Na indústria automobilística, por exemplo, a produção no Brasil caiu 21,5% no primeiro semestre do ano, com pouco mais de 1 milhão de unidades, o pior resultado para o período desde os primeiros seis meses de 2004. No setor bancário, há um movimento constante de compactação e redução de custos. A recente compra do HSBC pelo Bradesco pode ser um símbolo desse movimento, com redução dos empregos e otimização dos serviços. A Petrobras, por sua vez, que está sob nova direção desde o começo do governo interino de Michel Temer, já tem anunciado planos de desinvestimento para reduzir a imensa dívida da empresa. Metalúrgicos, petroquímicos e bancários são algumas das categorias cuja data-base vence em setembro e colocarão na pauta a melhoria dos salários e a estabilidade de empregos e de negócios.

De outro lado, os sindicatos estão com um olho na CUT (Central Única dos Trabalhadores), e sua intensa mobilização por uma greve geral, e o outro nos empregos. Todas as reivindicações irão refletir as insatisfações que vêm desde o ano passado. Segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), quase a metade das negociações salariais de 2015 resultaram em reajuste com valor igual ou abaixo da variação do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor). Desde 2004, não se observava um resultado tão desfavorável para os trabalhadores. Cerca de 52% dos reajustes salariais apresentaram ganhos, ficando acima da inflação, 30% foram em valor equivalente à variação do índice e 18% ficaram abaixo. O aumento real médio em 2015 foi de apenas 0,23%.

Uma possível explicação para a deterioração dos reajustes salariais ao longo do ano já é conhecida: o agravamento do quadro econômico nacional, principalmente no que se refere ao comportamento do nível de atividade (produção industrial), da ocupação (desemprego em alta) e da inflação (que excedeu e muito a meta estipulada).

A CUT, por sua vez, não tem a menor intenção de ser amável e evitar transtornos ao governo Temer, como fez com os governos anteriores de Lula e Dilma, já que não reconhece este como legítimo. Com o impeachment iminente, há grandes chances de greves e mais greves que podem paralisar a produção de boa parte da indústria nacional. O empregado ficará dividido entre o “bolsa-emprego” e sua crença política. Será a hora de dançar com o urso.

E o governo, onde fica nessa dança? Como dono do baile, ele não quer que essa dança estrague o salão e se torne longa o suficiente para derrubar todas as mesas e espantar os convidados. Reajustes salariais não combinam com empenho de redução da inflação, algo que os sindicatos discordam publicamente. E o governo sabe que, quando colocar para tocar a música da reforma da Previdência, os ânimos irão se exaltar ainda mais e o tumulto poderá ser incontrolável.

Qual é a solução, diante desse cenário catastrófico? O ideal, para as empresas, é sempre se antecipar à crise iminente. A Ford, por exemplo, aprovou um acordo envolvendo prorrogação do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), manutenção de cláusulas econômicas (reajuste e participação nos lucros ou resultados) e pacote de demissões voluntárias em sua fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos, a proposta, negociada durante mais de dois meses, evita aproximadamente 850 dispensas e, após o voluntariado, garante estabilidade no emprego até janeiro de 2018.

Volkswagen, que assim como a Ford tem tradição nesse tipo negociação com o sindicato, também se antecipou. Com mais de um mês antes da data-base, a fabricante sinalizou que terá que reorganizar a fábrica de São Bernardo do Campo (SP), que possuiria um excedente de 3,6 mil funcionários.

Agora, se nenhuma medida preventiva foi tomada, o que fazer? Em primeiro lugar, segure o chapéu, pois a ventania será forte. A empresa deve estar preparada para negociações difíceis e paralisações. Embora seja marginalizada na visão de alguns executivos, a negociação sindical tem um papel fundamental para a sobrevivência do negócio. Ainda há tempo para evitar que o estrago seja grande, e isso depende, principalmente, da habilidade de “dançar” e da experiência do negociador da parte da empresa. Ele deve ter a confiança de sua direção e a credibilidade diante do sindicato para que, no fim, a música que toque seja suave tanto para os gestores quanto para os trabalhadores.

 

JOÃO RACHED, especialista em negociação empresarial foi o  principal executivo de RH de empresas como HSBC, Volkswagen do Brasil, Alpargatas e Brasil Telecom. Atualmente é membro do Conselho Administrativo da Great Place to Work (GPTW) 

 

Redação

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Redução de custos de bancos

    Dizer que os trabalhadores são o lado mais forte dessa relação entre trabalho e capital é debochar do desemprego que grassa no país.

    Argumentar que bancos estão em período de recesso econômico não se encaixa em nenhum verbete que passa pela minha cabeça. Até quando…

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador