Trabalhadores de Apps em Cena: Jéssica Barbosa, por Daniele Barbosa

Conselheira do Sindicato dos Trabalhadores Entregadores, Empregados e Autônomos de Moto e Bicicleta Por Aplicativo de Pernambuco (SEAMBAPE).  Entregadora de plataforma digital em Recife.

Trabalhadores de Apps em Cena: Jéssica Barbosa

por Daniele Barbosa[1]

Com a academia, mas para além dela! É assim que continua a próxima etapa da coluna Trabalhadores de Apps em Cena, iniciada em 2021. Além dos acadêmicos de diversas áreas do conhecimento, em 2022, ampliaremos o diálogo com juízes, procuradores e advogados, uma vez que a luta contra a precariedade politicamente induzida[2] deve implicar também os que atuam na Justiça do Trabalho no Brasil.

Busca-se, com esta coluna, fazer com que as vozes das trabalhadoras e dos trabalhadores de plataformas digitais compareçam à cena principal em um constante questionamento das formas restritivas por meio das quais a esfera pública vem sendo acriticamente proposta[3] pelo enquadramento da grande mídia[4]. Dando continuidade ao projeto[5], convidei para a formulação de uma pergunta: Clarissa Schinestsck, Ernani Chaves, Gabriela Caramuru, Juliana Branco, José Geraldo Souza Junior, Mirian Gonçalves, Jorge Normando Rodrigues, Sandra Bitencourt. Nas entrevistas deste mês, “acidente”, “música e sofrimento no trabalho”, “exploração no trabalho”, “isolamento e tempo”, “lutas e direitos”, “perspectiva de futuro”, “estratégias para igualdade” e “identidade laboral” serão alguns dos temas abordados.

A construção coletiva das entrevistas é também uma forma de resistirmos à racionalidade neoliberal. Christian Laval e Pierre Dardot, em A nova razão do mundo, afirmam que “é mais fácil fugir de uma prisão do que sair de uma racionalidade, porque isso significa livrar-se de um sistema de normas instaurado por meio de todo um trabalho de interiorização”[6]. Segundo os teóricos ainda, para uma resistência à racionalidade dominante, é necessário “promover desde já formas de subjetivação alternativas ao modelo da empresa de si.”[7]. Na esteira dessa reflexão, em vez de se fortalecer aqui uma lógica da concorrência, da destruição dos laços sociais, da maximização do desempenho individual, a ideia foi buscar, neste agir juntos, com as entrevistas sendo produzidas coletivamente, uma outra maneira de nos relacionarmos.

A entrevista de hoje é com Jéssica Barbosa.

Jéssica Barbosa

Conselheira do Sindicato dos Trabalhadores Entregadores, Empregados e Autônomos de Moto e Bicicleta Por Aplicativo de Pernambuco (SEAMBAPE).  Entregadora de plataforma digital em Recife.

CLARISSA SCHINESTSCK: Você já sofreu acidente quando estava trabalhando? Em caso positivo, precisou ficar afastado das atividades?

Sim. Já sofri acidente. Só que não fiquei afastada, porque eu precisava trabalhar. Graças a Deus, os acidentes que eu tive não foram muitos. Não foram nada tão graves. Só arranhões, não quebrei nada. Danificou a moto. Então, por esse motivo e pela necessidade, eu continuei a trabalhar. Até mesmo depois de cair, levantar e continuar fazendo as entregas.

ERNANI CHAVES: Qual é o papel da música no trabalho estressante de vocês?

Pra mim, é… é como eu me relaxo. A música me acalma.

GABRIELA CARAMURU: O que você pensa sobre os trabalhadores de aplicativo, a partir de entregas e transportes de pessoas, enriquecerem os proprietários desses aplicativos?

Primeiro, que eu acho injusto. É… a gente praticamente dá a vida pra levar o sustento pra casa e, no final, a gente não é valorizado. E quem acaba ganhando, em cima de nós, são os donos da empresa. Então, eu me sinto um pouco revoltada com isso.

JULIANA BRANCO: De que forma você relaciona o isolamento e a falta de tempo impostos aos trabalhadores de aplicativo com a dificuldade de construção de laços que resultem em resistência pela luta coletiva?

Tem nem… nem como explicar, porque a gente, infelizmente, a gente não consegue relacionar tudo isso. A gente não consegue manter o isolamento. A gente não consegue é… manter a luta, né. E a gente, infelizmente, a gente precisa. Tá tanto trabalhando que a gente acaba é… deixando o relacionamento de lado com outras pessoas.

JOSÉ GERALDO DE SOUZA JÚNIOR: Astúcia neoliberal a distribuição do trabalho através de plataformas digitais pretende isolar os trabalhadores, tirando o espaço físico de trabalho que sempre foi o chão para a sua organização corporativa e política. Mas, um pouco por todo lado, local e globalmente, vê-se que esses trabalhadores, formam redes, modos de contato e de encontros, elaborando estratégias de mobilização, planos de lutas, agendas de reivindicações, desenhos de direitos inéditos.  O trabalho é a mais universal das formas de interação do social (para a produção e a reprodução da existência). O que pode já ser cartografado a partir desses processos, que direitos (outros direitos que derivem do regime ou dos princípios que afetam o constitucional) e qual a subjetividade ativa e titulável que deles resultam? Alô, alguém para deliverar uma resposta?!

Sim. Entendi. Primeiro, é… creio que a gente deveria ser mais respeitado. Deveria ter mais ponto de apoio. Deveria ter mais é… seguro, pra gente. É… no caso de acidente, doença mesmo do Covid. Nem todos os aplicativos nos dá essa assistência. Então, se a gente adoecer, a gente vai ser obrigado a passar os dias em casa e não vai ter direito a receber nada. Porque a gente só recebe aquilo que a gente produz. A gente só ganha pelas entregas. Então, a nossa luta hoje é a gente conseguir mais esses direitos, mesmo a gente pagando o MEI e tal. E tamo aí nessa luta.

MIRIAN GONÇALVES: Qual é a sua perspectiva de futuro?

O meu futuro é… terminar a minha graduação, que ainda vou iniciar, que foi pausada por conta da pandemia. E me planejo a sair das entregas de aplicativos.

JORGE NORMANDO RODRIGUES: Os trabalhadores de entrega por aplicativos sentem na pele a “diferenciação”, que o capitalismo impõe a todos. São olhados “de cima”, como “desiguais”, não só por motoristas de outros aplicativos – que se submetem a exploração semelhante – como principalmente por clientes e pelo resto da sociedade. O que você acha que poderia ser feito para que todos os explorados se vissem como iguais? Como poderiam o entregador de pizzas, o uberizado e o trabalhador que pede a pizza, se juntar enquanto iguais, num clube, associação ou sindicato?

Primeiro, é… a gente precisa ser mais humilde e pensar no próximo, porque infelizmente tem muito motorista e entregador que só pensa em si e acaba passando por cima de outros entregadores e motoristas. E deveriam se unir, juntar as mãos, porque temos muitas provas, nesse Brasil, de que muitas coisas foram conquistadas com o povo se juntando, o povo protestando, o povo indo à luta.

SANDRA BITENCOURT: Qual a identidade laboral desejada por você na sociedade (empreendedor, trabalhador autônomo ou empregado)? Qual a imagem e reconhecimento que você julga que efetivamente tem na sociedade e qual o fator principal que ajudaria a aproximar ou manter essas duas posições?

Empreendedora. Vou responder essa para poder entrar na outra. Primeiro, é empreendedora. Segundo, acredito que as pessoas me vejam como uma guerreira, como eu já ouvi algumas vezes. E, terceiro… pode repetir, por favor? (…) Bom, o fator principal é o dinheiro. O que ajudaria a manter essa posição seria a força de vontade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS DE JÉSSICA BARBOSA: Eu gostaria de pedir mais empatia aos entregadores, aos clientes, aos empreendedores. E que a gente ame mais o próximo, porque, se a gente conseguir manter isso, que não é fácil, eu sei, a gente pode ter um mundo melhor. Um mundo mais sociável.

Participantes:

Clarissa Schinestsck: Procuradora do Ministério Público do Trabalho (PRT -15ª Região).

Ernani Chaves: Professor Titular da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Pará (2011 a 2014). Professor Permanente no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFPA e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFS.

Gabriela Caramuru: Professora Adjunta de Direito e Processo do Trabalho na Universidade Federal Fluminense (UFF).

Juliana Branco: Juíza do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Membra da AJD.

José Geraldo Souza Junior: Professor Titular da Universidade de Brasília (UnB), atuando na Faculdade de Direito e no Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Direitos Humanos e Cidadania).

Mirian Gonçalves: Advogada. Diretora geral do Instituto Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra).

Jorge Normando Rodrigues: Advogado. Assessor jurídico do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense, assessor jurídico da Federação Única dos Petroleiros e consultor jurídico – Central Única dos Trabalhadores.

Sandra Bitencourt: Professora dos cursos de jornalismo e PP do Centro Universitário  IPA- Instituto Metodista de Porto Alegre (2014 a 2021). Atualmente é pesquisadora convidada do Núcleo de Pesquisa em Comunicação Pública e Política – NUCOP- da UFRGS. Integra o Conselho do OBCOMP- Observatório da Comunicação Pública.


[1] Idealizadora e coordenadora do projeto “Trabalhadores de Apps em Cena”. Professora na pós-graduação lato sensu em Direito do Trabalho e Previdenciário (CEPED/UERJ). Professora Substituta de Direito do Trabalho na UERJ (2017/2019). Autora do livro A precariedade politicamente induzida e o empreendedor de si mesmo no caso Uber: Sob uma perspectiva de diálogo entre Butler, Dardot e Laval. Advogada.

[2] BARBOSA, Daniele. A precariedade politicamente induzida e o empreendedor de si mesmo no caso Uber: Sob uma perspectiva de diálogo entre Butler, Dardot e Laval. RJ: Lumen Juris, 2020.

[3] BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. 1ª ed. RJ: Civilização Brasileira, 2018, p. 14.

[4] BARBOSA, op. cit., p. 100.

[5] https://jornalggn.com.br/destaque-secundario/trabalhadores-de-apps-em-cena-por-daniele-barbosa/

[6] DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo– ensaio sobre a sociedade neoliberal. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 396.

[7] Ibidem.

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