Trabalhadores de Apps em Cena: Rodrigo Lopes, por Daniele Barbosa

Fundador e ex-presidente da Associação dos Motofretistas por Aplicativo de Pernambuco (AMAPPE). Atualmente é presidente do Sindicato dos Trabalhadores Entregadores, Empregados e Autônomos de Moto e Bicicleta Por Aplicativo do Estado de Pernambuco (SEAMBAPE). Graduado em Administração. Entregador de plataforma digital em Recife.

Trabalhadores de Apps em Cena: Rodrigo Lopes

por Daniele Barbosa[1]

Com a academia, mas para além dela! É assim que continua a próxima etapa da coluna Trabalhadores de Apps em Cena, iniciada em 2021. Além dos acadêmicos de diversas áreas do conhecimento, em 2022, ampliaremos o diálogo com juízes, procuradores e advogados, uma vez que a luta contra a precariedade politicamente induzida[2] deve implicar também os que atuam na Justiça do Trabalho no Brasil.

Busca-se, com esta coluna, fazer com que as vozes das trabalhadoras e dos trabalhadores de plataformas digitais compareçam à cena principal em um constante questionamento das formas restritivas por meio das quais a esfera pública vem sendo acriticamente proposta[3] pelo enquadramento da grande mídia[4]. Dando continuidade ao projeto[5], convidei para a formulação de uma pergunta: Clarissa Schinestsck, Ernani Chaves, Gabriela Caramuru, Juliana Branco, José Geraldo Souza Junior, Mirian Gonçalves, Jorge Normando Rodrigues, Sandra Bittencourt. Nas entrevistas deste mês, “acidente”, “música e sofrimento no trabalho”, “exploração no trabalho”, “isolamento e tempo”, “lutas e direitos”, “perspectiva de futuro”, “estratégias para igualdade” e “identidade laboral” serão alguns dos temas abordados.

A construção coletiva das entrevistas é também uma forma de resistirmos à racionalidade neoliberal. Christian Laval e Pierre Dardot, em A nova razão do mundo, afirmam que “é mais fácil fugir de uma prisão do que sair de uma racionalidade, porque isso significa livrar-se de um sistema de normas instaurado por meio de todo um trabalho de interiorização”[6]. Segundo os teóricos ainda, para uma resistência à racionalidade dominante, é necessário “promover desde já formas de subjetivação alternativas ao modelo da empresa de si.”[7]. Na esteira dessa reflexão, em vez de se fortalecer aqui uma lógica da concorrência, da destruição dos laços sociais, da maximização do desempenho individual, a ideia foi buscar, neste agir juntos, com as entrevistas sendo produzidas coletivamente, uma outra maneira de nos relacionarmos.

A entrevista de hoje é com Rodrigo Lopes.

Rodrigo Lopes

Fundador e ex-presidente da Associação dos Motofretistas por Aplicativo de Pernambuco (AMAPPE). Atualmente é presidente do Sindicato dos Trabalhadores Entregadores, Empregados e Autônomos de Moto e Bicicleta Por Aplicativo do Estado de Pernambuco (SEAMBAPE). Graduado em Administração. Entregador de plataforma digital em Recife.

CLARISSA SCHINESTSCK: Você já sofreu acidente quando estava trabalhando? Em caso positivo, precisou ficar afastado das atividades?

Sim, sofri um acidente recentemente, que foi em abril do ano passado. O último acidente que eu sofri, né. Num total, eu já sofri doze acidentes, que eu me lembre, mas o último foi no dia primeiro de abril que… tem até uma série na Globoplay, que eu participei de um documentário, aonde eu estou passando, aonde eu estou acidentado. E precisei me ausentar, tá. Passei um mês e meio sem trabalhar. O acidente foi o seguinte, eu tava levando um material de ginástica, halteres. Muito pesado, né. E chegou um certo momento que eu não consegui mais segurar a moto. Aí eu virei com tudo. Caí com moto pra trás, entendeu, com o peso dos halteres, mas aí a empresa não me ajudou com nada, não arcou com nada.

ERNANI CHAVES: Qual é o papel da música no trabalho estressante de vocês?

Vê só. No meu caso, eu escuto música todos os dias, né. Me ajuda a distrair mais e a… me ajuda a relaxar, entendeu?

GABRIELA CARAMURU: O que você pensa sobre os trabalhadores de aplicativo, a partir de entregas e transportes de pessoas, enriquecerem os proprietários desses aplicativos?

É… eu penso assim. De um lado, é algo muito bom, entendeu? E gerou emprego, trouxe renda, né. Muita gente, hoje em dia, milhares, né, de pessoa vive dessa renda, entendeu? Então, tipo assim, mas da forma que eles enriquece, foi a forma que eles acharam de ganhar, né, com isso, entendeu? Foi a forma que eles acharam de ganhar, tipo assim, eles ganham pouco em cima de cada motoqueiro, mas ele ganha em cima de milhares de serviços, entendeu? Mas eles ganham pouco. Por exemplo, cada motoqueiro, por dia, dá em torno a eles um valor bem, bem pequeno, né, dez, quinze reais, mas multiplicando isso, né, por, vamos dizer assim, por duzentos mil… é o número que o iFood tem hoje em quantidade de motoqueiros que opera pra eles. Duzentos mil. Então, multiplicando esse dinheiro aí, vezes duzentos mil por dia, trabalhando pra eles, é um dinheiro muito alto, né. É aquele ditado, né, é aquele ditado: “de grão em grão a galinha enche o papo”, né.

JULIANA BRANCO: De que forma você relaciona o isolamento e a falta de tempo impostos aos trabalhadores de aplicativo com a dificuldade de construção de laços que resultem em resistência pela luta coletiva?

Veja só. É… vamos falar de tempo. O tempo deles é muito corrido, tá. Eles trabalham hoje pra comer amanhã. Então, praticamente, eles não folgam, tá certo? Mas, então, eles têm pouco tempo pra tudo. Até pra poder eles tirar um dia de lazer com a família, eles preferem tirar o dia de lazer durante a semana e não final de semana, porque é o tempo que eles têm. Final de semana é o dia que eles ganham mais, né. Então, eles não vão deixar de ganhar o dinheiro deles pra poder… então, eles sacrificiam, eles fazem esse sacrifício, entendeu? Agora, como a gente vê pra luta, né? Acho que foi isso que ela disse, né. Isso é ruim, porque a categoria deixa de lutar, entendeu. Não querem perder o seu tempo pra tá lutando, entendeu. Aí eles fazem isso. Eles deixam de lutar, deixam de correr atrás de melhorias, por conta da falta de tempo, que não têm.

JOSÉ GERALDO DE SOUZA JÚNIOR: Astúcia neoliberal a distribuição do trabalho através de plataformas digitais pretende isolar os trabalhadores, tirando o espaço físico de trabalho que sempre foi o chão para a sua organização corporativa e política. Mas, um pouco por todo lado, local e globalmente, vê-se que esses trabalhadores, formam redes, modos de contato e de encontros, elaborando estratégias de mobilização, planos de lutas, agendas de reivindicações, desenhos de direitos inéditos.  O trabalho é a mais universal das formas de interação do social (para a produção e a reprodução da existência). O que pode já ser cartografado a partir desses processos, que direitos (outros direitos que derivem do regime ou dos princípios que afetam o constitucional) e qual a subjetividade ativa e titulável que deles resultam? Alô, alguém para deliverar uma resposta?!

O vínculo, o vínculo é o que tá mais pegando, né. Tá vindo mais à tona o vínculo, né. Cada vez mais, o vínculo tá… o vínculo empregatício, né, tá mais claro, tá mais nítido. Isso a gente tá brigando muito. E, agora, as taxas, né. Aí, como as empresas de aplicativos tão perdendo ações judicial, eles começaram a dar ouvido, né, ouvir a classe. Tanto que o iFood, mês passado, fez o fórum do entregador, né, convidando nós, entregadores, em vários estados, entendeu, boa parte do país, pra dialogar e ouvir as causas e já botando em prática, né. O iFood, por ser a maior plataforma do país, já começou a botar em prática as pautas que foram discutidas no fórum do entregador, o qual eu participei, entendeu, dessa construção também. É… com a finalidade mais o vínculo.

MIRIAN GONÇALVES: Qual é a sua perspectiva de futuro?

Ai, que pergunta boa, veio! Gostei disso aí. Ah, o futuro é ter esses trabalhadores, esses pais de família, esses heróis resguardados, entendeu. Isso é o mais importante pra mim. Pra mim, pessoalmente, né, porque a galera sofre muito, entendeu. Precisa de respeito, precisa de amparo, precisa ser mais ouvido. Então, a perspectiva que eu quero e que eu pretendo é isso, que o nosso objetivo principal seja alcançado. Melhoria das condições, taxas justas, dinheiro justo para aqueles que trabalha muito, né, que possam viver bem e mais, entendeu? É isso. Eu quero que eles vivam bem futuramente.

JORGE NORMANDO RODRIGUES: Os trabalhadores de entrega por aplicativos sentem na pele a “diferenciação”, que o capitalismo impõe a todos. São olhados “de cima”, como “desiguais”, não só por motoristas de outros aplicativos – que se submetem a exploração semelhante – como principalmente por clientes e pelo resto da sociedade. O que você acha que poderia ser feito para que todos os explorados se vissem como iguais? Como poderiam o entregador de pizzas, o uberizado e o trabalhador que pede a pizza, se juntar enquanto iguais, num clube, associação ou sindicato?

Isso aí vai da consciência humana, tá, do respeito. O povo mesmo tem que botar isso na cabeça, que todos nós somos iguais, entendeu. Acho que precisa mais de humanização. Algo parecido assim. Conscientização, respeito, entendeu. Acho melhor isso. Eu penso assim, entendeu. Acho que pode mudar sim. Depende muito dos governantes, criando barreiras pra algo desse tipo, pra que não venha a acontecer nenhum tipo de discriminação, tanto por parte do cliente quanto por parte do aplicativo, né. Logo, a gestão pública tá aí pra administrar isso, né. Então, eles têm o poder disso, de regularizar, regulamentar pra que deixar que todos tenham os seus direitos e o seu espaço devido, legal.

SANDRA BITENCOURT: Qual a identidade laboral desejada por você na sociedade (empreendedor, trabalhador autônomo ou empregado)? Qual a imagem e reconhecimento que você julga que efetivamente tem na sociedade e qual o fator principal que ajudaria a aproximar ou manter essas duas posições?

Empreendedor. Eu me vejo como um empreendedor. [A sociedade me vê] como uma liderança, como uma pessoa com responsabilidade. Importante na defesa desses trabalhador, entendeu. Uma liderança forte, muito forte.

O que ajudaria não, né. É o que ajuda. O que me ajuda é a minha força, minha garra, determinação e o querer de querer ajudar as outras pessoas. Isso é o que ajuda a me tornar esse empreendedor e esse líder, né, tão importante aqui no estado de Pernambuco.

CONSIDERAÇÕES FINAIS DE RODRIGO LOPES: A categoria dos entregadores, mas todas as categorias do nosso… elas precisam ser politizadas, precisam ser informadas. Os sindicatos, associação têm esse papel fundamental. E a gestão pública, em 2017, enxergando, reconhecendo essa força tão importante, fizeram com que fizesse, fizeram com que torasse, vamos falar no linguajar popular, quebrasse as pernas dele, né, desse sindicato, dessas associações, né. Fizeram com que isso, né… com a vitória para os empresários, sendo que agora… as coisas mudando. Eu quero dizer que essas pessoas que estão aí, que vão ver essa minha entrevista, quero dizer que, se um dia achar que aquela pessoa ali, que tá lutando, seja você um novo líder, mas não deixe de lutar por esses trabalhadores. O trabalhador precisa sim de orientação, precisa de apoio, de ajuda moral, respeito, dignidade. O principal da economia do nosso país. Temos que cuidar, amparar e proteger essas pessoas. É o que eu tenho para dizer aqui.

Participantes:

Clarissa Schinestsck: Procuradora do Ministério Público do Trabalho (PRT -15ª Região).

Ernani Chaves: Professor Titular da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Pará (2011 a 2014). Professor Permanente no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFPA e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFS.

Gabriela Caramuru: Professora Adjunta de Direito e Processo do Trabalho na Universidade Federal Fluminense (UFF).

Juliana Branco: Juíza do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Membra da AJD.

José Geraldo Souza Junior: Professor Titular da Universidade de Brasília (UnB), atuando na Faculdade de Direito e no Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Direitos Humanos e Cidadania).

Mirian Gonçalves: Advogada. Diretora geral do Instituto Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra).

Jorge Normando Rodrigues: Advogado. Assessor jurídico do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense, assessor jurídico da Federação Única dos Petroleiros e consultor jurídico – Central Única dos Trabalhadores.

Sandra Bittencourt: Professora dos cursos de jornalismo e PP do Centro Universitário  IPA- Instituto Metodista de Porto Alegre (2014 a 2021). Atualmente é pesquisadora convidada do Núcleo de Pesquisa em Comunicação Pública e Política – NUCOP- da UFRGS. Integra o Conselho do OBCOMP- Observatório da Comunicação Pública.


[1] Idealizadora e coordenadora do projeto “Trabalhadores de Apps em Cena”. Professora na pós-graduação lato sensu em Direito do Trabalho e Previdenciário (CEPED/UERJ). Professora Substituta de Direito do Trabalho na UERJ (2017/2019). Autora do livro A precariedade politicamente induzida e o empreendedor de si mesmo no caso Uber: Sob uma perspectiva de diálogo entre Butler, Dardot e Laval. Advogada.

[2] BARBOSA, Daniele. A precariedade politicamente induzida e o empreendedor de si mesmo no caso Uber: Sob uma perspectiva de diálogo entre Butler, Dardot e Laval. RJ: Lumen Juris, 2020.

[3] BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. 1ª ed. RJ: Civilização Brasileira, 2018, p. 14.

[4] BARBOSA, op. cit., p. 100.

[5] https://jornalggn.com.br/destaque-secundario/trabalhadores-de-apps-em-cena-por-daniele-barbosa/

[6] DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo– ensaio sobre a sociedade neoliberal. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 396.

[7] Ibidem.

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