Xadrez do Nassif

Xadrez da intentona militar, por Luis Nassif

Peça 1 – as peças do jogo militar

À medida que os fatos vão se somando, fica cada vez mais claro que a intentona de 8 de janeiro foi uma tentativa de golpe militar, assim como o bolsonarismo foi apenas uma capa para a tomada de poder pelas Forças Armadas.

Mostramos um apanhado de reportagens do GGN no post  10 reportagens para entender a volta do partido militar, por Luis Nassif

Artigo 1 – “Xadrez de Tarcísio, o super-ministro de Bolsonaro, e os negócios do poder militar”. De 06.12.2021

Artigo 2 – “Xadrez de como Braga Netto tentou operação Davati quando interventor no Rio”. De 01.08.2021

Artigo 3Xadrez para entender a história do cabo das vacinas. De 02.07.2021

Artigo 4 – “Entenda a Medida Provisória do governo que beneficiou vendedores de vacinas”. De 11.07.2021

Artigo 5 – “Militar envolvido com negociações da Covaxin ganha cargo no Exército”. De 11.08.2021

Artigo 6 – “Xadrez do fator militar”. De 21.09.2017

Artigo 7 – “Xadrez do caso Marielle e da luta pelo poder com Bolsonaro”. De 14.03.2022

Artigo 8 – “O Xadrez da guerra mundial entre os poderes”. De 18.11.2016

Artigo 9 – “Xadrez do governo Temer e o fator militar”. De 07.05.2016

Artigo 10 – “O Xadrez das vivandeiras dos quartéis”. De 17.10.2016

Peça 2 – os militares no golpe de 8 de janeiro

Agora, à medida que os fatos vão inundando o noticiário, fica nítido que a intentona de 8 de janeiro foi uma tentativa de golpe militar, do planejamento à execução.

Em algum ponto da história, vão aparecer as evidências da mão da inteligência militar na guerra híbrida que levou à criação do “mito” Bolsonaro e à sua vitória. Ou alguém, em sã consciência, acreditaria que o desenvolvimento de uma máquina sofisticada como aquela saiu da cabeça de Carlos Bolsonaro, o mais desequilibrado dos filhos de Bolsonaro?

Nos preparativos para a montagem do governo Bolsonaro – segundo me confidenciou um político com o qual jovens olavistas vinham se aconselhar – os militares entraram armados de dossiês. Em várias disputas de cargos, candidatos olavistas eram eliminados por dossiês preparados pela inteligência do Exército.

A ideologia militar começou a ser plasmada com base na ultra direita americana e nos livros do general General Sérgio Augusto de Avelar Coutinho, falecido em 2011.

O principal combustível para o ativismo militar, no entanto, foi Sérgio Moro e a Lava Jato. A partir da Lava Jato começa a atuação do general Villas Boas.

O golpe tem as seguintes digitais militares:

Ponto 1 – o questionamento das urnas eletrônicas pelo Exército.

Ponto 2 – a montagem de acampamentos em regiões sob comando do Exército, com familiares de militares compondo o grosso dos acampados.

Ponto 3 – a articulação nacional com financiadores, permitindo um modelo padrão de financiamento das ocupações. Depois, a maneira como houve a articulação do lúmpen – o pessoal barra pesada que pintou de todos os cantos do país e acampou em território do Exército. Note-se que foi um pacto entre militares, organizações criminosas atuando no garimpo, na Amazônia, CACs etc.

Ponto 4 – a ocupação dos 3 poderes, caracterizando um golpe de Estado clássico, como justificativa para uma operação da Garantia da Lei e da Ordem, que jogaria o comando em mãos militares. Na ocupação, misturaram a bandidagem com famílias – com crianças e velhos – para inibir a defesa e, provavelmente, pensando em produzir uma tragédia que fosse o estopim final do golpe. Essa inteligência estratégica não brota do nada.

Ponto 5 – o fato do único local que não foi defendido ser o Palácio do Planalto, único sob segurança militar.

Ponto 6 – a proteção dada pelos militares aos invasores, no Palácio, e, depois, nos acampamentos, impedindo a entrada da Polícia Federal até que os acampados saíssem em segurança.

Aliás, é inacreditável a falta de escrúpulos de colocar familiares na linha de frente.

O golpe não deu certo pela ação fulminante do Ministro da Justiça Flávio Dino, intervindo na Segurança Pública do Distrito Federal, com o interventor assumindo de forma fulminante o comando da Polícia Militar.

Ponto 7 – o fato do Alto Comando não ter soltado uma nota sequer de condenação aos terroristas.

Ponto 8 – Bolsonaro ter tirado o time de campo antes de terminar o mandato, certamente com receio de pagar a conta do golpe em andamento.

A cada dia fica confirmada a hipótese de analistas militares, de que Bolsonaro não passou de um laranja para a implantação de um poder militar pelo voto.

Mesmo assim, o fato do golpe nao ter sido consumado mostra que se, de um lado, há conspiradores militares, por outro não se obteve a unanimidade para aplicar o golpe.

Peça 3 – a desmilitarização do governo

Ponto 1 – Assumir o controle dos sistemas de inteligência. Conforme o GGN publicou, o Comando de Defesa Cibernética do Exército (ComDCiber) e a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) adquiriram sistemas sofisticadíssimos de monitoramento de redes sociais e de espionagem, sem nenhuma supervisão civil.

Ponto 2 – Lula assumir-se definitivamente como Comandante em Chefe das Forças Armadas. O primeiro passo foi dado, ao decretar uma intervenção civil contra o golpe de Estado. O segundo será colocar o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) sob controle de um civil. Por mais que o general Gonçalves Dias seja um militar honrado, o espírito de tropa é muito forte nas Forças Armadas, para um trabalho de conter uma conspiração essencialmente de militares.

Ponto 3 – a consolidação gradativa de militares legalistas na hierarquia das Forças Armadas. Obviamente não se acelerará esse processo com promoções baseadas na antiguidade.

Ponto 4 – a identificação dos militares golpistas. Em um primeiro momento, aqueles diretamente envolvidos com a quebradeira. Em um segundo momento, os envolvidos com o planejamento dos atos. O inquérito das fake news, conduzido pelo Ministro Alexandre Morais, já deve ter mapeado muita coisa. Será relevante um foco especial nos militares bolsonaristas, generais Braga Neto, Augusto Heleno, Luiz Eduardo Ramos e Paulo Sérgio.

Pela ampla reportagem do Fantástico, constata-se que o Quartel Geral do Exército, em Brasilia, abrigou criminosos com antecedentes, terroristas, que planejaram explodir um caminhão de combustíveis no Aeroporto. Mesmo após esses episódios, o Exército continuou defendendo os acampados.

Peça 4 – o papel da mídia

A mídia precisa, definitivamente, defender a democracia e deixar de lado o temor reverencial em relação aos militares. 

O off indiscriminado sempre foi uma das sete pragas do jornalismo. Como o jornalismo de clicks exige notas rápidas e constantes, passaram a proliferar não apenas as fontes em off, mas os coletivos. O repórter conversa com UM militar – ou nenhum. Pouco importa se é sargento ou general, se ganhou uma boquinha do governo Bolsonaro ou não. Qualquer declaração, por mais estapafúrdia que possa ser, ganha status e é publicada com destaque nos jornais, atribuídas a “fontes do Exército”. Vale o mesmo para “empresários”, “fontes do mercado”.

Mais que isso, essa falta de cuidados dos editores, e da pressão por notas, abre um amplo espaço para fontes inexistentes.

Por exemplo, Lula declarou que vai tirar os militares do Palácio por desconfiar deles. É óbvio que haverá militares insatisfeitos com as declarações. Logo, não haverá o menor problema se eu criar um militar genérico e atribuir a ele declarações que, certamente, algum militar poderia fazer. 

Como militar profissional não fala para a mídia, cria-se o viés de que as “fontes” – existentes ou não – são militares ativistas, conspiradores. E, aí, o jornal amplia o alcance das declarações, tratando-as como se fosse de um genérico Forças Armadas.

Analise os dois artigos abaixo. Selecionei porque são recentes e de jornalistas experientes, dos melhores que se têm na praça.

Desconfiança de Lula amplia crise com as Forças Armadas” saiu no Estadão.

Começa com uma frase bombástica:

“A desconfiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a atuação das Forças Armadas é vista na caserna como um pedido de divórcio litigioso”. 

Se é divórcio litigioso, e as Forças Armadas têm o poder das armas, acabou o governo. Dá para entender o poder das palavras mal colocadas? Não há nenhuma posição oficial no Alto Comando, nenhuma declaração em on.

 O absurdo não termina aí.

“Na economia, as Forças Armadas são contra a criação de uma moeda comum do Mercosul. A discussão já provocou ruídos. O governo alega que a ideia não diz respeito à adoção de uma cédula única, como o euro. As conversas giram em torno da possibilidade de se estabelecer uma moeda comum, que seria usada em negociações comerciais entre integrantes do bloco sul-americano. Mesmo assim, militares acham que a proposta fere a soberania nacional”.

Desde quando  as Forças Armadas opinam sobre política econômica? Conversa-se com um militar palpiteiro, ignorante no tema, cuja opinião – sobre economia – tem tanto valor quanto qualquer conversa de bar, e publica-se que “as Forças Armadas são contra a criação de moeda comum do Mercosul”. 

Daí, como o Estadão é sempre Estadão, traz de volta o espírito das vivandeiras dos quartéis:

“Passaram-se mais de seis anos desde então, mas a relação entre Lula, PT e Forças Armadas dá sinais cada vez mais claros de desgaste, que muitos consideram incontornável”.

O país institucional lutando ferozmente para a consolidação das instituições, e o jornal decretando um rompimento completo entre governo e Forças Armadas. E para quê? Para vender a ideia da Terceira Via. Não aprenderam nada.

O país nem saiu de um processo nítido de golpe institucional, e as vivandeiras dos quartéis voltam a explorar os velhos estratagemas antidemocráticos.

A segunda matéria é “Generais: Lula “queima pontes” ao falar que “perdeu confiança” em militares”. Quem é a fonte? Segundo a reportagem, um influente general da reserva com passagem pelo governo federal. Precisa mais? A reportagem transformou em verdade acabada a opinião de um general de Bolsonaro.

O ponto central é simples. Se a mídia quiser, de fato, cumprir com sua responsabilidade institucional, deveria seguir os princípios:

  • Só ouvir militar sobre temas ligados à defesa.
  • Condenar expressamente qualquer tentativa de golpe militar.
  • Acabar com esse anti-jornalismo declaratório, que ajuda apenas a desinformar e a ampliar a influência dos golpistas.
Luis Nassif

Luis Nassif

View Comments

  • Excelente, como sempre. Mas será que o Lula irá tomar mesmo providências contra as FFAA? Tenho dúvidas. Há sinais de que a área econômica está se rendendo ao mercado.

  • Fácil falar, difícil fazer......
    Diferente das forças policiais que estão em constante estado de alerta, enfrentando confrontos diários, com muitas perdas de vida.

    .....o comando das forças armadas tem uma situação tranquila...
    O poder é prazeroso, mas tem suas complicações, um aumento exponencial das disputas internas seria inevitável, principalmente considerando as domen continentais desde país...
    E um golpe dentro do golpe nunca pode ser descartado, muito pelo contrário.

    Colocando em risco a própria vida e de seus entes queridos.

    Sim o golpe tem um preço e não é barato.

  • E visível q a mídia tem dado mais destaque ao governo paralelo w se o stalou em Miami do q no governo Lula. Mais destaque a Janja , a Dino, a Moraes do que a Lula .depois q o Washington posto publicou reportagem de que o exército peitou Dino até com tanques impedindo o de prender terroristas refugiados nos quartéis, nada já mais a dizer sobre o que pode vir daqui em diante. Um governo tutelado por golpistas é um governo também golpista. Se Lula aceitar isso se igualará a Temer ou mesmo Sarney. Enfraquecer a figura de Lula diante das invasões parece ser a tônica da grande imprensa agora

  • Exercitozinho elitista, golpista desde o DNA, Imprensa grandona filha das elitezinhas - eis os barqueiros do inferno nacional! Até quando?

  • Pergunta q não quer calar? Por q os EUA, sabedores dos atos terroristas praticados pelo Guaidó das Milícias lá apaniguado não tomou nenhuma atitude para expulsa lo ou deter esse entra e sai de pirocas em seu território? A impressão q se tem é que Biden espera um apoio mais ostensivo ã política externa americana no mundo. Do contrário, ele já teria mandado Bozo e sua trupe pra Guantanamo, ali pertinho. Esses revolucionários da Disney não sossegarão enquanto medidas duras contra eles não forem tomadas, custe o q custar, mesmo existindo o risco de o pais enfrentar situações de conflito mais sérias nesse momento de divisão construído pelos poderosos para inviabilizar um projeto de pais mais Justo. A escolha de Múcio como um apaziguador de animos deu mais munição a essa gente q viu no ato do presidente uma atitude medrosa. Lula precisa destituir esse ministro, assumir seu posto de comandante e só depois escolher o ministro q devera ser seu elo com as forças armadas

  • Possivelmente um governo militar, se o golpe tivesse dado certo, seria a continuidade da ultracorrupção implementada no governo Bolsonaro, cuja síntese são os gastos com cartão corporativo.
    Foi essa corrupção que não permitiu que o golpe fosse consumido, afinal quem quer regime de exceção hoje no Brasil, não são os militares, são bandidos da pior marca, cuja exposição gradual está sendo feita,
    Madeireiros ilegais, donos de garimpo ilegal, prefeitos corruptos beneficiados pelo orçamento secreto, CACs, tudo que de pior o país já produziu em decorrência da lava jato
    Os militares que entraram na onda são os mesmos que estão comendo nosso dinheiro público como DASs nos gabinetes, os que compraram viagra, que não querem largar a teta, alias querem a vaca toda, pelos mesmos motivos que os toscos querem golpe
    Continuar a ultracorrupção

  • De qualquer forma, os milicos milicianos já conseguiram uma proeza que nem Jesus Cristo conseguiu: A unanimidade!
    Hoje,100% da população brasileira, da direita a esquerda, estão convencidos que esses milicos milicianos não prestam para nada.
    Parabéns ao sujeito que ocupava o Palácio do Planalto. Nenhum governo de esquerda do mundo teve essa capacidade de demonstrar tão cabalmente a inutilidade e insignificância dessa gente.

  • A mídia brasileira é imprestável, Nassif.
    A primeira página da Folha de hoje diz em letras garrafais que Ministros de Lula governaram os Estados mais desmatados.
    Durante os quatro anos que esteve na presidência, Jair Bolsonaro incentivou o desmatamento e desmantelou a estrutura federal de proteção ambiental. Mas segundo a Folha a culpa do desmatamento é do PT.
    A lógica jornalística da Folha de São Paulo é tão alucinada e doentia quanto a dos terroristas que invadiram o STF para garantir a posse do mito.

  • É fato que existe uma minoria da população que não é simpática à Democracia. Essa minoria prefere uma Ditadura Militar, onde os direitos universais não são respeitados. Eu sugiro que dessas pessoas procurem morar em Países onde impera a Ditadura. Somente uma sugestão.

Recent Posts

“Para mim é um alívio essa correição”, diz Gabriela Hardt

Substituta de Sergio Moro, juíza admite erros no caso Tacla Duran, mas garante que não…

6 horas ago

O que está por trás da nova corrida pelo ouro

Incertezas políticas e internacionais estão por trás da disparada de preços do minério, diz professor…

6 horas ago

Como capturar o comum cotidiano ou a própria vida, por Maíra Vasconcelos

A cada dia, ficamos esquecidos no dia anterior sem ter conseguido entender e ver o…

6 horas ago

Lula e ministros visitam RS para garantir recursos às vítimas das chuvas

Exército aumentou o número de militares e opera hospital de campanha; Transportes se comprometeu a…

7 horas ago

Entrevista: Ilan Fonseca, procurador que trabalhou como motorista de Uber, revela a dura realidade dos aplicativos

Escritor e membro do MPT, Ilan Fonseca propõe alternativas ao oligopólio que controla trabalhadores sem…

8 horas ago

Temporais no Rio Grande do Sul rompem barragem e autoridades alertam para população deixar área

Barragem 14 de Julho, no interior do Rio Grande do Sul, rompe com as fortes…

8 horas ago