10 reportagens para entender a volta do partido militar, por Luis Nassif

O projeto militar não se resume a Bolsonaro. Parece haver uma estratégia muito mais ampla que, nos próximos anos, sairá atrás de um candidato mais palatável e menos selvagem.

A insubordinação do Alto Comando militar, de pedir demissão antes da posse do novo presidente, é o ato mais eloquente de que o chavismo está em plena marcha no país. E não será com Lula.

Por tal, entenda-se um regime em que os militares se tornam integrantes explícitos do sistema de poder, compartilhando influência, postos e negócios. Ao assumir o poder, Hugo Chávez colocou militares em postos chave do governo e em áreas chaves da PDVSA, a poderosa estatal de petróleo.

O planejamento da invasão militar sobre o poder civil é anterior a Jair Bolsonaro. Este foi um abre-alas que caiu inesperadamente em seu colo, um ex-militar que ganhou musculatura eleitoral com as ondas de ultra-direita e o uso profissional das redes sociais.

Mas ele foi apenas um instrumento. E, atualmente, à luz da sua falta de coragem pessoal, e dos inquéritos que pairam sobre ele e sua família, provavelmente tornou-se inservível.

O golpe não foi dado devido a quatro fatores:

  1. No dia 7 de setembro do ano passado, devido ao profissionalismo de três comandantes das forças. Foram demitidos e, em seu lugar, entraram militares alinhados com o bolsonarismo. Com algumas exceções no Alto Comando, a tropa é maciçamente pró-intervenção.
  2. Depois disso, não houve apoio dos Estados Unidos, principal pólo de influência dos militares brasileiros.
  3. Bolsonaro fez vários lances golpistas, Alexandre de Moraes pagou para ver, e Bolsonaro não teve tutano para dobrar a aposta. O inquérito do fim do mundo passou a ser o pesadelo noturno de Bolsonaro. Suas únicas explosões retóricas mostravam muito mais desespero do que coragem. 
  4. Do mesmo modo, Moraes não se intimidou com as investidas do Ministro da Defesa, general Paulo Sérgio, e desmontou a armação em torno da urna eletrônica.

Fontes bem informadas de Brasília sustentam que, se Bolsonaro tivesse ordenado a prisão de Moraes, com base na interpretação torta do artigo 142 da Constituição, é possível que fosse atendido. Sua falta de tutano salvou a democracia, por enquanto. Daqui para frente, Bolsonaro será uma figura decorativa, murchando gradativamente até desaparecer.

Mas o projeto militar não se resume a Bolsonaro. Parece haver uma estratégia muito mais ampla que, nos próximos anos, sairá atrás de um candidato mais palatável e menos selvagem.

Abaixo, uma síntese de uma coletânea de reportagens que produzimos em 2021 sobre os negócios do poder militar, à luz do escândalo da Covaxin.

Artigo 1 – “Xadrez de Tarcísio, o super-ministro de Bolsonaro, e os negócios do poder militar”.

Pelas informações disponíveis, Tarcísio de Freitas foi o primeiro de sua turma na AMAN (Academia Militar de Agulhas Negras). Se tivesse ficado na carreira, teria chegado a general.

Aqui se conta como ele trocou o Exército por um concurso na CGU (Controladoria Geral da União), de lá saltou para um cargo no DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte), no qual se envolveu em várias licitações consideradas irregulares beneficiando fundações de direito privado controladas por militares.

Mostra também a ponte que o Departamento de Engenharia e Construção (DEC), do Exército, construiu com o DNIT, permitindo vários contratos irregulares, segundo fiscalizações do TCU (Tribunal de Contas da União).

Graças a um eficiente trabalho nas redes sociais, saiu do Ministério da Infraestrutura com fama de eficiente, apesar de ser a gestão com menos investimento e realizações na história do Ministério pós-redemocratização. Hoje em dia, é a nova grande esperança do poder militar, se ter um candidato palatável.

Artigo 2 – “Xadrez de como Braga Netto tentou operação Davati quando interventor no Rio

No artigo, mostramos outro movimento do grupo de militares que ascendeu ao poder com Bolsonaro, quase todos a partir da Missão brasileira no Haiti.

Quando interventor no Rio de Janeiro, o general Braga Neto tentou adquirir, sem licitação, coletes de um intermediário nos Estados Unidos. A compra foi brecada pelos órgãos de controle.

O vendedor era a CTU Security, de Tony Intríago, um venezuelano posteriormente investigado pela participação no assassinato do presidente do Haiti. 

Segundo o Miami Herald, além de vender equipamentos, a CTU é uma academia de tiro e uma agenciadora de mercenários para ações políticas. Teria participado de uma tentativa fracassada de golpe na Venezuela em 2020..

Segundo a Newsweek, a CTU era uma empresa de segurança em dificuldades, ”que supostamente tinha um histórico de evitar dívidas e declarar falência”. Ou seja, o padrão Precisa (a empresa que intermediava vacinas) já estava presente nas compras de Braga Netto. 

Também adquiriu 14 mil pistolas Glock para a Polícia Militar do Rio de Janeiro, no mesmo período em que Eduardo Bolsonaro atuava como propagandista da marca.

Matéria 3 – Xadrez para entender a história do cabo das vacinas

Aqui, mostramos os subterrâneos da história do cabo da vacina, com dois personagens centrais.

Um deles é Carlos Alberto Tabanez, proprietário de um clube de tiro e de uma empresa de terceirização, a G.S.I., que nos últimos anos conquistou R$ 20 milhões em contratos com o setor público, especialmente com o Hospital das Forças Armadas.

Outro ponto em comum é o fator Haiti, comprovando que o núcleo original é o da força de paz do Haiti. Em Brasília, Tabanez deu aulas de explosivos à tropa, quando se preparavam para ir ao Haiti. 

Outro personagem central é o reverendo Amilton Gomes, atuando através de uma falsa ONG, uma empresa de nome Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), que faz marketing da benemerência mas está aberta para negócios. 

A reportagem mostra o mesmo modus operandi de outras supostas ONGs que atuam nos Estados Unidos, envolvendo falsos pastores, associações de militares da reserva, valendo-se do discurso anticorrupção e anticomunismo.

Não há coincidências, mas um modus operandi  que liga esquemas da ultra-direita armada com pastores neopentecostais, em cima das mesmas bandeiras: interferência política para salvar a humanidade das esquerdas, ligações com Israel, montagem de ONGs para exercitar o marketing da benemerência.

Matéria 4 – “Entenda a Medida Provisória do governo que beneficiou vendedores de vacinas

Nesta reportagem, a repórter Patricia Faerman destrincha a Medioda Provisória que visava facilitar o golpe da Covaxin. 

* Dispensava a compra de vacinas de licitação, estendendo a possibilidade para a administração pública direta e indireta.

* Para a compra, dispensava o registro sanitário ou a necessidade de autorização temporária de uso emergencial.

* Permitia o pagamento antecipado, “inclusive com a possibilidade de perda do valor antecipado”, e trazia uma série de blindagens para os vendedores, como a não penalização da empresa, em caso de não entrega, e a garantia de confidencialidade do contrato.

* Permitia as vendas por empresas sem habilitação jurídica, facilitando a vida da Precisa, empresa envolvida em vários rolos na gestão da Ricardo Barros na Saúde.

* Possibilidade de cobrar mais pelas vacinas do que as estimativas do contrato.

* Permite a apresentação de termos de referência simplificados, evitando questionamentos maiores sobre a qualidade do produto.

Matéria 5 – “Militar envolvido com negociações da Covaxin ganha cargo no Exército

Nesta reportagem revela-se  que o coronel da reserva Marcelo Bento Pires, ex-diretor do Ministério da Saúde e um dos alvos de investigação da CPI da Pandemia, foi nomeado para um cargo de assessoria técnica dentro do Exército brasileiro.

Matéria 6 – “Xadrez do fator militar

Nesse Xadrez, de 21.09.2017 já se delineava todo o quadro de interferência militar e a candidatura Jair Bolsonaro. Aqui se contava como insubordinações de militares, clamando por golpe, não foram punidas, quebrando de forma drástica a hierarquia. Por trás da não-punição, o general Villas Boas, principal articulador político do poder militar.

Matéria 7 – “Xadrez do caso Marielle e da luta pelo poder com Bolsonaro”. 

Aqui se mostra como o pacto Villas Boas-Jair Bolsonaro permitiu a nomeação do general Braga Netto para o Ministério mais importante do governo Bolsonaro, a Casa Civil.

Como pano de fundo, as investigações jamais concluídas sobre a morte da vereadora Marielle Franco.

Matéria 8 – “O Xadrez da guerra mundial entre os poderes

Nesse artigo, de 18.11.2016, relatava-se a guerra suicida entre as instituições e terminava com uma previsão trágica: 

“Nos próximos meses, aumentará o mal-estar com a crise e com a falta de perspectivas de recuperação da economia. As brigas intestinas entre Legislativo e Judiciário comprometerão a ambas. A vergonhosa blindagem do MPF aos seus aliados tucanos ajudará a erodir a ideia de pureza da Lava Jato.

Bato três vezes na madeira, mas temo que os chamamentos às Forças Armadas não se restringirão a malucos querendo proibir a bandeira do Japão”.

Matéria 9 – “Xadrez do governo Temer e o fator militar

Artigo de 07.05.2016 mostrando como os movimentos de aproximação com os militares, e o desmonte do Estado, ambos pelo governo Temer, levaria a uma volta dos militares,

“Esse vácuo de poder cria uma corrida das corporações públicas para ampliar seu espaço no Estado. Ministério Público e Tribunais de Conta ampliam em cima da missão do combate à corrupção. O Poder Judiciário amplia porque é poder.

É nesse quadro que se insere a corporação militar. Com a diferença, que é uma corporação armada e precisa encontrar um tema legitimador”.

Um dos personagens mais ativos desse jogo foi o então MInistro da Justiça Alexandre de Moraes que, nos últimos anos, converteu-se na mais eficaz barreira contra o monstro que ele ajudou a criar.

Matéria 10 – “O Xadrez das vivandeiras dos quartéis

Artigo de 17.10.2016, reforçando as suspeitas do artigo anterior. 

“Cenários não são previsões taxativas. Consistem na análise de um conjunto de variáveis que apontam uma tendência – que poderá se confirmar ou ser modificada por novas variáveis.

Os fatos apontam para uma tendência cada vez maior de intervenção dos militares na vida nacional e, ao mesmo tempo, um desprestígio cada vez maior do poder civil”.

Luis Nassif

3 Comentários

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  1. “Sua falta de tutano salvou a democracia, por enquanto.” Discordo. E valho-me de suposta conspiração do “deep state” mundial, a mesma que forçou o “esquecimento” e liberação de Lula.
    ……………….
    “Bato três vezes na madeira, mas temo que os chamamentos às Forças Armadas não se restringirão a malucos querendo proibir a bandeira do Japão”.”

    Eu acho que andei palpitando por aqui mesmo, entre 2015 e 2017, diante de matéria em que generais negavam que entrariam na dança: não só entraria como seriam compelidos a entrar, por uma elite irresponsável que todo dia inventa confusão e joga no colo da Segurança para que a resolva. E, claro, polpuda parte dessa Segurança agindo como pistoleiros da elite ao invés de servidores de Estado vive azeitada por exercer o dito puxasaquismo.

  2. Se chegamos a esse ponto, em que só não aconteceu o golpe porque Bolsonaro é um palerma, então no fundo a verdade é bem outra: a constituição de 1988 está morta, a república fundada em 1985 desmoronou. Lula, apesar de apoiado por Deus e o mundo, foi eleito por ínfima minoria de 1,8% dos votos e ainda assim graças ao eleitorado do Nordeste, porque a Frente Ampla foi derrotada no Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte do país. O que vai acontecer quando acabar essa lua-de-mel com Lula e a realidade da economia do mundo arrastar o país não dá para imaginar ainda, e só Deus sabe o que será a eleição presidencial de 26. Não consigo imaginar o que será desse país nos próximos anos.

  3. Renato Cruz, Não se nega que Lula teve ampla maioria de votos no Nordeste, mas não se engane, pois sendo o Sudeste um maior colégio eleitoral que o Nordeste, também foi fundamental os votos que ele obteve no Sudeste, apesar de só ter vencido em Minas. Por exemplo, a diferença final de votos entre Lula e Bolsonaro foi de apenas 1.888.485. Só na capital de São Paulo, onde Lula venceu, ele levou 3.677.921 votos. Quer dizer, se Lula tivesse tido metade destes votos da cidade ele perderia. O problema maior que vejo para Lula e o seu governo é apatia das pessoas diante de tantos ilegalidades desde 2015. Ele precisa do apoio declarado destes quase 60 milhões de pessoas que apertaram o 13 e parece se esconderem.

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