Por que um plebiscito popular pela reforma política?

Artigo do Brasil Debate

Por Juliane Furno*

Das “jornadas de junho”, como ficaram conhecidas as manifestações em junho de 2013, saíram dois importantes aprendizados. O primeiro deles é que os jovens, em especial, não se sentem representados por essa política institucional brasileira, desacreditando que as necessárias transformações – descritas nos cartazes que empunhavam – ocorrerão no atual Congresso Nacional.

O segundo foi o da necessidade de construir mecanismos que garantam a unidade dos setores populares e de esquerda, buscando enfrentar a fragmentação e construir uma aliança sob bases programáticas e ideológicas.

Nesse sentido, essas manifestações demandaram que a esquerda brasileira empunhe uma bandeira política ofensiva, que possa resumir esses anseios populares. Identificou-se que as reivindicações sociais deveriam caminhar em direção à exigência de uma ampla e profunda reforma do sistema político.

Durante as campanhas eleitorais, o que menos se destaca – paradoxalmente – é a política.

Atualmente, as candidaturas políticas não se diferenciam por meio da disputa de projetos de país (apesar de existirem). São pautadas sob demandas que não explicitam os seus verdadeiros interesses políticos e de classes.

Isso ocorre porque, entre outros motivos, nosso voto é nominal. Com isso, votamos em indivíduos e não em um projeto coletivo. Esse sistema de votação nominal abre brechas para as legendas de aluguel, ou seja, partidos sem unidade nem identidade ideológica ou programática – a verdadeira privatização da política.

Como se não bastasse a apatia na defesa de um projeto nacional claro, as campanhas políticas são profundamente marcadas pelo marketing e caracterizadas pela demasiada atuação do poder econômico.

Com isso, os candidatos que melhor representam os interesses políticos dos grandes grupos econômicos são os que recebem mais dinheiro para as suas campanhas, e os que contam com uma ampla gama de materiais visuais e com um grupo significativo de militância paga.

Após eleitos, o financiamento privado das campanhas eleitorais exige a sua contrapartida. Parlamentares passam a defender os interesses dos seus financiadores e dos grupos aos quais são vinculados.

Sendo o poder dos grandes grupos políticos e econômicos preponderante nas eleições, o Congresso Nacional não expressa a correlação de forças existentes na sociedade brasileira.

Nesse sentido, dados do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) apontam que dos 594 parlamentares (513 da Câmara e 81 do Senado) eleitos em 2010, 273 são empresários; 160 compõem a bancada ruralista; 66 são da banca evangélica e apenas 91 se definem como representantes dos trabalhadores.

Para enfrentar os mecanismos que mantêm os trabalhadores e os movimentos sociais excluídos dos espaços de poder e decisão, são necessários três elementos centrais: enfrentar a imposição do poder econômico; combater o oportunismo eleitoral e enfrentar o problema da sub-representação.

Para finalizar a análise das deficiências e limites desse sistema político, é necessário salientar a imensa disparidade entre a composição da população brasileira e a sua representação na política institucional.

As mulheres ocupam míseros 9% dos mandatos na Câmara dos Deputados e 12% no Senado (apesar da recente implantação da cota de 30% para mulheres). No item igualdade de gênero na política, o Brasil ocupa a posição 106 entre 187 países.

No que tange à população negra, em que pesa serem 51% da população brasileira (IBGE 2010), são apenas 8,5% (43) do total dos parlamentares. Menos da metade das 27 unidades federativas da União têm representação negra nas suas câmaras.

Pressão popular

Essa bandeira política, empunhada por grande parte da esquerda no Brasil, terá como instrumento de ação um “plebiscito popular” (sem valor legal), nos moldes dos que foram realizados para temas como a Alca, dívida externa, limite da propriedade da terra, entre outros.

As votações responderão à seguinte questão: “Você é a favor de uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político?”

Nós estaremos nas ruas, de 1 a 7 de setembro, em todos os estados, grande parte dos municípios, bairros, escolas igrejas… Enfim, em todos os locais em que pudermos contribuir para criar as condições para que a população expresse seu desejo de mudança.

Nossa expectativa é que a votação chegue à casa dos 10 milhões de votos. A proposta de um plebiscito popular contribui para o avanço da luta política, cria as condições objetivas e subjetivas de pressão popular sobre a correlação de forças tensa dentro do governo federal e do Congresso Nacional.

Pressão essa que pode levar à oficialização de um plebiscito constitucional e abrir caminho para as transformações. Nesse sentido, essa proposta alia a pressão e ação popular com uma perspectiva institucional de ganhos concretos.

Um dos pontos necessários a uma verdadeira reforma política é justamente a possibilidade de que as práticas de referendos e plebiscitos não sejam uma excepcionalidade. Que possam ser convocados pela sociedade civil organizada, e não como exclusividade do Congresso Nacional, como hoje acontece.

Para concretizar as tarefas democráticas, nacionais e populares, que não foram realizadas no Brasil, a reforma política é condição primeira para o avanço das demais.

Ou seja, sem modificar as “regras do jogo”, algumas reformas que no Brasil adquirem caráter revolucionário, como a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma tributária e a democratização dos meios de comunicação, ficam prejudicadas.

É necessário um sistema político que reflita, de fato, os anseios da sociedade brasileira.

Somente a partir de uma profunda reforma no sistema político brasileiro passaremos, enfim, a cumprir uma prerrogativa máxima da Constituição brasileira, a saber: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.

* Juliane Furno, é graduada em ciências sociais pela UFRGS, mestranda em desenvolvimento econômico na Unicamp e militante do plebiscito constituinte do comitê Unicamp.

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Redação

14 Comentários

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  1. Duvidas

    Acho a iniciativa bem interessante, mas ha uma problematica ai: o plebiscito, que a priori não tem valor legal,  servira como termômetro para que o Congresso “faça seu trabalho”. Ou seja, sera usado como instrumento de pressão social. E depois faz-se o quê ? Elege-se um novo Congresso, a partir da reforma ? A coisa não é simples não… Ah não ser que algumas instituições dê apoio a essa causa, como o proprio Executivo…   

    Outra coisa, muitos dentre nos anseia por essa e outras reformas, não deixem de colocar na pauta de vocês o Judiciario, Policia e Sistema Carceral ! 

     

    1. Não, vc não entendeu.O

      Não, vc não entendeu.

      O plebiscito não é um engodo ou uma forma de pressão como vc pensa.

      O plebiscito é para uma constituinte.

      A proposta parte de um diagnóstico. O diagnóstico é que o Congresso é incapaz de realizar uma reforma política relevante.

      Vc imagina Sarney reduzindo o número de congressistas para 300, que é o tradicional número do Brasil? Imagina vc o Congresso reduzindo em 1 o número de congressistas?

      Não, a reforma DEVE ser realizada fora do Congresso!

       

      Se é contra a Lei, que mude a Lei. Se é contra a Constituição, então, precisamos de outra. Quantas tivemos em nossa história? Será só mais uma. Igualzinha a de 88 mas com a aprte de regulação política modificada e vc pode dar o nome que quiser a ela.

          1. Não a considero imutável, só

            Não a considero imutável, só não pode mudar a gosto do rei.

            Meu cetisismo é com os agentes não com o povo.

          2. Mas é justamente aí que seu

            Mas é justamente aí que seu posicionamento não faz sentido.

             

            Faria sentido se O Governo fizesse a modificação via Congresso. Como a proposta é para plebiscito para autorizar Constituinte, o Controle por parte do Governo seria/é muito menor.

      1. Athos

        Até ai acho que entendi. O que quero saber é depois ?  O Congresso não quer fazer a reforma, nos fazemos nos mesmos ? Qual a legitimidade constitucional de um plebiscito sem valor legal ? So ha a legitimidade moral…

        1. Art.1 Da Constituição Federal

          Muito simples. A legitimidade está na primeira frase de nossa constituição:

          Todo poder emana do Povo!!!

           

          É o primeiro artigo, não por acaso, de nossa constituição. Tudo, absolutamente TUDO está após este artigo. Opa, nem tudo, acabei de ver que a União territorial vem antes. MAs não invalida minha argumentação.

          Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

           

          Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

           

          Portanto, o Poder que tem o Congresso e o STF é um poder originário do povo e delegado (pelo Povo), por um documento chamado Constituição, a eles.

          Entendeu a hierarquia do Poder?

          E tem mais, não sou EU que acho isso, é assim por definição MESMO.

           

          O Congresso, o STF, não podem limitar o Poder, por definição, ilimitado do Povo. Um poder delegado jamais pode se sobrepor a um poder originário. São classes diferentes de poder.

          Isso apenas se vc quiser uma justificativa formal.

           

          Por isso que eu digo, se a Constituição não serve, faz outra. Fim do problema.

  2. A princípio, sou favorável a

    A princípio, sou favorável a plebiscito, consulta popular, enfim, mecanismos que ampliem a participação da sociedade nas decisões que afetam a vida de todo mundo. Falando como eleitora: as legendas de aluguel surgem por conta da diversidade da sociedade brasileira (como de resto todas as ocidentais), onde cada grupo de interesses quer se ver representado no local próprio para essa representação – o Congresso Nacional. O que acontece depois que são formados os partidos é uma outra história. Mas, a priori,  barrar o surgimento de partidos está, na realidade, dificultando/impedindo que grupos tenham a possibilidade de ter representantes. A ideia de que partidos devam se formar em torno de ideias, ideais, programas, por si só já contradiz a formação de novos e diferentes partidos, uma vez que são múltiplos os anseios. Se assim não fosse, teríamos apenas ARENA e MDB, que foram se desdobrando, modificando e gerando novos partidos. Alguns se firmaram, outros não, conforme encotraram eco nas necessidades da sociedade. A questão do poder econômico é um fato incontestável, mas ele não está presente apenas no financiamento claro ou oculto das campanhas, com cobranças aos eleitos por este ou aquele grupo. Ou quem está encabeçando a reforma política desconhece a instituição chamada “lobby”? Esse é feito a posteriori. Os deputados, senadores, vereadores serão monitorados 24horas por dia, para que um big brother saiba com quem conversam? O Congresso pode não espelhar a formação da sociedade brasileira, mas reflete exatamente a correlação de forças, onde o capital fala mais alto, ainda e infelizmente. A proposta, como um todo, me dá uma estranha sensação de desejo de tutelar a sociedade, as pessoas, sua maneira de agir, por crer na incapacidade de análise e opção de cada um e da sociedade, por extensão. Então, algumas pessoas e instituições vão nos dizer em que ideias devemos votar. Essa história de que votamos em pessoas e não em partidos, portanto ideologias ou programas, me parece um tanto equivocada. As pessoas candidatas, pelo menos até agora, estão filiadas a um partido e estes tem seus programas. A falta de um, já é um programa e deve ter gente que se identifica com isso. O resumo apresentado em 3 pontos: 1) enfrentar a imposição do poder econômico – como? a) financiamento público exclusivo? Nesse caso, porque eu, que gosto do partido A devo contribuir para o partido B? amor à democracia? altruísmo? b) limitação dos valores de contribuição seja por pessoas físicas ou jurídicas? pode até dar certo, embora o caixa 2 esteja aí pra mostrar que há maneiras e maneiras de se “contornar” essa limitação. A dificuldade adicional está no lobby, já mencionado. 2) combater o oportunismo eleitoral – isso já é mais factível, devido aos inúmeros mecanismos de controle já existentes. Bastaria que cada partido, independente do tamanho de sua bancada, dispusesse de um tempo X de propaganda (esse o verdadeiro motivo de serem de aluguel), mas só poderiam usar em seu próprio benefício, mesmo que participando de coligações. Pode ser que funcione. 3) enfrentar o problema da sub-representação – como já mencionado, o congresso pode não espelhar a formação da sociedade, mas espelha a correlação de forças entre capital e trabalho e o miolo desses extremos. A questão de cotas para esse ou aquele segmento social, que deu tão certo no acesso ao ensino e, agora aos cargos públicos via concurso, não funcionou para a política. Há muitos anos já existem cotas para mulheres e nem por isso foram atingidas (se não me engano era 10%). Seria a mesma coisa que, ao invés de determinar cotas para determinados segmentos sociais no ensino, as mesmas fossem estabelecidas para carreiras. Ora, nem toda mulher quer ser professora e nem todo homem quer ser engenheiro (para demarcar bem o esterótipo de gênero). Mulheres, trabalhador@s, negr@s, LGBTs, indígenas, quilombolas e outras minorias foram exluidas da vida pública participativa durante séculos e estão conquistando espaço a duras penas. Então, ações afirmativas para incluir esses segmentos na política devem ser estimuladas, como algo a ser alcançado e onde a participação dos movimentos sociais pode ser fundamental. Vinte anos de ditadura, mais 25 de altos e baixos, com eleição de salvadores da pátria, impeachment, tentivas mais ou  menos dissimuladas de golpe, julgamentos espetaculosos.. temos que ser muito resistentes e capazes de reconhecer os erros cometidos e buscar novas saídas. Se as demandas das ruas, em junho de 2013, foram tão consistentes quanto as vaias à Dilma na abertura da Copa (ver artigo no tijolaço, mas saiu também no estadão), creio que devemos ter um pouco mais de cautela, antes de convocar militantes, simpatizantes e aderentes para uma causa, a meu ver, ainda de pouco apelo popular. As tentativas de “moralização” da política atendem somente aos interesses de quem tenta desmoralizá-la desde o início do mundo “civilizado”. Vamos lembrar que, no país da ficha limpa, Mandela e Mujica não teriam sido eleitos. Aliás, nem poderiam se candidatar.

  3. MAs é factível? Dá para se

    MAs é factível? Dá para se fazer esta consulta antes ou até mesmo junto com as eleições? Deixemos de sonhar e vamos partir para a prática. Mesmo que este plebiscito diga um sonoro SIM para a Reforma Política, o Congresso vai ter a coragem de cortar na própria carne ou até mesmo deixar ser montada esta Assembléia Constituinte do lado de fora sem a sua participação? Acho meio difícil!!

  4. 1-O Plebiscito Popular por

    1-O Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político não tem valor legal mas isso não quer dizer absolutamente que seja  inócuo . A oportunidade é perfeita justamente pela oportunidade. Acontecerá antes das eleições e quem dele participar pode esperar e cobrar dos seus candidatos (ao  Congresso ) que se comprometa com esta Constituinte. Espera-se que este Plebiscito leve `as urnas mais de 10 milhões de votantes .Cito a “cartilha” do site do Plebiscito Constituinte onde se afirma  que este foi aproximadamente o número que compareceu `as urnas quando houve uma consulta `a população entre 1º e 7 de setembro de 2002:  ” Foram coletados 10.234.143 votos em 46.475 urnas instaladas em todo o País, graças ao trabalho voluntário de 157.837 participantes. O resultado não deixou dúvida sobre a vontade da população: 98,32% dos eleitores/as se declararam contra a entrada do Brasil na Alca. Apesar de não ter valor legal, a maciça participação no Plebiscito Popular foi fundamental para que a proposta da Alca fosse rejeitada.No mesmo Plebiscito Popular, havia uma pergunta sobre o Brasil ceder o território de Alcântara, no Maranhão, aos Estados Unidos que ergueria no local uma base militar. Resultado: 98,54% das pessoas que votaram foram contra, e o acordo para a Base de Alcântara acabou sendo anulado” .

    2- Ninguém, nem mesmo um “Aliança Liberal ” pode ter argumentos honestos para se opor a esta idéia, a menos que sustente que o nosso sistema de representação seja no mínimo satisfatório. Encara ? Ese gente como ele acha que se trata de um golpe “bolivariano”  devo lembra-los que uma Assembléia Constituinte, pode e até deve, ter representantes do seu ideário. Mas é bom lembrar que se vier a acontecer,  nos melhores termos, os constiuintes devem ser eleitos sem a “influência” que o capital tem, atualmente,  nas eleições dos ” nossos ” representantes” no Congresso . Ou seja, sem financiamento de campanha por pessoa jurídica ou por pessoa física com “excesso” de poder econômico. Com isso digo que ao invéz de desqualificar a causa  com mera adjetivação ou postando uma foto do lider do MST desafio a que venha a campo e lute para eleger os seus representantes. Ou vale só o SEU golpismo ? 

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