O regime de dedicação exclusiva nas universidades

Do Acerto de Contas

A Dedicação Exclusiva perdeu o sentido nas Universidades

Por Pierre Lucena

No sistema universitário brasileiro temos três opções de regime de trabalho para os professores, em número de horas semanais: 20 horas, 40 horas sem Dedicação Exclusiva e 40 horas com Dedicação Exclusiva.

A prática (e também a regra formal) seria a seguinte:

20 horas: o professor ministra duas turmas de 60 horas por semestre. Normalmente é exigida apenas a sua presença na sala de aula e em reuniões oficiais de departamento.
40 horas sem Dedicação Exclusiva: o professor ministra 4 turmas (ou 2 mais a pesquisa). Na grande maioria dos casos no máximo é dado 3 turmas ao docente que não faz pesquisa, e a exigência é a mesma do professor 20 horas.
40 horas com Dedicação Exclusiva: a carga de trabalho é a mesma do 40 horas sem DE, mas não é permitido a este o acúmulo de qualquer outro emprego ou atividade remunerada contínua.

Na prática o regime de 40 horas sem DE praticamente morreu nas Universidades. A grande maioria hoje é de professores em Dedicação Exclusiva, e em muitos casos de 20 horas.

Mas aí está o problema.

A Dedicação Exclusiva supõe que o professor não tenha nenhuma atividade além da Universidade. Se você ler com atenção o Estatuto do do Funcionalismo Público, vai perceber que qualquer outra atividade remunerada, mesmo que esporádica, fere a legislação. Na prática isso caiu porque as próprias universidades criaram algumas legislações paralelas regulamentando. A própria UFPE criou a sua, anacrônica, é verdade, mas que sinaliza que o professor pode ao menos discutir juridicamente a sua participação em outras atividades.

O principal objetivo da DE é o de criar um grupo majoritário de pessoas comprometidas com a instituição, mas a experiência mostra que isso não funcionou. Ainda não entenderam que muito mais eficiente do que proibir o docente de exercer outra atividade é criar um ambiente acadêmico adequado à prática do exercício do ensino e da pesquisa. Quando fiz meu doutorado na PUC-Rio pude perceber isso. Lá o professor não tem a DE, mas todo mundo acaba trabalhando e passando o dia na Universidade. Lá era possível vivenciar o que o ambiente acadêmico tem de melhor: os debates.

Na prática a Dedicação Exclusiva nas Ifes virou letra morta. A grande maioria dos docentes fere a Dedicação Exclusiva de alguma forma, seja através de palestras remuneradas, em aulas em pós-graduações pagas (na própria universidade) ou em consultorias, etc. Isso tudo é aceito pelos pares. O que não é aceito se restringe a ser professor de graduação de uma outra Ifes. Neste caso diversas punições já foram verificadas.

E quem está errado?

Obviamente a legislação está equivocada. Em muitas áreas é preciso romper a Dedicação Exclusiva porque a prática profissional é essencial para exercer a docência.

A motivação em muitos casos nem seria a questão salarial, que aumenta com a Dedicação Exclusiva (há uma gratificação), mas caso o professor opte por ficar em regime de 20 horas semanais ele fica impedido de participar como membro efetivo da pós-graduação.

Em uma universidade 100% formal no cumprimento do regime, diversas pós-graduações seriam fechadas ou ficariam mancas na sua formação. Teríamos um mestrado em Direito onde os professores nunca advogaram, ou então um Doutorado em administração onde os docentes nunca administraram nem um carrinho de pipoca. Ou ainda um mestrado de engenharia civil com professores que nunca colocaram uma laje sequer.

É preciso entender que em uma universidade temos uma enorme diversidade entre áreas e entre pessoas. Então precisamos dar certa flexibilidade para que as suas unidades optem por seguir o caminho que melhor se adaptem às suas necessidades. O grande erro é pensar que seu microcosmo universitário se adapta para todo o sistema. As necessidades e a realidade de um centro de ciências humanas é completamente diferente de um centro de tecnologia e informática, que é ainda mais diferente de um centro de saúde.

Para piorar, como o salário está ruim (para quem realmente trabalha), a DE ficou completamente contraproducente. Com um salário bruto médio de menos de R$ 8 mil (menos de R$ 6 mil líquidos), ficou impossível para a Universidade exigir 100% de exclusividade dos seus docentes. Pelo menos dos que possuem outras oportunidades.

Isso porque nem falei do excesso de papelada e burocracia que o professor é obrigado a suportar. Dezenas de pareceres inúteis são solicitados a estes todos os anos, sem que nada de produtivo saia daí. Mas isso é assunto para outro post.

Neste sistema irreal, o que aconteceu foi o abandono dos mais competentes da exclusividade do regime da DE. Nisso incluo aqueles que fazem uma ou outra atividade esporádica remunerada (como as aulas remuneradas das pós-graduações).

A parte da Universidade que não sobrevive a meia hora de mercado (e falo mercado a qualquer outro emprego) fica pelos corredores, enfiada nas fofocas e intrigas departamentais. Estes docentes normalmente se escalpelam em busca de uma gratificação nas reitorias. Normalmente são péssimos professores e passam a vida sem publicar nada de relevante.

O resultado disso é a enorme incompetência gerencial que tomou conta das instituições, que inclusive escanteiam seus técnicos-administrativos que teoricamente deveriam ser responsáveis pelas atividades-meio.

O outro efeito colateral disso está nas atividades de coordenação de curso ou nas chefias de departamento, cuja gratificação é ridícula (R$ 700,00 bruto por mês). Via de regra professores recém–contratados assumem estes cargos sem ter a menor condição acadêmica e prestígio necessários para a cobrança de resultado junto aos colegas. Já cheguei a ver no Centro de Artes e Comunicação da UFPE um Chefe de Departamento cujo subordinado era seu orientador de doutorado. No mínimo uma relação conflitante.

Todo este texto era apenas a argumentação necessária de que é preciso flexibilizar o regime de trabalho dos docentes. Não há sentido deixar um professor produtivo e com relevância social de fora das pós-graduações (caso ele vá para 20 horas).

A melhor saída neste caso é deixar o professor alterar seu regime de trabalho de acordo com as necessidades momentâneas. O próprio Governo Federal já sinalizou neste sentido anos atrás.

Em outras palavras e dando um exemplo, caso o docente vá participar de um projeto de 2 anos, que ele possa passar para 40 horas revertendo a DE ao final deste sem ter que pedir favor a ninguém, ou mesmo ter que fazer política junto aos colegas de departamento. Isso é positivo para o ensino e a pesquisa, para a universidade e também para o docente.

Do jeito que está acaba-se partindo para a desmoralização da legislação e ainda se premia a incompetência.

Sem citar nomes, porque são pessoas que trabalham comigo, gostaria de falar de dois casos.

O primeiro é de um professor que declaradamente rompe a DE. Apesar de sua extensa atividade externa, ele não falta a uma aula sequer, é um dos que mais publicam no seu departamento e também é conhecido por dar uma excelente aula. O segundo é um docente que cumpre a DE e anda pelos corredores o tempo todo. Não produz nada e ainda é conhecido como um péssimo professor. Um dos motivos pelos quais é odiado pelos alunos é por suas constantes faltas.

Qual dos dois é melhor para a Universidade?

Não tenho dúvidas em responder que prefiro o primeiro. O resultado do segundo é apenas desagregar e propagar a incompetência.

Muito melhor do que exercer papel de xerife de comportamentos é cobrar resultados.

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. Achei o texto e debate

    Achei o texto e debate importante e interessante. Acredito que a liberdade de escolha deve ser pensada em prol do bem comum, da universidade, da comunidade, do governo, do indivíduo e das especifidades de cada área. Eu tenho uma visão, talvez um pouco fora de moda nos círculos acadêmicos, de que prática e teoria devem andar juntas em algumas áreas, especialmente as aplicadas, como a minha. E também vejo que parcerias entre a aproximação Universidade e Setor Privado é essêncial para alavancar o desenvolvimento tecnológico, tal apregoado, mas distante da realidade Brasileira. Algumas áreas são mais teóricas e nelas podemos manter uma maior distânciamento. As ciências aplicadas as coisas são diferentes. Acredito que uma maior flexibilização na momento de dedicação exclusiva pé essêncial. Como apaixonado pela ciência, estou indo para uma Universidade Federal com o intuito de trabalhar duro para desenvolver a ciência em minha área. Mas sinto muito medo de me distanciar da prática da minha profissão. Mas isso é minha opinião: aqueles que desejam atuar somente nas áreas mais conceituais terão todo meu apoio (às vezes também gosto de me ver pensando como pesquisador/professor puramente dedicado a debates e reflexões teóricas). Sem dúvida, não havendo possibilidades departamentais, ao fim do estágio probatório deixarei o regime de dedicação exclusiva para poder continuar em um programa de pós graduação de alto nível, minha paixão e retorno fundamental ao desenvolvimento humano do país, lecionando na graduação e pós graduação stricto sensu, bem como atuando com pesquisas mais “puras”. Mas ao mesmo tempo quero mesclsar atividades profissionais, de consultoria e pesquisa aplicada, quiçá correlatas a minha prática, buscando fomentar o desenvolvimento tecnológico do país.

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