A sucessão presidencial e o reflexo da crise mundial em nossa vida, por J. Carlos de Assis

               

Pelos comentários que aparecem em relação a meus artigos neste blog já cheguei a uma conclusão: muitos leitores não dão importância a análises de questões internacionais, como a crise econômica na Europa, a estagnação no Japão e as vacilações da economia norte-americana. Acham que a Unasul é um fenômeno político. Acreditam que  BRICS é um divertimento diplomático. E supõem que os processos econômicos brasileiros derivam exclusivamente de decisões políticas locais, sem maiores interferências externas.

É curioso esse comportamento porque durante as últimas três décadas o mantra sistemático no mundo neoliberal e, por reflexo, no Brasil é que estamos numa economia globalizada, pela qual eventos que ocorrem numa longínqua parte do globo repercutem em todo o sistema. Isso se deve à interconexão financeira. Em qualquer parte do planeta há um banco conectado com os demais bancos e ligado ao centro financeiro internacional em Londres ou em Nova Iorque. Todos atuam como UM sistema, instantaneamente.

Se este é realmente o caso, em última instância não há nada realmente a fazer a não ser render-se ao domínio absoluto do sistema bancário mundial. Acontece que há. Não existe nada mais forte que a economia real, isto é, a economia de produção física de bens e de serviços. A economia financeira, bem ou mal, está sujeita a regulação pelo Banco Central. Se quisermos subordinar a economia financeira à economia real, há instrumentos importantes como o controle do fluxo de  capitais, fixação da taxa básica de juros,  administração do câmbio. Desde que essas medidas estejam nas mãos de governo realmente autônomo, não de um baco central independente do governo e dependente do mercado.

Portanto, qual é o problema? A economia brasileira está inserida na economia mundial, mas tem conseguido, com relativo êxito, escapar das consequências da estagnação econômica nos países industrializados avançados. O que nos tem salvo, por enquanto, são as importações de commodities da Ásia, notadamente da China, que é o país que mais cresce no mundo – e que deve continuar a crescer, inclusive por uma determinação de seu sistema político-social, que se legitima politicamente através do crescimento econômico.

Assim, não temos como escapar de nossa própria estagnação a não ser por uma articulação com a Ásia. Os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão não tem nada o que importar de nós. Só tem o que nos vender. Exportação gera empego, importação mata emprego. Portanto, não podemos esperar muito, para a nossa própria recuperação, de importações europeias, americanas e japonesas. Nossa única alternativa estratégica é buscar uma articulação com a Ásia pela qual possamos vender para ela produtos com algum valor agregado, isto é, metais, que lhe interessa importar de nós.

O interesse deles de importar metais de nós é óbvio: com o atual nível de poluição, de escassez de água e de energia elétrica na China e na Índia será extremamente importante para esses países, do ponto de vista estratégico, a fim de sustentar suas altas taxas de crescimento, fazer o outsourcing – isto é,a produção externa – dos metais, essenciais ao crescimento econômico. Isso coincide com o nosso interesse de exportar minérios com algum valor agregado, a saber, metais. Temos extensos recursos naturais para isso.

Entendo que a maioria das pessoas esteja focada nas questões imediatas e até certo ponto de alto valor simbólico como corrupção no setor público, o que os torna indiferentes à situação mundial. Mas o que deve ser enfatizado é que, por cima dos processos de corrupção, existe uma realidade de disputa do poder mais fundamental no plano geoeconômico e geopolítico. Em termos bem sintéticos, temos duas alternativas: ou continuamos na articulação com os países industrializados avançados, sem muita esperança de nos safar da crise de estagnação, ou buscamos uma articulação aprofundada com os BRICS e a Unasul.

Alguém pode dizer: mas a Unasul são os países da América do Sul, que nos tem muito pouco a oferecer. A resposta óbvia é: eles tem um mercado a oferecer, notadamente um mercado para nossa indústria de bens de capital, caso eles comecem a desenvolver a indústria básica junto conosco. Ou a América do Sul não é um mercado ideológico, mas é praticamente o nosso único mercado industrial. Devemos reforçá-lo por todos os meios para que possamos crescer juntos, sem tentações hegemônicas, e aproveitando as afinidades políticas que nos unem atualmente.

Quanto à articulação com os BRICS é ainda  mais óbvia. A China pode ser, simultaneamente, a fonte do financiamento e da demanda para a nossa indústria revigorada de metais. Se não encontrarmos uma alternativa por essa via, então, sim, teremos a pior articulação possível com a China, que continuará nos entupindo de bens de consumo e mesmo de bens de capital sem outra contrapartida de importações a não ser de commodities minerais e agrícolas. Isso, sozinho, não sustentará nossa retomada e nossas perspectivas de desenvolvimento.

Chamo os eleitores desse blog para uma reflexão: qual dessas duas alternativas, a do alinhamento com os países industrializados avançados, ou do alinhamento BRICS-Unasul melhor corresponde aos interesses nacionais? Se alguém acha que isso é indiferente está enganado. Desde a explosão da tulipomina na Holanda, no fim do século XVII, à explosão das hipotecas imobiliárias sub-prime nos EUA, em 2008, não houve uma única crise financeira em país hegemônico que não se refletisse nos demais. Ou nos defendemos, com uma nova estratégia e uma nova articulação internacional, ou afundamos juntos com a Europa. E é isso que está em jogo na sucessão presidencial. Caso pensem que é um problema internacional, longínquao, se enganam. É um problema nosso, do dia a dia, de nossa vida.

J. Carlos de Assis – Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.   

Redação

16 Comentários

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  1. Com a eleição de Aécio…

    Todo o efeito negativo da economia internacional será colocada na conta dos brasileiros.

    Simples assim.

    Ou então mudaram de vez a filosofia econômica do PSDB? Acho que não.

  2. Entre nova estratégia ou colônia.

    A visão estratégica para uma posição do Brasil na geopolítica do século 21 será:

    a. nova estratégia: reforçar laços com Europa, EUA da mesma forma que se deve faer com os Brics. Ou seja, o que interessa ao país se avança, o que não interessa no momento, se espera e se prepara o país para se chegar lá. Por isso, é importatante um diálogo direto com os Brics e Africa, onde se terá o maior crescimento demográfico (Africa) e de crecimento de uma classe média  do mundo (Índia e China em transição), para se estabelecer uma indústria que alimente e substitua industrias destes países quando possível. 

    b. se posicionar atrás de Europa e EUA, que irão conquistar este mercados com os seus nichos (México e Europa Oriental), e deixar o que restar a América do Sul como um nicho mais dependente ainda. Ou seja, eu veja nessa alternativa uma estrutura parecida com o Brasil colônia, que suprimia Portugal, e que por sua vez girava ao redor do Reino Unido. Assim, ficamos na mesma posição de submissão, sem buscar ocupar o nosso lugar no mundo multipolar do século 21. 

    Por isso, as eleições do dia 26 decidem muito mais do que que será o presidente. Decide que tipo de país e que lugar este país ocupará no século 21. Será este um país que buscará elevar a sua população e a si próprio para novos desafios, ou será um quintal cheio de gente com complexo de vira latas gritando que o inferno é o PT.

  3. Entre nova estratégia ou colônia.

    A visão estratégica para uma posição do Brasil na geopolítica do século 21 será:

    a. nova estratégia: reforçar laços com Europa, EUA da mesma forma que se deve faer com os Brics. Ou seja, o que interessa ao país se avança, o que não interessa no momento, se espera e se prepara o país para se chegar lá. Por isso, é importatante um diálogo direto com os Brics e Africa, onde se terá o maior crescimento demográfico (Africa) e de crecimento de uma classe média  do mundo (Índia e China em transição), para se estabelecer uma indústria que alimente e substitua industrias destes países quando possível. 

    b. se posicionar atrás de Europa e EUA, que irão conquistar este mercados com os seus nichos (México e Europa Oriental), e deixar o que restar a América do Sul como um nicho mais dependente ainda. Ou seja, eu veja nessa alternativa uma estrutura parecida com o Brasil colônia, que suprimia Portugal, e que por sua vez girava ao redor do Reino Unido. Assim, ficamos na mesma posição de submissão, sem buscar ocupar o nosso lugar no mundo multipolar do século 21. 

    Por isso, as eleições do dia 26 decidem muito mais do que que será o presidente. Decide que tipo de país e que lugar este país ocupará no século 21. Será este um país que buscará elevar a sua população e a si próprio para novos desafios, ou será um quintal cheio de gente com complexo de vira latas gritando que o inferno é o PT.

  4. Penso dessa forma. Na

    Penso dessa forma. Na expectativa de que os nossos institutos e o pessoal que se pós-gradua no exterior criem ou inovem alternativas além dos choros e reclamações no seu retorno. Se as nossas escolas percebessem esse dilema, a nossa grande mídia também seria forçada a torcer pelo Brasil. 

  5. Aos simplórios o Reino dos Céus
    Penso que nosso planeta e as políticas globais hoje nele desenvolvidas escapa de muito dos comentaristas do blog e não frequenta nem em sonhos o brasileiro médio.
    As possibilidades que a tecnologia colocou nas mãos dos homens são realmente poderosas e surpreendentes.
    Por exemplo, no mundo atual globalizado, onde se especula sobre tudo e os bens da natureza estão cada vez mais commoditizados, lucra quem antecipa os acontecimentos ou os manipula.
    Dando corpo a idéia da manipulação vou colocar um exemplo: a manipulação climática, via bombardeio de aerosóis na alta atmosfera,os infames chemmtraills, aqueles rastros de fumaça deixados por grandes aviões que voam no limite do alcance visual.
    Tal manipulação fica escamoteada na falácia das mudanças climáticas , mas que beneficiam as grandes traders de alimento e atuam em parceria com firmas financeirasve grupos de investmentosvem infra estrutura. Grossa manipulação contra populações e países, levando a concentração de riquezas em alta escala.
    Ai a Dilma é insuperável ao se opor sempre a estes intetesses.
    Talvez por isto nesta campanha estão arriscando e se expondo tanto para eleger um da oposição.
    Mundo complicado.

    1. Até que com meus parcos

      Até que com meus parcos conhecimentos, chego perto dessa conclusão. Daí o desalento. Arriscaram e se expuseram tanto que fica difícil imaginar a possibilidade de perderem.

  6. Para análise de todos,

    Para análise de todos, utilizando sobre comparativos entre ‘Brasil x Europa x Mundo x OCDE x Maiores economias do mundo”, etc.

    Informações mais completas, e todos os comaparativos e evoluções em: http://brasilfatosedados.wordpress.com/

    Alguns comparativos de evolução entre “2004 – 2014”, antes e depois da crise de 2008:

     

     

     Índice de Desemprego Médio - Índice WB - BRASIL x FRANÇA - Evolução - 2004 - 2014 Índice de Desemprego Médio - Índice WB - BRASIL x UNIÃO EUROPÉIA (EU-28) - Evolução - 2004 - 2014

     

    Índice de Desemprego Médio - Índice WB - BRASIL x ESTADOS UNIDOS - Evolução - 2004 - 2014

  7. Prezado,
    pelo que pudemos

    Prezado,

    pelo que pudemos perceber no relacionamento com membros da Unasul, o Brasil só vem perdendo. Foi assim com a Bolívia (o caso da Petrobrás e do sobrepeço do gás) , tem sido assim com a Argentina (que tem barrado a importação de uma série de produtos nossos) , tem sido assim com a Venezuela (que nos deixou pendurados na broxa com a Refinaria Abreu e Lima) . Então, qual a grande vantagem do relacionamento com esses países. A meu ver, em comércio exterior, o que deve contar é o relacionamento com quem efetivamente tem condições de comprar e pagar por nossos produtos; e para isso um excelente trabalho de prospecção deve anteceder qualquer medida.

  8. Entregando o Brasil ao capital especulativo

    Muitos gostariam de ver o Brasil como a   Carmen Miranda, rebolando a bunda para o Tio Sam, isto eles acham o máximo pois como subservientes que são, um sorriso de aprovação do Obama é um orgasmo para os neoliberais brasileiros. Por isso a Petrobrás será oferecida as multinacionais para que sejamos aceito pelo capital internacional e aí sim receberemos grandes elogios do Financial Times, Economist, da Veja, da Globo e Cia.

  9. Fortalecer a Unasul

    E é exatemente isso que tenho tentado explicar aos que defendem a candidatura tucana; são os que repetem o mantra de Arminio e da imprensa de que o Brasil parou de crescer porque a Dilma e Mantega são incompetentes, de que salario minimo esta muito alto e outras bobagens. Vou aproveitar e enviar o seu artigo que é ultra-didatico. Espero que pelo menos leiam…

  10. devemos continuar com esta

    devemos continuar com esta opção atual do goveno

    progrressista de união com a américa do sul-latina.

    e a mesma politica diplomática do multiculturalismo…

    .da política sul-sul.

    em suma, com dilma.

  11. Parece interessante a ideia

    Parece interessante a ideia de exportar energia e minérios na forma de metais acabados. Entretanto, teremos que combinar primeiro com os  chineses e indianos. Alguns países temem em perder autonomia na siderurgia e processamento de metais, notadamente, para países como o Brasil que possuem a fragilidade democrática que estamos demonstrando nessas eleições, onde tudo pode ir por água abaixo na base da mentira descarada!

    Para ganharmos o tempo necessário ao desenvolvimento tecnológico de uma nova indústria brasileira, são essenciais: a crescente exportação de commodities, o Mercosul e sobretudo o petróleo do pré-sal. Sugiro, adicionalmente, o desenvolvimento de uma indústria de defesa competitiva no mercado emergente.

  12. É uma visão bem limitada e

    É uma visão bem limitada e simplista de mundo e comércio internacional. 

    Basicamente o que o autor nos coloca é uma opção entre sermos colonia comercial euro-americana ou colonia comercial da China. 

    Confesso que ficaria com a primeira opção. Meu pincipal fornecedor se chama Xu Ping. Sei do que estou falando.

    Ver a China como um grande parceiro que nos auxiliará em nosso desenvolvimento é uma lastimável ilusão de quem nunca saiu dos bancos de escola mas adora falar de economia real. 

    No dia em que todos aqui trabalharem para um patrão chinês, terão saudades dos dias atuais, dos americanos e dos europeus. O primeiro ponto que friso, sem o menor risco de estar enganado, é que muito pouco investimento chinês entrará aqui enquanto não for feita uma reforma trabalhista.

    Imaginar uma empresa chinesa pagando pagando aqui o que não paga para os seus cidadãos, com muito menos produtividade, é viajar com Alice.

     

     

     

  13. E a dívida pública?

    Acho relevante também colocar a dívida pública (interna e externa) nessa análise. Hoje, um dos grandes entraves à expansão de políticas desenvolvimentistas reside no fato da dívida pública ser alta.

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