Aquarius, a resistência censurada, por Jeferson Miola

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Aquarius, a resistência censurada

por Jeferson Miola

Aquarius é exuberante em significados. É impossível não ser tocado pela mensagem transmitida com sensibilidade e inteligência pelo diretor Kleber Mendonça Filho.

É uma obra que será eternizada, ainda que pareça datada neste momento medonho e triste da política brasileira. O substrato principal da história é a resistência de Clara, a personagem interpretada magnificamente por Sonia Braga.

O filme é um bálsamo para este momento de dor e de luto com o assassinato da democracia. É uma manifestação política potente – entendendo-se política não na sua empobrecida dimensão “profissional”, mas como dispositivo de auto-representação e expressão dos indivíduos no mundo, na cotidianidade.

Aquarius foi censurado pelo Ministério da Justiça do governo golpista. A classificação como impróprio para menores de 18 anos, depois revisada diante da enorme reação pública, foi uma clara censura a esta obra-prima do cinema brasileiro contemporâneo. O pretexto para a censura seriam as cenas de sexo explícito. 

Sabe-se que, na verdade, a censura foi uma punição à equipe do filme, que denunciou o golpe durante o festival de Cannes, em maio passado.

A censura é pornográfica, assim como pornográfico é o sistema retratado no filme, no qual a reprodução insaciável da ganância é o único sentido da vida.

No edifício Aquarius, Clara vive graciosamente, com simplicidade e alegria, com valores e princípios de vida, com a memória dos afetos, as lembranças dos prazeres eróticos e as músicas tocadas em discos de vinil que conformam uma atmosfera existencial muito particular.

Mas isso é um estorvo à especulação imobiliária. Clara resiste, e não cede ao poder irresistível da construtora influente, que compra e controla a mídia com anúncios milionários e domina o governo local com corrupção. Ela não cede à pulsão violenta do jovem boss que foi estudar business nos Estados Unidos para assumir o comando inescrupuloso dos negócios da família.

Ao lado deste conflito de interesses, Aquarius ambienta com uma boa dose de sensibilidade os conflitos e desafios familiares de uma mulher temperada na complexidade da vida. Sensual e bonita, ela mostra que a idade não é barreira para os prazeres e para os desejos. Do câncer mamário que a acometeu há cerca de 30 anos, a seqüela que enfrenta com altivez não é aquela gravada no próprio corpo, mas a do macho que projeta a mulher como um objeto sexual que deve estar livre de defeitos.

Aquarius, enfim, é um filme emocionante e comovente. Sonia Braga atua com uma magia e humanidade abrumadora, que torna o expectador um cúmplice privilegiado da sua vivência. Com seu desempenho, ela como que traga as pessoas para enfrentar o duro mundo real.

A censura é como um radar que intercepta a luz da rebeldia e da resistência irradiada pela arte, para então apagá-la. Os censores são como cães adestrados que tentam castrar a criatividade que resiste à desumanização e ao embrutecimento.

Por isso Aquarius foi censurado.

 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. “Por isso Aquarius foi

    “Por isso Aquarius foi censurado.”

    E pode ter sido preterido na indicação ao Oscar pelo mesmo motivo. O filme indicado foi “Pequeno Segredo” do cineasta David Schurmann

  2. O filme foi excluído da

    O filme foi excluído da seleção do Oscar por determinação do governo Temer. Leia aqui: http://goo.gl/8HPY32

    Depois da censura, o governo vinga-se dos realizadores do filme de forma mesquinha, confirmando a mediocridade moral e intelectual dos gestores do Golpe.

    Como li esses dias, depois de sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas, o Brasil prepara-se para sediar a Idade Média.

  3. A crítica é condenscendente.

    A senhora é dona de cinco apartamentos, aposentada, amiga da elite na mídia, ou seja, rentista, tem toda sua renda baseada na especulação imobiliária, contra a qual luta com tanto afinco. Além daquela mesma relação de intimidade com a doméstica de “A que horas ela chega”, um pouco abrandada, mas rememorada por esta na cena da foto. 

    Não sei se foi intenção do filme mostrar essas contradições ou falha do roteiro, pois é uma forma comum no Brasil de se constituir “patrimonio” nas capitais, mas fico ensimesmado por não ter encontrado uma única crítica que tenha percebido o pequeno detalhe dos cinco apartamentos, jeep, “daqui pra alí do esgoto”, da graciosa recusa ao bombeiro, logo resolvida com um michê… (não que esta tenha nada demais, mas faz parte da história). 

    Lembra a esquerda escandinava do Jesse Souza. 

  4. A temeridade mandou censurar

    A temeridade mandou censurar porque a Sônia Braga é mais bonita que a marcelinha, e nadinha recatada! Aliás quem deveria ter aberto as Olimpíadas era a Sônia Braga não a magrela da gisele de sobrenome que não consigo escrever!

  5. Parabéns, Kleber Mendonça Filho!

    No caso atual, é uma honra, internacionalmente reconhecida, quando uma obra de arte não recebe o aval do ministério golpista. Parabéns Aquarius!!!
    Além disso, vale lembrar, o Oscar é o festival do mal gosto norte-americano…

  6. Tudo é usado pra flaxflu.
    O

    Tudo é usado pra flaxflu.

    O filme tem ou não tem cenas de sexo explicito ou implicito. Se tem, a censura de idade está correta, ou porque o diretor resolveu fazer militancia politica contra o artual governo, seu filme deve ser livre para todas as idades independente do que mostre.

    Porque de fato, duvido que alguem tenha visto esse filme ainda, especialmente a turminha que comenta. É aquilo, critica a veja mas assinatura da carta capital ninguem fez.

    Eu fico imaginando o que estariam falando se o diretor tivesse feito um ato de apoio ao impeachment e o filme fosse aceito como querem agora. Estariam todos a defender o atual escolhido

    Alguem viu o filme de fato e o que foi escolhido?

     

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