Destruir Lula é destruir a capacidade do povo de se queixar, diz Serrano

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – A convite da direção nacional do PT, o jurista Pedro Serrano explicou, no evento que discutiu os desdobramentos da Lava Jato sobre a sociedade brasileira contemporânea, como o autoritarismo mudou de discurso ao longo dos séculos para manter a capacidade de produzir regimes de exceções com cara de democracia.

Segundo Serrano, a fórmula para o Estado de exceção se dá quando o senso comum sente necessidade de ter uma “figura populista” ou um “estamento” que pareça capaz de combater uma “ameaça” ou inimigo do povo, mesmo que isso implique na violação de direitos humanos e em garantias constitucionais. Na ditadura, o estamento destacado foi o militar.

No Brasil, o discurso do combate à corrupção e à violência para salvar a política nacional e, consequentemente, a economia e serviços públicos, deu poder a um estamento formado por membros do Judiciário, verdadeiros responsáveis por gerenciar o atual Estado de exceção.

Serrano diz que, hoje, a figura do juiz, delegado, promotor é entendida como a do “homem ideal, aquele que se apresenta como dotado de senso moral e de justiça superior à média dos homens. E ele é chamado pela sociedade a cumprir um papel autoritário exatamente dentro dessa lógica.”

“A ralé [“parte da sociedade que parece povo, mas não é”] brasileira que apoia o sistema de Justiça como promotor da exceção não vai atrás do juiz ou delegado como cumpridor da lei. Vai atrás como combatente do crime, ou seja, aquele que vai trazer a ordem para a sociedade.”
 
“Essa é a base social do Estado de exceção”, apontou Serrano, “onde a mídia cumpre o papel fundamental de ser o elemento construtor dessa base. Hoje o estamento posto como exceção é o sistema de Justiça, que foi o agente principal do impeachment de Dilma Rousseff, é quem gerencial o Estado de exceção permanente nas periferias das grandes cidades e nos territorios ocupados pela pobreza, e quem também quem realiza os processos de exceção, de persecução.”
 
Nesse contexto, a “Lava Jato é um peão numa estrutura muito maior que, ao meu ver, é global”, avaliou o jurista.
 
Serrano disse que o Brasil é um caso singular porque é o único lugar no mundo onde a “exceção foi declarada por um tribunal”. Caso do TRF-4, que julga os recursos de Lula contra as decisões do juiz Sergio Moro.
 
Em resposta à defesa do ex-presidente, o TRF-4 já afirmou que a Lava Jato é uma operação “excepcional” e, por isso, não precisa obedecer ao “ordenamento comum”. Ou seja, pode atuar à margem das leis.
 
Serrano observou que, nas últimas décadas, o Estado de exceção vinha sendo implementado ao redor do mundo pelo sistema político. Na Europa, gerou frutos como Berlusconi e Hitler. Na América Latina, ditaduras militares. 
 
“No Brasil [atual], é o sistema de Justiça que é agente de Exceção. É o agente que suspende os direitos humanos agindo politicamente, suspende o Direito Penal a título de combater o inimigo”, pontuou Serrano.
 
“Na periferia, o inimigo é o bandido, a figura mitológica do bandido, e com isso se consegue manter sob repressão todo o contingente excluído do consumo. No circulo político, o inimigo são políticos de esquerda [como Lula]. Se minha análise estiver correta, essa perseguição vai se expandir para o resto do sistema político, mas num menor grau de violência e intensidade, mais para dar uma justificativa geral. Em geral, as exceções têm um objeto claro como inimigo.”
 
CAPACIDADE DE REAÇÃO
 
Ao longo da explanção, Serrano falou algumas vezes em consciência de classe. Para ele, a sociedade brasileira não entendeu que também é vitima do autoritarismo da Lava Jato e do Estado de exceção que se instalou após o impeachment.
 
“O que temos no Brasil é um poder desconstituinte que está chegando perto do seu ápice, ainda não chegou, e acho que vai ter que ter muito caos na sociedade para parar esse processo. É um poder desconstituinte gerando de Estado de exceção permanente nas periferias, de aprisionamento em massa, de repressão a movimentos sociais”, comentou. Por “poder desconstituinte”, Serrano quer dizer o esvaziamento paulatino das instituições criadas pelo povo.
 
“O processo contra Lula é parte disso por causa do símbolo. Não é Lula como individuo, é ele como o símbolo Lula que tem que ser destruído, porque é a destruição simbólica da capacidade que a sociedade brasileira tem de se queixar”, acrescentou, arrancando aplausos de quem acompanhava o seminário divulgado pela Fundação Perseu Abramo.
 
Ao final, Serrano disse que “a ideia da queixa da sociedade hoje é essencial.”
 
“Tem duas grandes garantias à eficácia de uma Constituição. Primeiro, a lealdade de quem aplica – e estamos meio mal nessa área. Mas se essa ledade não funcionar, tem o povo. O povo que é titular do poder constituinte originário tem que sair às ruas e exigir a eficácia da Constituição. É o que nos resta hoje, eu creio.”

https://www.youtube.com/watch?v=-rfbhfYIAOs width:700 height:394

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

9 Comentários

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  1. Povo nas ruas

    Sem o povo nas ruas, a democracia não será restaurada no Brasil. O Judiciário, simplesmente, aderiu de corpo e alma ao golpe e não se comoverá com debates ou com posicionamentos jurídicos contrários, por mais robustos ou sérios que eles sejam. O caminho da democracia passa, inexoravelmente, pela rua, com a população exigindo de volta os seus direitos que foram usurpados pelo preposto da plutocracia, o Judiciário brasileiro.

  2. Aprendi que na vida tudo se

    Aprendi que na vida tudo se repete, e a história não há de cobrar, os golpistas e a toga que destruiram o Brasil.

  3. O que brilha com luz própria, nada pode apagar!..Ave, P. Milanês

    Os perseguidores de Lula são insetos em volta da Lâmpada!…

  4. O Lula só será derrotado por

    O Lula só será derrotado por esse Moro, que representa a elite do país, se o povo quiser.

    Sinceramente, hoje tenho minhas dúvidas, baseado no que descobriu-se até agora sobre o Lula, se o Moro tem tanta coragem assim para mandar prender o Lula.

    Esses caras não são bobo, eles observam, conversam, ponderam prós e contra tal atitude. Devem ouvir os reaças de direitas. Membros do governo, enfim, para tomarem uma decisão radical devem pensar duas vezes.

    Outra coisa. Esse papo que o povo é pacífico, ordeiro, boboca, um dia pode chegar ao fim.

    Quando der o estouro da boiada, vai ser difícil rearrumar a boiada outra vez.

    Eles também pensam nisso.

    O Lula representa 54 milhões de pessoas. 

    Esses concurseiros sabem disso.

     

    1. Não é questão de ter

      Não é questão de ter coragem.

      É que ele não tem mais como voltar atrás.

      Se não condenar ele apanha na rua, que nem vaca na horta.

      Terá que distorcer as palavras, que aliás, é sua especialidade segundo o jurista Lenio Streck, e arrumar um jeito de condenar.

  5. mas a mídia bandida está conseguindo equilibrar…

    muitos ainda pensam que é apenas para consumir, mas o que ela tem feito mesmo é idealizar o povo brasileiro como ético………………………..para uso político

    acredito que combinado com a lava jato, acusar Lula de tudo o que não presta ou colocando-o como o extremo oposto das virtudes que a grande maioria não tem, nunca teve e nunca terá

     

  6. Revendo a história dos Irmãos

    Revendo a história dos Irmãos Naves, vi como é possível um governo de exceção conter em seus quadros autoridades abusivas, persegidoras, unindo polícia e justiça para em nome do povo crucificar inocentes, no fito de matá-los, se preciso, ou apenas zombar de suas misérias. Aí, o próprio povo, que um dia foi carrasco, cai em si, quando os inocentes já estão mortos ou prester a perder suas vidas.

    Se neste tempo atual não temos sabido de torturas físicas, por outro lado, as torturas psicológicas são gritantes, quando as autoridades, PF e justiça, decidem o que devem fazer contra alguns, mesmo sem respaldo legal.

    Antigamente usava-se a expressão: “Fulano tá vivo de teimoso”. É o que sucede a Lula. Ele teima em viver, em prosseguir sendo político, em nunca abandonar seus ideais, apesar dos pesares. Já a esposa dele não suportou as torturas, e seu próprio organismo decidiu aflorar uma coisa ruim que estava escondida em sua massa encefálica, e que poderia permacer ali por muitos anos mais. Pode-se dizer que Dona Mariza não aguentou a barra. Muito pesada para os seus ombros carregarem.

    Podemos sentir em parte dos que até ontem estavam torcendo contra Lula, hoje se mostrarem arrependidos. As pesquisas não negam essa verdade. 

     

     

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