Dez medidas para amesquinhar garantias constitucionais

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – “A maior parte das ‘dez medidas’ representa verdadeiro perigo ao legítimo Estado Democrático de Direito”, assim resumiu o advogado criminalista e mestre em Direito Penal pela PUC São Paulo, Euro Bento Maciel Filho, no artigo “Dez medidas contra a corrupção devem ser analisadas sem euforia”.
 
Para o especialista, as medidas tem efeito diverso “daquilo que parece” e do que angariou as duas milhões de assinaturas de brasileiros e não tem “por escopo combater a corrupção propriamente dita”. Ao contrário, as propostas buscam alterar “profundamente o Código de Processo Penal”.
 
“De fato, longe de serem medidas ‘de combate’ à corrupção, tratam-se, induvidosamente, de propostas que visam amesquinhar garantias constitucionais e direitos processuais de todo e qualquer acusado, independentemente do crime investigado”, defendeu.
 
Euro Bento Maciel também criticou que os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato, que saíram Brasil afora em campanha por buscas das assinaturas, contaram com a “jejuna em Direito” da “imensa maioria das pessoas que aderiu ao projeto” sem “a exata noção do que estava assinando”.
 
Entre “os inúmeros absurdos constantes daquelas medidas”, o advogado menciona a ideia “ultrapassada” do aumento das penas ou a inclusão como crime hediondo como solução para o combate de um delito. “Ledo engano!”, contesta.
 

Por Euro Bento Maciel Filho

Dez medidas contra a corrupção devem ser analisadas sem euforia

Do Consultor Jurídico
 

Na esteira da séria atuação à frente das acusações promovidas na operação “lava jato”, diversos membros do Ministério Público Federal passaram a percorrer os quatro cantos do país a fim de buscar assinaturas e apoio popular para aquilo que eles mesmos denominaram como sendo as “Dez Medidas Contra a Corrupção”.

No entender dos autores daquelas tais “dez medidas”, o combate efetivo à corrupção, verdadeiro “câncer” instalado nas entranhas de todas as esferas de poder da nossa sociedade, demanda uma reação mais forte por parte do Estado.

Dentro desse quadro de ideias, a peregrinação promovida em busca das assinaturas necessárias para a apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular surtiu efeito, já que mais de dois milhões de brasileiros concordaram com as propostas e empenharam o seu apoio ao referido projeto.

No bojo daquelas medidas há, sem dúvida, boas ideias que até merecem uma discussão mais ampla e um debate sério a respeito da sua efetiva implementação (por exemplo, vale citar a proposta que criminaliza o “caixa 2” e àquela que tipifica o “enriquecimento ilícito de agentes públicos”). Todavia, salvo honrosas exceções, a maior parte das “dez medidas” representa verdadeiro perigo ao legítimo Estado Democrático de Direito.

De fato, longe de serem medidas “de combate” à corrupção, tratam-se, induvidosamente, de propostas que visam amesquinhar garantias constitucionais e direitos processuais de todo e qualquer acusado, independentemente do crime investigado.

Com efeito, diversamente daquilo que parece, as tais “dez medidas” não têm por escopo combater a corrupção propriamente dita, mas sim, em razão da generalidade das propostas, visam alterar, profundamente, o Código de Processo Penal, cujos preceitos são aplicáveis ao processamento e julgamento de todos os crimes.

Nesse contexto, não seria nenhum absurdo afirmar que a imensa maioria das pessoas que aderiu ao projeto de implementação das medidas, por ser jejuna em Direito, não tinha a exata noção do que estava assinando. Afinal, temas complexos e intricados como nulidades processuais, prescrição penal e sistema recursal, são difíceis de serem explicados não só para estudantes de Direito, como também para profissionais já formados e que não estão habituados aos meandros da Justiça Criminal.

Não é mesmo preciso ir muito longe para se constatar que a exata compreensão do inteiro teor e da abrangência das tais “dez medidas” demanda tempo e, mais que isso, apurado conhecimento jurídico.

E, claro, nem os dois milhões de brasileiros que assinaram o projeto nem a maioria dos nossos legisladores possuem estudo jurídico adequado para compreender, com exatidão, o real significado e as consequências nefastas que as tais “dez medidas” poderão produzir no nosso sistema processual penal.

A bem da verdade, tantas são as ilogicidades existentes nas propostas formuladas pelo Ministério Público Federal que, se bem compreendidas, muito pouco poderá ser salvo. Longe de pretender esgotar o tema, fato é que, dentre os inúmeros absurdos constantes daquelas medidas, há a ideia já ultrapassada de que o combate a um determinado delito se faz mediante ou o aumento das penas ou com a sua inclusão no rol dos crimes hediondos. Ledo engano!

Ora, Cesare Beccaria, em sua magistral obra Dos Delitos e Das Penas, já ensinava, há dois séculos, que não são as penas duras que desencorajam o criminoso, mas sim a certeza da aplicação da pena. No caso da corrupção, ao invés do aumento desarrazoado das penas privativas de liberdade, mostra-se muito mais lógico e eficiente aumentar-se, sensivelmente, apenas as penas pecuniárias.

Ademais, de nada adiantará recrudescer a punição da corrupção e de outros crimes contra a Administração Pública enquanto a burocracia, os altos impostos e o inchaço da máquina administrativa continuarem existindo. É precisa dar um fim na antiga prática de se “criar dificuldades para colher facilidades”, pois é justamente a partir das inúmeros obstáculos burocráticos que o Estado impõe aos cidadãos que nasce a corrupção.

Mas, a respeito das incoerências daquelas propostas, há muito mais a ser dito. De fato, sob a escusa de que o processo penal deve ser mais célere e “eficiente”, os autores daquelas “dez medidas” propõem alterações profundas no sistema recursal do processo penal e no sistema de nulidades processuais. Além disso, sem qualquer cerimônia, ainda sugerem o amesquinhamento do Habeas Corpus, com a “criação” de cláusulas limitadoras ao seu exercício.

Nesse ponto, é bom deixar claro que a defendida “eficiência” do processo penal não tem, necessariamente, relação alguma com celeridade. É claro que, dentro de um mundo ideal, seria muito melhor para toda a sociedade se os processos em geral (cíveis, criminais, tributários, trabalhistas, etc.) fossem concluídos dentro de um tempo razoável.

No Brasil, contudo, isso não ocorre muito mais por conta da estrutura deficiente do nosso Poder Judiciário, que é mal aparelhado e possui poucos funcionários, do que por conta das leis processuais. Afinal, o que poderia justificar, senão a falta de juízes e de estrutura, a demora de quatro, cinco anos, ou mais, para que um tribunal qualquer julgue um único recurso? 

No caso específico das lides penais, a “eficiência” só é concretamente alcançada quando, dentro de um prazo razoável de duração do processo, a sentença é proferida e comina ao infrator uma pena proporcional e justa. Todavia, se a máquina estatal não se mostra adequada para dar aos processos a marcha que dele se espera, não é justo, nem adequado, buscar a correção desse problema – que é estrutural – com a mitigação do direito de defesa.

Que se corrijam as falhas da Administração Pública, com mais investimentos e contratação de pessoal, porém, sem sacrificar a ampla defesa e o devido processo legal. Processo penal justo não é sinônimo de rapidez. A justiça só é alcançada quando são garantidos aos acusados, sem exceção, o respeito às formalidades processuais e o acesso a todos os meios de defesa, aí incluindo-se a interposição dos recursos legalmente previstos.

Para finalizar, acrescente-se que uma das “dez medidas” tem como objetivo legitimar a admissão da prova ilícita no processo penal, desde que produzida com “boa-fé”. Tal proposta, além de absurda, é também um verdadeiro acinte à Constituição Federal.

Os conceitos de “prova ilícita” e “boa-fé” são absolutamente antagônicos. Onde existe um, não há o outro. Aliás, não custa perguntar: “boa-fé” de quem? A quem incumbirá avaliar a tal “boa-fé”? O non sense da ideia é tamanho que chega a ser difícil acreditar que tenha partido de operadores do Direito.

Como se pode perceber, é hora, pois, de colocar-se um fim no “oba-oba” que se vem fazendo em torno do referido projeto. Quem o critica não pode ser considerado um “herege”, como se estivesse defendendo a corrupção. Faz-se necessário ouvir e dar voz a todos os interessados, ainda que seja para reprovar o projeto ou diminuir, drasticamente, a sua abrangência.

Há falhas gravíssimas no bojo daquelas tais “dez medidas”. Aprová-las, da forma como propostas pelos seus autores, importaria em verdadeiro retrocesso nas garantias e direitos que nosso sistema punitivo levou séculos para alcançar. 

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

16 Comentários

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  1. Convicções estão acima das instituições

    De que adiantam medidas contra a corrupção? Qual “empecílio legal” impediu esses cidadãos de fazerem o que bem quiseram durante as investigações?

    O curioso é que, mesmo com a investigação direcionada contra Lula, além de não acharem provas contra ele, ainda esbarraram em provas contra os queridinhos da mídia. Mesmo assim vão querer condenar sem provas mesmo… e absorver o aliados apesar das provas… ou seja… as leis não significam nada… logo, essas medidas também não… o que vale são as convicções… que estão acima das instituições.

  2. Depois do que esse país viveu

    Depois do que esse país viveu nos últimos 6 anos só tem uma solução: guerra civil. Só uma revolução com muito sangue pode limpar o país desse lixo que está aí, afinal, ficou comprovado que nossa elite é incapaz de conviver com o mínimo de mudança social. Como sempre digo: cabeças que não mudam de ideia devem ser cortadas.

     

  3. Fora aquela famosa “…não vai doer nada ” …

    Que se  conta  para  a  virgem insegura……Aqui vão outras  “10 mais” ….http://mdemulher.abril.com.br/amor-e-sexo/cosmopolitan-brasil/10-mentiras-que-os-homens-contam-saiba-o-que-elas-significam

    ou, para  ser mais PC…..http://mulher.terra.com.br/noticias/0,,OI1598265-EI16610,00-Confira+as+mentiras+mais+usadas+pelas+mulheres.html

    Se liga MPF…Ninguém aqui é otário para cair nessa !!   Se  deixar o MPF  ” botar a cabecinha……F…..!!! “

  4. A morte do habeas corpus.

    Vou repetir aqui o mesmo comentário que fiz no post sobre o debate na ABCCRIM, no qual o MPF apresentou suas ideias de suporte às 10 medidas.

    //

    Chamou minha atenção a defesa enfática das garantias individuais e do habeas corpus, tanto pelo Prof. Geraldo Prado quando pelo Zacharias Toron.

    Coincidentemente, também assisti a um documentário sobre o 11 de setembro, chamado Loose Change Final Cut, no qual falam das consequências do 11/09, incluindo patriot acts, leis militares e a MORTE DO HABEAS CORPUS, com lápide e tudo. Isso pode ser conferido a partir de 2h03min do vídeo abaixo.

     Minha dúvida é se o movimento draconiano que grassa nas terras tupiniquins tem moto próprio ou foi sugestionado / doutrinado / induzido por interesses alienígenas. Neste caso, o que estaria por trás disso tudo?

     

    [video:https://vimeo.com/25281277%5D

  5. A idéia da admissão de prova

    A idéia da admissão de prova ilícita obtida de boa fé só é absurda se consideramos Sérgio e seus Morinhos operadores de justiça.

    Mas não são: são agentes políticos travestidos de procuradores e juízes.

    O Judiciário não está se politizando, está infiltrado de agentes políticos. Até no STF.

    Acho que foi Cromwell (realmente não tenho certeza, por favor, se eu estiver errado, não me comparem com Michel, o Minúsculo) que disse “A Inglaterra estará salva no dia em que os homens de bem tiverem a mesma audácia dos canalhas”.

    Pode ter sido outro vulto histórico a ter dito tal frase, e em outro país, e pode ser que, da mesma forma que Cromwell, seu autor não tenha sido exatamente um homem de bem, descontadas as eventuais circunstâncias históricas.

    Mas a verdade contida na frase é indiscutível.

    E aplicável.

  6. Fundamentalismo

    Os procuradorinhos paranaenses, em especial o deltan, têm agido como fascistas, ou ignorantões, ou mau caráteres ou fanáticos religiosos ou talvez a mistura de tudo isto. Talvez não sejam nada disto, mas têm agido assim e, como ensina aquele filósofo barbudo, as pessoas são o que fazem. E nós pagando os super salários destes mocinhos….

  7. DALLANGOLPE

    Dallangnol deveria ser conhecido como DALLANGOLPE. Um dia você vai ter que se explicar perante uma justiça verdadeira. Se eu fosse você começaria a vazar.

     

  8. dois milhões de juristas e o chefe pinel

    Um dos centros arrecadadores destas famigeradas assinaturas em certa capital era um local do jogo do bicho.

    O apontador, velhinho boa praça e jn, informava que um delegado estava a promover a baboseira para acabar com os males do PT e restaurar a salvação do corpo e da alma do País.

    Das duas milhões de assinaturas “tenho convicção” a maioria ser aécista e inconformada com o resultado das eleições.

  9. Nazistas chegaram ao poder por meios legais …

    Aproveito o título da matéria da FSP de hoje (Livraria da folha), que apresenta a obra “O livro de ouro da revoluções – Movimentos políticos que mudaram o mundo”, de Mark Almond, Ed. Harper Collins. Reproduzo um pequeno trecho daquele exemplar para reflexão:

    ““Em 30 de janeiro de 1933, Adolf Hitler foi designado chanceler da Alemanha. Embora completamente legal, o evento representou a culminação de uma tendência concentrada de contrarrevolução. Hitler e seu Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães não so eram violentamente anticomunistas, mas também rejeitavam abertamente a herança da Revolução francesa com sua Declaração dos Direitos do Homem. Após os nazistas se instalarem seu ministro da Propaganda, Dr. Josef Goebbels, anunciou: “O Ano de 1789 está a partir daqui erradicado da história.” Isto implica que os ideais universalistas de direitos humanos e igualdade da Revolução Francesa tinha sido substituídos pela visão racista e elitista dos nazistas …”

    O “mexer” das leis, principalmente nos direitos do cidadão tupiniquim, é o ideário dos “torquemadinhas” de Curitiba. Estão nos levando aos sombrios tempos do 3º Reich. Eles não tem um Goebbels mas recebem apoio das “famiglias” Marinho, Civita, Mesquita, Frias e de outros grupos menores da “cosca” da informação. A única condição é a “omertá” em relação ao Establisment e seus grupos representativos na política.

    “Espada de fogo” sobre os “corruptos”, principalmente os “vermelhos da estrela solitária” e seus simpatizantes … os do nosso lado … esqueçam …

     

  10. Só apoio basta?

    Passa despercebida a ideia perigosa de se buscar apoio para aprovação de tais medidas junto ao público leigo que não tem noção do universo de informações necessárias para uma análise abalizada e decisão consequente.

    Li que o nobre e esforçado procurador da república anda correndo as igrejas simpatizantes de sua causa (combate a corrupção) buscando assinaturas, apoios.

    Achava que o nobre procurador faria melhor se debatesse o tema e buscasse apoios junto à comunidade jurídica, junto aos operadores do Direito, no meio acadêmico.

    Apoios colhidos dessa forma, junto a um público que não tem a obrigação de compreender o universo em que está sendo obrigado a navegar são, no mínimo temerários e cujos resultados não refletem a realidade do que busca alcançar.

  11. A fraude no apoio das 10 Medidas

    O professor Bento está corretíssimo quando afirma que muitos dos apoiadores das “10 Medidas” não têm noção do que assinaram. Dou meu testemunho:

    Na porta do prédio do MPF na Rua Frei Caneca em SP, tinha uma mesa com o pedido de assinatura para combater a corrupção. As pessoas passavam e assinavam sem terem a menor noção do que eram e as consequências das 10 Medidas.

    Quem é a favor da corrupção ? O cidadão é contra e até assina uma suposta lei que visa combater a corrupção.

    Sugiro que um jornalista colete uma amostra das pessoas que assinaram o documento e faça uma entrevista para determinar i grau de conhecimnto sobre o projeto.  Não será surpresa comprovar que as pessoas não sabem exatamente o que assinaram.

  12. Sou contra

    Se têm o apoio desses procuradores , sou contra!

    O que me impressiona é que essas pessoas estudaram  direito, ou deveriam ter estudado.

    Lastimavél!!!!

  13. Uma das medidas vai anistiar casos passados?
    A mídia fez um grande alarido contra a tentativa de aprovar uma lei que criminalizaria o Caixa 2. Dizem que, definindo-se esse crime, os casos passados seriam anistiados. Li que uma das “10 medidas contra a corrupção” é exatamente essa: uma lei que define o Caixa 2 como crime. Se o raciocínio está correto, o Ministério Público propôs uma formá de anistia aos praticantes de Caixa 2. E duvido que alguém consiga aplicar uma lei nova a casos passados.

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