Documento desconstrói a PEC 241 e o discurso da austeridade

Com lançamento previsto paras hoje, 10, estudo faz análise das finanças públicas e da política fiscal no Brasil e põe abaixo simplificações e mitos, muitos dos quais baseados em argumentos econômicos supostamente técnicos que sustentam a austeridade

do Brasil Debate

Documento desconstrói a PEC 241 e o discurso da austeridade

GT de MACRO da SEP

Com lançamento marcado para segunda-feira, 10 de outubro, na Câmara dos Deputados, o documento ‘Austeridade e Retrocesso: Finanças Públicas e Política Fiscal no Brasil’ desconstrói a PEC 241 e o discurso da austeridade.

Elaborado por iniciativa do Fórum 21, Fundação Friedrich Ebert, GT de Macro da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP) e Plataforma Política Social apresenta uma análise aprofundada da questão fiscal, apontando seus problemas reais, denunciando os problemas fictícios e desmascarando os mitos que sustentam um discurso que se traveste como técnico, mas que atende a interesses políticos.

A força desse discurso se materializa na proposição da PEC 241, a PEC da Maldade, que pretende instituir uma austeridade permanente no Brasil a partir de diagnósticos e argumentos equivocados e falaciosos. Na verdade, trata-se da imposição de outro projeto de país, incompatível com a Constituição de 1988 e com a expansão de bens públicos como saúde e educação.

doc austeridade_capa 520x400_siteOKLeia, abaixo, o texto de apresentação. Leia a íntegra na Versão digital ou na versão PDF: Austeridade e Retrocesso

Austeridade e Retrocesso: Finanças Públicas e Política Fiscal no Brasil

Desde o final de 2014, o Brasil vem sendo submetido à retórica que propõe a austeridade como único caminho para recuperar a economia. Com o objetivo de melhorar as contas públicas e restaurar a competitividade da economia por meio de redução de salários e de gastos públicos, a austeridade se sustenta em argumentos controversos e até mesmo falaciosos. Entre os principais experimentos internacionais, vem predominando resultados contraproducentes, não resultando em crescimento, tampouco equilíbrio fiscal. O que sim é menos controverso é que tais experimentos têm como objetivo redesenhar o papel do Estado para atender interesses velados. No Brasil, o ajuste econômico ortodoxo, iniciado na gestão Levy, fracassou em retomar o crescimento e estabilizar a dívida pública, contribuindo para lançar o país no maior retrocesso econômico das últimas décadas.

Não obstante, o ajuste ajudou a criar as condições necessárias para mudança da correlação de forças políticas e para impor ao país, passando ao largo do crivo das urnas, um outro projeto de sociedade. Nesse contexto, esse documento procede uma análise das finanças públicas e política fiscal no Brasil, procurando esclarecer as principais causas da atual crise fiscal, assim como desconstruir simplificações e mitos, muitos dos quais baseados em argumentos econômicos supostamente técnicos que sustentam a austeridade. O documento também é propositivo ao apontar alternativas fiscais para um projeto de país que valorize a democracia, a distribuição da renda e da riqueza e a expansão dos direitos sociais.

Da agenda Fiesp ao austericídio

A economia brasileira entrou em uma trajetória de desaceleração no quadriênio 2011-2014 depois do desempenho extraordinário durante 2007-2010. Há fatores que escapam à política econômica e explicam essa desaceleração, dentre eles a perda de dinamismo de um ciclo doméstico de consumo e de crédito ou os desdobramentos da crise internacional. Contudo, é importante apontar que a política fiscal praticada pelo governo contribuiu para essa trajetória de queda do crescimento.

Enquanto no quadriênio 2007-2010 o espaço fiscal foi canalizado prioritariamente para investimentos públicos, no quadriênio 2011-2014 a taxa de investimento parou de crescer e, em compensação, o governo elevou significativamente os subsídios e desonerações ao setor privado. O governo fez uma aposta no setor privado e acreditou que promoveria o crescimento econômico via realinhamento de preços macroeconômicos e incentivos aos investimentos privados – a chamada agenda FIESP. Ironicamente, a FIESP passou de beneficiada das políticas de um governo para algoz do mesmo.

Como resposta ao cenário de piora nos indicadores fiscais provocada pela queda no crescimento econômico e pelas desonerações, o segundo governo Dilma tem início adotando a estratégia econômica dos candidatos derrotados no pleito de 2014, ou seja, realizou um choque de preços administrados e um duro ajuste fiscal e monetário, na esperança de que o setor privado retomasse a confiança e voltasse a investir. Joaquim Levy foi o símbolo da implementação da austeridade econômica no Brasil que consiste em uma política deliberada de ajuste da economia por meio de redução de salários e gastos públicos para supostamente aumentar lucros das empresas e sua competitividade, assim como tentar estabilizar a trajetória da dívida, com resultados contraproducentes.

O forte ajuste fiscal, em uma economia já fragilizada, agravou os problemas existentes e contribuiu para transformar uma desaceleração em uma depressão econômica. O ajuste fiscal promovido se mostrou contraproducente, pois gerou aumento da dívida pública e do déficit público.

Em 2015, por exemplo, os investimentos públicos sofreram queda real de mais de 40% no nível federal, o gasto de custeio caiu 5,3%, e o governo não logrou a melhoria das expectativas dos agentes econômicos que justificaria esse ajuste com vistas a retomar o crescimento. Pelo contrário, a economia real só piorou e as expectativas se deterioraram, apesar de toda a austeridade fiscal manifestada e praticada. Naquele ano, apesar de todo o esforço do governo para reduzir as despesas, que caíram 2,9% em termos reais, as receitas despencaram e o déficit ficou ainda maior, evidenciando o caráter contraproducente do ajuste: o austericídio.

A virada para a austeridade foi um remédio equivocado para os problemas pelos quais a economia brasileira passava. O tratamento de choque fundado em uma contração fiscal, um rápido ajuste na taxa de câmbio, um choque de preços administrados e um aumento de juros contribuiu para criar a maior crise econômica dos últimos tempos. Contudo, para determinados interesses políticos, o ajuste se mostrou funcional ao gerar desemprego, queda de salários reais e assim mudar a correlação de forças para favorecer a imposição de outro projeto de país, sem passar pelo crivo das urnas.

O novo regime fiscal e a imposição de outro projeto de sociedade

A gestão da política fiscal protagonizada pelo governo Temer lançou sinais contraditórios com relação à continuidade das políticas de austeridade. Para o curto prazo definiu-se o “keynesianismo fisioló-gico” e para o longo prazo, a “austeridade permanente”.

O afrouxamento da meta fiscal para 2016 e 2017 evidencia por um lado o pragmatismo econômico e, por outro lado, hipocrisia dos que argumentam pela austeridade e, simultaneamente, passam a defender um déficit primário recorde no novo Governo.

Como medida de longo prazo, o governo Temer propõe estabelecer um “Novo Regime Fiscal” por meio de uma proposta de emenda constitucional (PEC 241) que cria por 20 anos um teto para crescimento das despesas públicas vinculado à inflação. Enquanto a população e o PIB crescem, os gastos públicos ficam congelados.

A proposta apoia-se em argumentos falsos de que nações desenvolvidas usam regras semelhantes. Desde 2011, membros da União Europeia estabeleceram um limite para o crescimento da despesa associado à taxa de crescimento de longo prazo do PIB e não em crescimento real nulo. Na maioria desses países já existe uma estrutura consolidada de prestação de serviços públicos, diferentemente do Brasil onde há muito maiores carências sociais e precariedades na infraestrutura.

Segundo nossas estimativas, a regra implicaria reduzir a despesa primária do governo federal de cerca de 20% do PIB em 2016 para algo próximo de 16% do PIB até 2026 e de 12% em 2036.

Adicionalmente, para que o teto global da despesa seja cumprido – dado que algumas despesas como os benefícios previdenciários tendem a crescer acima da inflação – os demais gastos (como Bolsa Família e investimentos em infraestrutura) precisarão encolher de 8% para 4% do PIB em 10 anos e para 3% em 20 anos, o que pode comprometer o funcionamento da máquina pública e o financiamento de atividades estatais básicas. Essa meta não parece ser realista.

A nova regra não prevê nenhum mecanismo para lidar com crises econômicas ou outros choques. Ao contrário, tende a engessar a política fiscal por duas décadas.

Na verdade, o que o novo regime se propõe a fazer é retirar da sociedade e do parlamento a prerrogativa de moldar o tamanho do orçamento público, que passará a ser definido por uma variável econômica (a taxa de inflação), e impor uma política permanente de redução relativa do gasto público.

Em suma, trata-se da imposição de um projeto de país que dificilmente passaria no teste de um pleito eleitoral, única forma de garantir sua legitimidade.

Quem ganha? Quem não quer financiar os serviços públicos por meio de impostos e o grande capital que enxerga o Estado como concorrente quando esse ocupa setores que poderiam ser alvo de lucros privados, como saúde e educação.

Quem perde? A população mais pobre, isto é, aqueles que são os principais beneficiários dos serviços públicos. Além disso, aqueles que vislumbram uma sociedade mais justa e igualitária.

O falacioso discurso da austeridade

A austeridade é uma política deliberada de ajuste da economia por meio de redução de salários e gastos públicos supostamente com o objetivo de reduzir a dívida e aumentar lucros e a competitividade das empresas.

A recomendação de que o Estado deve cortar gastos em momentos de crise parte de uma falácia de composição que desconsidera que se todos os agentes cortarem gastos ao mesmo tempo, inclusive o Estado, não há caminho possível para o crescimento. A solução mais razoável para tratar de um desajuste fiscal em meio a uma recessão é, portanto, estimular o crescimento, não cortar gastos.

No círculo vicioso da austeridade, cortes do gasto público induzem a redução do crescimento que provoca novas quedas da arrecadação que, por sua vez, exige novos cortes de gasto. Esse círculo vicioso só pode ser interrompido por decisões deliberadas do governo, a menos que haja ampliação das exportações líquidas em nível suficiente para compensar a retração da demanda interna, pública e privada. Esta exceção é pouco provável diante de uma crise internacional como a que o mundo enfrenta nesta década, com lenta recuperação da demanda e maior competição pelos mercados.

A obsessão alarmista contra qualquer elevação da dívida pública esconde uma agenda política permeada por interesses de grupos econômicos, mas travestida como uma questão meramente técnica, seja ao defender a retração de bancos públicos, seja ao demandar a redução dos gastos sociais.

No fundo, a austeridade é principalmente um problema político de distribuição de renda e não um problema de contabilidade fiscal. Os efeitos da austeridade afetam de forma distinta os diferentes agentes econômicos e classes sociais de forma que os mais vulneráveis, que fazem mais uso dos serviços sociais, são mais afetados.

Apesar das inúmeras evidências contrárias à sua eficácia, a austeridade persiste como ideologia e sempre retorna ao debate político por ser oportuna para os grupos dominantes de poder.

A insensatez do superávit primário

O regime fiscal brasileiro é extremamente pró-cíclico, ou seja, acentua as fases de crescimento e de recessão. Assim, em contextos de baixo crescimento, a busca pelo cumprimento da meta fiscal por meio de uma política fiscal contracionista retira estímulos à demanda agregada e reduz ainda mais o crescimento econômico e a própria arrecadação.

Um segundo fator a se sublinhar sobre o regime fiscal brasileiro é sua natureza “anti-investimento”, porque, diante de uma estrutura de gastos públicos rígida, os cortes de despesa recaem primordialmente sobre o investimento público, um dos poucos gastos passíveis de contingenciamento. O mesmo regime impõe uma lógica curto-prazista à gestão da política fiscal e subordina o planejamento governamental.

Na ditadura do superávit primário, os fins são atropelados pelos meios, e tudo se submete à necessidade de cumprir a meta de curto prazo, inclusive o próprio crescimento, o emprego e o bem estar da população. Portanto, um novo modelo de gestão fiscal precisa ser constituído, de caráter anticíclico, que viabilize o planejamento e que priorize o investimento público.

Há diversas variantes institucionais para um regime fiscal, dentre essas estão as que estipulam metas fiscais ajustadas ao ciclo econômico, como a meta de “resultado fiscal estrutural”. Ou alternativamente, pode-se adotar bandas fiscais de forma análoga ao que ocorre no regime de metas de inflação. Ainda há a opção, aplicada em alguns países, de retirar todo investimento público do cálculo do superávit primário (assim como o gasto com juros é excluído desse indicador) e assim incentivar o uso do investimento público como vetor de desenvolvimento e abrir espaço para atuação anticíclica do gasto público.

Desmistificando a dívida pública

A dívida brasileira é tão grande? Qual é o parâmetro para definição de “grande”? Na verdade, poucos economistas se arriscam a definir um parâmetro ótimo para dívida pública, simplesmente porque as evidências não parecem indicar que esse patamar exista. Não há um número mágico a partir do qual a relação dívida pública/PIB torna-se problemática. Isso vai depender das especificidades de cada país.

No Brasil, a excessiva preocupação com o patamar da dívida é carregada por preconceitos ideológicos e por uma visão estreita sobre a relação entre Estado, moeda estatal e dívida pública. Uma dívida elevada pode custar muito caro, mas um Estado soberano não quebra por conta de dívidas na sua própria moeda. Por isso, a natureza da dívida pública se diferencia substancialmente da gestão de dívidas privada e o governo não incorre nas mesmas restrições para gasto e endividamento. O paralelo com a economia da dona de casa não serve para as finanças públicas.

Entre 2003 e 2013 a redução da relação dívida líquida/PIB foi expressiva, de 54,3% para 30,6%, muito embora as taxas de juros continuassem pesando no orçamento público.

A dívida externa pública, por sua vez, caiu e, a partir de 2006 o país passou a realizar uma política de acumulação de reservas cambiais, tornando-se credor externo líquido. Por conta disso, quando em 2008 a crise mundial determinou forte depreciação da moeda brasileira, a acumulação de reservas cambiais propiciou significativos ganhos patrimoniais para o Estado brasileiro.

No final de 2014, pelo critério da dívida líquida não havia um cenário de tragédia fiscal, desenhado pelos economistas da mídia e do mercado. Havia sim, condições financeiras para realizar uma política anticíclica que ampliasse o investimento público e o gasto social para impedir que a desaceleração cíclica se transformasse em uma depressão. À época, a necessária e esperada desvalorização cambial apenas contribuiria para reduzir o patamar da dívida líquida, ampliando o espaço fiscal para políticas de estímulo ao crescimento.

Apesar da redução substancial da dívida líquida, na última década a dívida bruta manteve-se relativamente estabilizada e passou a crescer a partir de 2013. Diferentemente do senso-comum, essa dinâmica da dívida bruta não é explicada pela “gastança do governo” ou o resultado primário, mas principalmente pela acumulação de ativos por parte do Estado como a acumulação de reservas cambiais e de créditos junto ao BNDES.

Essa estratégia possui méritos como, por exemplo, a redução da vulnerabilidade externa do setor público. Da mesma forma a política de expansão dos empréstimos do BNDES, em 2009, foi importante para a ação contracíclica que assegurou a recuperação rápida da economia brasileira na maior crise da história do capitalismo mundial desde a década de 1930. No entanto, não devemos negligenciar seus elevados custos.

A estratégia de acumulação simultânea de ativos e passivos, com grande diferencial de rentabilidade entre eles, explica boa parte da elevada conta de juros. Em 2015, domando-se os custos de oportunidade da manutenção das reservas internacionais e dos créditos ao BNDES com o resultado das operações de swaps cambiais, chegamos a 4,9% do PIB.

Em suma, se o objetivo for equacionar a dívida bruta é preciso desatar o nó da gestão macroeconômica, reduzir substancialmente o gasto com juros e ponderar o custo da estratégia de acumulação de ativos. A ideia que se disseminou no Brasil de que ao governo só compete controlar os gastos primários, desconsiderando os custos e benefícios fiscais das demais políticas macroeconômicas, deve ser revista e amplamente debatida.

Mito da gastança federal

O diagnóstico convencional da crise pela qual passa o país se traduz simplificadamente na seguinte narrativa: os governos do PT expandiram demais os gastos públicos, encobriram o déficit público crescente por meio da chamada “contabilidade criativa” e das “pedaladas fiscais” e esse tipo de política fiscal expansionista e nada transparente destruiu a confiança do mercado e mergulhou o paísna estagflação.

Contudo, a análise dos dados mostra que, de fato, a despesa do governo vem crescendo a um ritmo elevado e estável há tempos. As taxas médias de crescimento real do gasto do governo federal dos últimos quatro governos foram: FHC II (3,9%), Lula I (5,2%), Lula II (5,5%) e Dilma I (3,8%).

O principal fator por detrás do crescimento das despesas na esfera federal não são os gastos com pessoal, como muitos acusam. Estes crescem sistematicamente abaixo do PIB e tiveram sua menor taxa de expansão real justamente no governo Dilma I (-0,3%), ao contrário do que ocorre, por exemplo, nos estados e municípios, onde o gasto com salários e aposentadorias de servidores tem crescido a 5,5% ao ano, independentemente da coloração partidária do governante.

O motor do gasto federal tem sido os benefícios sociais (aposentadorias e pensões do INSS, benefícios a idosos e deficientes, seguro-desemprego, bolsa família, etc), que hoje consomem metade do gasto da União (mais de R$ 500 bilhões em 2015) e crescem a taxas sistematicamente superiores ao PIB pelo menos desde 1999, por influência principal de fatores demográficos, da justa formalização e dos direitos consagrados na Constituição e, adicionalmente, pela política de valorização do salário mínimo.

Porém, uma visão mais acurada dos gastos sociais mostra que tampouco nesta área houve expansão desenfreada, sobretudo frente às demandas sociais brasileiras, e que a política de valorização do salário mínimo contribuiu para este cenário, mas com impactos sobre a redução da desigualdade relevantes. Certamente é possível discutir excessos e tornar o gasto mais eficiente, mas as possibilidades de fontes de financiamento discutidas neste documento evidenciam que este é um debate que deve envolver toda a sociedade brasileira.

Vale notar que, a despeito de gastos elevados, o governo conseguiu manter resultados fiscais positivos na última década e meia pelo aumento da carga tributária (1999-2005) ou pelo crescimento mais acelerado do PIB (2006-2011). Nos governos Lula, enquanto o país crescia, não havia desajuste fiscal apesar do crescimento do gasto público. Mas a partir de 2012, com a queda do crescimento econômico e com as desonerações tributárias, houve uma piora dos resultados fiscais.

Reforma tributária, já!

A estrutura tributária brasileira é extremamente perversa com os mais pobres e a classe média e benevolente com os mais ricos. Esse sistema singular é reflexo tanto do federalismo brasileiro e da dualidade tributária (impostos e contribuições sobrepostos), quanto de algumas recomendações de política que o mainstream econômico propagou nas décadas de 80 e 90 e que foram incorporadas de forma bastante acrítica ou peculiar pelo Brasil.

A agenda de reformas da tributação sobre a renda e o patrimônio, que envolve um forte conflito distributivo, permaneceu totalmente embargada nos últimos 20 anos, não tendo o governo federal apresentado qualquer proposta de reforma mais substancial que visasse ampliar a progressividade ou mesmo corrigir as graves distorções ensejadas pela atual legislação.

O Brasil foi um dos primeiros países e até hoje um dos poucos que isentou e continua isentando de imposto de renda os dividendos distribuídos a acionistas, tal como a pequena Estônia.

De acordo com os dados das declarações de imposto de renda, as 70 mil pessoas mais ricas do Brasil, representando meio milésimo da população adulta, concentram 8,2% do total da renda das famílias, índice este que não encontra paralelo entre as economias que dispõem de informações semelhantes. Esse mesmo seleto grupo pagou apenas 6,7% de imposto de renda sobre esse montante.

Além de injusta, essa assimetria entre o tratamento tributário dispensado a dividendos e salários tem sido responsável por um fenômeno conhecido por “pejotização”, que é a constituição de empresas por profissionais liberais, artistas e atletas com o objetivo de pagar menos impostos do que como autônomos ou assalariados.

Nesse contexto, a proposta de se aumentar alíquotas do imposto de renda das pessoas físicas sem revogar a isenção de dividendos não proporciona uma redistribuição de renda tão efetiva uma vez que as alíquotas progressivas da tabela do Imposto de Renda (IRPF) só atingem os “rendimentos tributáveis”, o que não inclui atualmente a distribuição de lucros e dividendos que são as principais fontes de renda dos mais ricos. Então, qualquer proposta de reforma do imposto de renda que não passe pela tributação dos dividendos não será tão efetiva nos objetivos de contribuir com uma maior justiça fiscal e também gerar receitas extras para o governo.

Na atual conjuntura de crise, é pouco razoável crer na possibilidade de um equilíbrio fiscal com baixo crescimento. Isso implica que, no curto prazo, deveríamos no mínimo assegurar espaço fiscal para o investimento público e para gastos sociais de elevado impacto sobre o bem-estar das camadas mais vulneráveis da população.

Uma reforma tributária, que combine eficiência e equidade poderia atuar incentivando o crescimento econômico de longo prazo ao reduzir a tributação do lucro e da produção das empresas, ao mesmo tempo em que concentra o ajuste fiscal de curto prazo sobre uma pequena parcela da poupança dos mais ricos, não diretamente relacionada ao investimento, e, por conseguinte, vinculada a um maior nível de emprego e produto. Assim, ganha-se tempo para aprimorar outras propostas de reformas estruturais das despesas, debatê-las com a sociedade e pactuá-las democraticamente .

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Redação

18 Comentários

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  1. O caminho mais curto para a redução dos gastos públicos…

    O caminho mais curto para reduzir os gastos públicos e gerar superávit a ser aplicado para desenvolver o Brasil é reduzir a taxa de juros e faer uma auditoria da dívida pública. O maior gasto público do Brasil é com meia dúzia de rentistas improdutivos.

    Como afirmou Eduardo Campos, ‘cada meio ponto de alta na Selic custa R$ 14 bilhões aos cofres públicos, só aí você tem dinheiro para o passe livre’.

    Mas essa elite entreguista não vai reduzir a taxa de juros tão facilmente, principalmente porque a população vive apática. E mesmo que altas taxas de juros coexistam pacificamente com altos índices inflacionários.

    1. A Divida pública Brasileira é sinônimo de concentração de renda

      Retirando dos que mais necessitam para os que mais possuem, esses canalhas vivem mamando o orçamento público a custa dessa política criminosa monétaria que é feita pelo Banco Central.

       

      Não existe mudança alguma na sociedade Brasileira sem uma auditória da divida pública.

  2. Só uma besta pode pensar que, ao acabar com

    saúde e educação públicos, as pessoas irão migrar para o setor privado. A imensa maioria das pessoas não usa SUS e escola pública por escolha ideológica, mas por falta de condições financeiras. Se eles deixarem de existir, as pessoas vão morrer por falta de atendimento médico e as crianças vão deixar de estudar e as bestas dos empresários vão se ver em terra arrasada. O problema de nossa “elite” é que ela é tão burra e ignorante quanto a turba de camisas CBF que ela usa quando convém.

  3. Para mim o jogo é claro

    Os tubarões golpistas sabem que a probabilidade de, numa democracia, mesmo que dissimulada, forças prograssistas voltarem ao poder é maior do que manter o país sob um regime de exceção indefinidamente. Sabem que, mesmo com moro e seus golpistinhas amestrados, Lula pode ganhar a eleição (se não o matarem), há de se convir que essa PEC tem como principal objetivo engessar o orçamento e a governabilidade do próximo presidente. Aliás, dos próximos cinco presidentes. Se esse traste passar no congresso, a primeira coisa que um novo governo legitimamente eleito deve fazer é tirar esse traste do caminho.

  4. O sepultamento do estado do bem-estar social e do keynesianismo

    Muitos acreditam que o mundo capitalista superou a crise desencadeada em 1929 ao adotar as políticas keynesianas de gastos estatais. Mas as pessoas sensatas sabem que tal crise foi superada através da queima de capital promotivida pela segunda guerra mundial. A PEC dos gastos mostra que keynes não tem mais adeptos no mundo capitalista. Está desmoralizado e refutado inclusive pela direita. Os gastos opúblicos só pioram a situação da burguesia.

     

  5. Temer pede para o povo

    Temer pede para o povo aguentar a PEC que vai afetar os serviços públicos, porém, aumenta verba pública em 586%.”           O que o USURPADOR GOLPISTA pretende pé te convencer que, ficando CEGO, seu OLFATO vai melhorar.

  6. E os gastos com juros???

    Acho que não li o texto direito. Vou voltar a ele e fazer uma leitura com mais atenção. Mas o texto se refere como “o motor do gasto federal” os beneficios sociais, incluídos aí Previdência Social, Seguro-desemprego, Bolsa Família, etc, etc (mais de R$ 500 bilhões em 2015). Pergunto: e os gastos com juros, digníssimos caras pálidas????????????? Qual o peso do gasto com juros????????????

  7. Uma Visão ao passado de FHC, não gastar para empobrecer…

    Uma visão holistica do cenário econômico, que com as medidas estabelecidas pelo novo governo, irá levar ao colapso um sistema que nesses 13 anos começava a engatinhar.

  8. E por isso esquerda e direita devem se alternar no poder

    A esquerda fez programas sociais mais do que necessários e urgentes, mas não promoveu nenhuma reforma modernizadora de nossas instituições e ainda arruinou o equilíbrio financeiro do governo e o controle inflacionário. Agora a direita irá fazer reformas igualmente necessárias, as quais a esquerda se recusou a tentar fazer da sua própria maneira. A alternação de poder em um país é excelente por conta disso, o que a direita deixa de fazer, a esquerda faz, e vice-versa. Claro que seria muito melhor, em minha opinião, que a esquerda tivesse feito essas reformas. Ninguém em sã consciência pode considerar a CLT, criada em uma país pré-industrial, é adequada quase 100 anos depois, em um país pós-industrial com a maior parte da economia no setor de serviços. Qualquer um com domínio básico em matemática sabe que o envelhecimento da população é um problema aritmético para a previdência – agravado em muito em terrras tupiniquins pelos privilégios infinitos do alto funcionalismo público. No entanto, a esquerda preferiu os chavões e frases feitas ao invés de encarar a complexa realidade  de longo prazo do país. É o que sempre digo, não fosse a falta de visão de longo prazo da nossa esquerda em economia e admnistração pública, não haveria espaço para a direita na América Latina. Sendo assim, até que a direita aprenda a ter sensibilidade social e a respeitar direitos das minorias, e até que a esquerda aprenda sobre gestão, planilhas de custos e economia, devemos felicitar a possibilidade de alternar um e outro no poder.

    1. Porque não há alternância no governo de São Paulo?

      Quer dizer que quem arruinou o equilíbrio financeiro não foram as altas taxas de juros, que são fixadas pelo Banco Central?

      A CLT é arcaica? E a miséria dos trabalhadores também não é arcaica?

      As rodas são mais arcaicas do que a CLT. Porque o Senhor não substitui as rodas do seu veículo por cubos?

      O Senhor entende muito pouco de economia e menos ainda de política.

      1. Ruy

        1) Alguns exemplos da realidade do trabalho sob as condições da atual CLT. Realidade na qual eu vivo, ao invés de especular de um gabinete acadêmico ou em Brasília. Para me inserir no mercado de informática, não pude ser contratado como terceiro, porque a legislação não permite. Tive que abrir uma empresa (fenômeno conhecido como PJ-otização), e assim não tinha férias nem décimo terceiro. Ou seja, a legislação atual me empurrou para uma situação com muito menos direitos. Te dou outro exemplo, já que trabalho em uma fábrica: se 70% da capacidade da fábrica está ociosa, não é possível um acordo entre funcionários e empresa para reduzir a jornada de trabalho com redução proporcional do salário – de maneira TEMPORÁRIA – para evitar mandar gente embora. Na legislação atual, uma situação de crise só pode ser resolvida com DEMISSÃO. Que mais? A esmagadora maioria de trabalhadores informais não está em multinacionais malvadas, mas trabalhando em padarias, mercearias e oficinas na periferia das cidades, visto que os encargos tornariam impossível pequenos negócios funcionarem. 2) Sobre os juros altos: o estado brasileiro investe pouco e gasta muito com custeio. Dessa maneira, ele apenas injeta liquidez no mercado, sem fomentar a produção, e ainda por cima suga todo crédito disponível para se financiar. Isso suprime a oferta, incentiva a inflação e cria um mercado de crédito caro. É o perfil ruim de gasto governamental, que não investe, mas seca gelo com o custeio, o que deixa o Banco Central enxugando gelo sozinho com juros na lua. Antes que me venham falar bobagens: querer que o estado deixe de ser apenas um gastador com custeio e passe a investidor é algo muuuuuuito distante de defender o estado mínimo. Espero me ter feito claro.

    2. Agora isso não é problema !!A

      Agora isso não é problema !!A direita amarrou o país por 20 anos !!! Pode botar o Stédile na presidência que o programa já está definido.

      Isso não é alternância de poder !!!

      1. Marcelo 33, será que amarrou mesmo?

        A grande discussão que virá é em que o estado brasileiro vai investir prioritariamente: em pensões milionárias do alto funcionalismo ou em educação? Em salários de professores ou em aumentos em cascata para juízes do supremo? No mínimo vamos ser forçados a discutir a qualidade dos gastos. Qual problema nisso? Ou por acaso se a esquerda voltar ao poder ela vai continuar dando preferência a funcionários públicos com salário acima da média nacional em detrimento dos professores e médicos que sustentam a saúde e a educação? A luta vai agora vai ser contra a hipocrisia na prioridade usualmente dada aos gastos nacionais.

  9. Podem soltar Lula: com PEC 241 eleição vira concurso de Miss

     

    >>Podem soltar Lula: com PEC 241 eleição vira concurso de Miss, por Ciro d’Araújo, Marcos Villas-Bôas & Romulus<<
     

     ROMULUS
     SEG, 10/10/2016 – 22:31
     ATUALIZADO EM 11/10/2016 – 06:46

    Podem deixar Lula solto: com PEC 241 eleição presidencial vira apenas concurso de Miss
    Por Ciro d’Araújo, Marcos Villas-Bôas & Romulus

    >> NÃO IMPORTA QUEM VAI SER ELEITO EM 2018. Lula vai estar inelegível ou preso, mas mesmo se não estiver, se ele for eleito o programa que vai governar não será o dele. Pode ser a Dilma, pode ser o Ciro Gomes, pode ser a Luciana Genro. Simplesmente NÃO IMPORTA. Teremos eleições, eleições irrelevantes. A única minimamente relevante será a legislativa, e apenas na construção da SUPERMAIORIA <<

    >> Ciro d’Araújo:
    Amigos, eu estava tranquilo da vida (na medida do possível), até que resolvi LER a PEC 241.

    O Romulus sabe que eu sou favorável ao ajuste fiscal. Acho inevitável que seja feito. Sabe também que eu acredito numa consolidação fiscal de longo prazo, aos poucos. Um ajuste estilo “Levy”, intenso e rápido, eu sei que nunca daria resultados.

    Porém nada pode justificar essa excrecência que é a PEC 241.

    Primeiramente, a PEC 241 é literalmente o novo pacto constitucional seguido da ruptura institucional. Muita gente dizia que não haveria (haverá) eleições em 2018. Eu agora tenho certeza que haverá, e essa eleição será absolutamente irrelevante. O programa que tomará posse já está definido aqui.

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     (i) PEC 241: “eu quero é que pobre se exploda!”; (ii) acima da Constituição só as Tábuas da Lei, não é mesmo, Dallagnol? 

     

  10. Quero ver “descontruir”
    Quero ver “descontruir” aquela conversa de que o “governo Dilma ‘aplicou’ a política da oposição”…

    Cansa.

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