Juíza do Trabalho denunciou não só o machismo, mas o desmonte do Estado

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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“O projeto de descaracterização do Estado Social, com eliminação de direitos sociais, é uma realidade cada vez mais presente e perversa. E a Justiça do Trabalho está na mira desse movimento de desmanche”, diz Valdete Severo

JornaL GGN – Valdete Souto Severo, juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, protagoniza uma entrevista no Sul 21, publicada nesta segunda (16), que denuncia os ataques recheados de machismo e misoginia por causa de uma decisão que prejudicou os interesses do governo do Rio Grande do Sul. Mas não só isso. A reportagem deu a Severo espaço para que ela apontasse, sem economia de palavras, a gravidade dos golpes aos direitos sociais desferidos pela gestão de Michel Temer na Presidência – que tem sido conivente com tentativas de se esvaziar a Justiça do Trabalho.

Severo passou a ser atacada nas redes sociais no últimos dias com xingamentos como “puta”, “juíza de merda” e “vagabunda” por ter suspendido a demissão de funcionários de cinco fundações que foram extintas pelo governo de José Ivo Sartori (PMDB) no apagar das luzes de 2016. Esses funcionários foram contratados por concurso público, mas o Estado tentou demitir a todos, com a votação de um projeto na calada da noite, sem passar por negociação coletiva com sindicatos. 

Uma página nas redes sociais especializada em difamar ideais progressistas criou um meme sobre a juíza que espalhava a seguinte mensagem: “Sou mesmo uma bitch. Essa juíza de Porto Alegre proibiu o governo de demitir funcionários de ONGs que recebem para não faz nada. Esse é o Judiciário que nos ferra.”

Mas Valdete Severo, que recebeu apoio de diversas entidades em defesa dos magistrados e do Tribunal onde atua, não se calou. Em entrevista ao Sul21, ela avaliou que a “intensidade e a agressividade das manifestações contra a decisão, sem sequer fazer alusão aos termos dela, mas centrando forças em ofensas pessoais e misóginas mostra que o direito social realmente enfrenta um período de franca oposição e todos aqueles que o defendem estão na mira de quem o quer destruir.”

“Esse episódio que ocorreu comigo já se repetiu com outros colegas. Estamos vivendo um momento de caça às bruxas bem perigoso. Temos que ter atenção a isso. É o fenômeno da reação da massa, que Hannah Arendt enfrenta tão bem em sua obra, acaba criando legiões de imbecis. Pessoas que ofendem sem conhecer, criticam sem ler, reproduzem pensamentos prontos, muitos dos quais as atingem, ou seja, concretamente significam perda até mesmo de direitos de liberdade, tipicamente liberais (ou de direita como querem alguns)”, disparou.

Em outra passagem, ela apontou que o Orçamento 2016 feito pelo hoje ministro da Saúde, deputado federal licenciado Ricardo Barros (PP), teve o intuito de estrangular a Justiça do Trabalho com um corte de recursos que nenhum outro braço do Judiciário sofreu.

“Existe uma tentativa de eliminar, de extinguir a justiça do trabalho, o corte do orçamento que a gente viveu no ano passado é uma clara demonstração disso. Especialmente porque nos seus motivos o, hoje ministro, então relator, Ricardo Barros, deixa muito claro que está fazendo corte de gastos em função da atuação da justiça do trabalho. É um discurso que além de ser mentiroso tem uma visão muito estreita das coisas. Eu até tenho amigos empresários que comentam, será que eles estão se dando conta que se eliminam a justiça do trabalho não tem mais contenção, não tem mais espaço de diálogo, não tem mais ambiente de conciliação entre capital e trabalho, e que isso talvez seja muito pior pra quem emprega, do que pra quem depende do trabalho para sobreviver? (…) O momento agora é de perceber que é uma instituição necessária tanto para quem trabalha, quanto para quem explora o trabalho.”

A juíza também criticou a reforma trabalhista em elaboração pelo governo Temer, que já acenou com simpatia para terceirização de atividade fim, negociações entre empregado e empregador à revelia das leis, entre outros pontos que afrontam os direitos dos trabalhadores. Para ela, apesar da marcha contra garantias sociais, a parte positiva é que a sociedade pode se conscientizar disso e lutar para evitar o desmonte.

“A vantagem agora é que as cartas estão na mesa, não tem mais disfarce. É algo ostensivo. Se é ostensivo, nos dá elementos para lutar com mais força. Então agora nós sabemos qual é o objetivo, nós temos elementos e temos racionalidade suficiente para isso, muitas obras, muitos artigos, muitas manifestações de pessoas ligadas ou não à área de direito do trabalho. Me parece que agora temos condições de criar um discurso que demonstre, inclusive com fato históricos, a falácia dessa tentativa de retirar direitos trabalhistas e desse discurso que diz se tirar direitos a economia melhora. Historicamente não é assim. A economia se sustenta principalmente em direitos sociais fortes que permitam que as pessoas consumam, andem pelas ruas, sem o terror da barbárie sempre à espreita.”

Já no Facebook, a magistrada afirmou que não se sentiu ofendida pelos ataques machistas.

“(…) Nas palavras de ódio a mim endereçadas foram atacadas todas as mulheres que lutam pelo que acreditam e tem a coragem de enfrentar os desafios que a realidade lhes impõe todos os dias”, comentou.

Segundo a juíza, os ataques tinham como pano de fundo “uma sórdida tentativa de aniquilação do que o outro representa em sua condição humana. E por trás dessa misoginia escancarada esconde-se a outra face do recurso de exaltação do ódio. O projeto de descaracterização do Estado Social, com eliminação de direitos sociais, é uma realidade cada vez mais presente e perversa. E a Justiça do Trabalho está na mira desse movimento de desmanche.”

“O ataque, portanto, também se endereça ao Direito do Trabalho e a todos aqueles – e são tantos – que acreditam na necessidade de preservação de um mínimo de direitos capazes de permitir uma existência minimamente digna na realidade capitalista. A fúria destruidora daqueles que, sem argumentos, ofendem, deve servir de alimento para nossa resistência.”

Valdete atua na defesa dos direitos trabalhistas, é pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (USP) e da Rede Nacional de Pesquisa e Estudos em Direito do Trabalho e Previdência Social (RENAPEDTS). Além disso, é Coordenadora e Diretora da Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul (FEMARGS).

Com informações do Sul 21 e Justificando

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

8 Comentários

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  1. Valeu Valdete!

    É em meios as trevas patrocinada tambem pelo judiciário brasileiro que sobressaem fachos de luzes com esse. Que outra luzes percam o medo de mostrar seu brilho e nos ajude a enfretar o temerbroso.

    Valeu Valdete!

  2. Essa Mulher é linda em todos os sentidos

    Val, fiquei apaixonado por você, no bom sentido, é claro. A ela dedico um poema do Brecht:

    Não desperdicem um só pensamentoCom o que não pode mudar!Não levantem um dedoPara o que não pode ser melhorado!Com o que não pode ser salvoNão vertam uma lágrima! MasO que existe distribuam aos famintosFaçam realizar-se o possível e esmaguemEsmaguem o patife egoísta que lhes atrapalha os movimentosQuando retiram do poço seu irmão,com as cordas que existem em abundância.Não desperdicem um só pensamento com o que não muda!Mas retirem toda a humanidade sofredora do poçoCom as cordas que existem em abundância!

  3. Querida Val, eu vacilei. O Poema era o que transcrevo abaixo

    O Pão do Povo

    (Brecht)

    A justiça é o pão do povo.Às vezes bastante, às vezes pouca.Às vezes de gosto bom, às vezes de gosto ruim.Quando o pão é pouco, há fome.Quando o pão é ruim, há descontentamento.Fora com a justiça ruim!Cozida sem amor, amassada sem saber!A justiça sem sabor, cuja casca é cinzenta!A justiça de ontem, que chega tarde demais!Quando o pão é bom e bastanteO resto da refeição pode ser perdoado.Não pode haver logo tudo em abundância.Alimentado do pão da justiçaPode ser feito o trabalhoDe que resulta a abundância.Como é necessário o pão diárioÉ necessária a justiça diária.Sim, mesmo várias vezes ao dia.De manhã, à noite, no trabalho, no prazer.No trabalho que é prazer.Nos tempos duros e nos felizes.O povo necessita do pão diárioDa justiça, bastante e saudável.Sendo o pão da justiça tão importanteQuem, amigos, deve prepará-lo?Quem prepara o outro pão?Assim como o outro pãoDeve o pão da justiçaSer preparado pelo povo.Bastante, saudável, diário.  Desculpa e muito obrigado

  4. Um dos aspectos mais funestos
    Um dos aspectos mais funestos da tirania é a destruição da independência do Judiciário.  Todavia, não podemos dizer que os juízes são inocentes pelo que está ocorrendo. No âmago da crise que levou à injusta destituição de Dilma Rousseff (causa primeira dos ataques que agora são feitos à Justiça do Trabalho) estava o desejo dos juízes e desembargadores de receber aumento e continuar a ganhar acima do teto. Além disto, foi o STF que deu a Eduardo Cunha a possibilidade de iniciar o Impedimento mediante fraude. O discurso da juíza comove, mas não explica nada. Ela deveria estar discursando para os seus pares e não para a população, vítima de um golpe urdido por juízes. 

  5.  
    …”O momento agora é de

     

    …”O momento agora é de perceber que é uma instituição necessária tanto para quem trabalha, quanto para quem explora o trabalho.”…

    Todavia caríssima Juíza Valdete Souto Severo, a partir do momento em que o stf, na pessoa do acovardado ministro Lewandowski, sujeita-se a “oficializar” aquela caricata encenação, digo, processo imoral de impeachment da presidente Dilma Rousseff.  Estava ali, decretado o início do recesso, ou seja, da suspensão temporária das atividades democráticas com prazo para duração da ditadura-democrática previsto para  o biênio 2016 / 2018.

    Portanto, distinta Juíza Valdete Souto Severo, encontra-se em estado de hibernação, todas as garantias e direitos do povo brasileiro. Evidente que, respeitando-se o faz-de-conta tradicional, o velho costume de manter cuidado e zelo com as aparências, tudo, em prol da hipocondríaca  hipocrisia das autoridades brasileiras.

    Com a suspensão dos direitos sociais e, com a marcha à ré no capitalismo subalterno brasileiro, aplicada pelo caixa de Banco Meireles, Igredientes fundamentais, à gestão do pau-mandado Michel Temer, que torna a Justiça do Trabalho uma desnecessidade. Mesmo porque, o congresso deve aprovar a nova lei que desregulamenta a relação capital-trabalho, tornando tudo uma bagunça livre de qualquer norma legal.

    Os atuais operários serão libertados, sendo criadas muita vagas, sabe-se lá de que. Segundo eles, livres dos grilhões das leis trabalhistas do Getúlio. Doravante, os trabalhadores libertos do legislado, passam a tratar do combinado, de igual para igual, com o cliente, não mais com o patrão. Ou freguês, aquele que comprará sua força de trabalho no varejo. Ou seja, seremos nós todos , camelô livres pra vender a mercadoria a quem pagar mais. Êita merda! Viva a “mudernidade”  a lá Bill Clinton e do seu capacho local, FHC. Depois que todos tão indo pro outro lado, lá vamos nós de volta.

    Claro!  Ao cabo, tudo isso vai dá em merda.

    Orlando

     

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