Na reta final, a biografia de Walther Moreira Salles

Andei meio sumido nos últimos dias envolvido com as últimas revisões na biografia do Embaixador e ex-Ministro Walther Moreira Salles.

Entre nesse projeto no início dos anos 90. Tinha perdido meu pai e, como quase sempre ocorre, fui atrás de sua história depois de sua morte. Desavenças entre pais e filhos rebeldes, em geral, só se resolvem após a partida. Estive junto dele a vida toda, mas não a ponto de me tornar seu confidente.

Sempre me fascinaram as histórias sobre o jogo em Poços de Caldas, sobre os anos de ouro, de 30 a 50.

No início dos anos 90 houve um evento no MASP, de um lançamento do Instituto Moreira Salles, a edição de um livro de Oswald de Andrade. Na época, Saulo Ramos e José Sarney haviam conseguido me tirar da Folha. Mantinha o programa Dinheiro Vivo na TV Gazeta.

Logo após chegar, vi o Embaixador entrando com seu filho Pedro. Na hora veio a ideia: levantar a biografia de Moreira Salles significaria não apenas reconstituir parte relevante da história de Poços, embora o ambiente frequentado por ele tivesse pouco em comum com o do meu pai, como da própria história política e econômica do Brasil.

Tomei umas duas taças de vinho para ganhar coragem e fui até ele. Me apresentei, disse ser seu conterrâneo, provavelmente ele nunca tinha ouvido falar de mim, mas Roberto Bornhausen, Roberto Teixeira da Costa e outros executivos do banco acompanhavam meu trabalho e poderiam falar sobre mim. E fiz-lhe a proposta de escrever sua biografia.

Ele reagiu algo surpreso e ficou de analisar a proposta.

Levou uns dois meses para voltar a fazer contato, devido às interferências de um executivo do banco, enciumado pelo fato de não ter sido o intermediário da aproximação.

No primeiro encontro ele me disse que o Benedito Mendes, velho advogado do banco, um dos últimos remanescentes da geração inicial, lhe dissera que meu pai “era um “jovem muito correto e trabalhador”.

Iniciei, ali, uma riquíssima experiência, um mergulho privilegiado na história do Brasil desvendando, a cada encontro, a personalidade de um homem público extraordinário, a evolução da economia brasileira, do café à petroquímica, os avanços do sistema financeiro e bancário, a internacionalização da economia, as dificuldades políticas.

O Embaixador era capaz de discorrer por horas sobre seus episódios públicos, lembrando os mínimos detalhes. Quanto aos negócios, dava o mote e eu ia reconstituir os detalhes com os amigos de aventura, o inesquecível Homero Souza e Silva e outros empreendedores, fontes fundamentais sobre sua história, além dos principais executivos do banco.

Nessa fase, consegui entrevistar amigos e sócios históricos, da primeira fase da vida do Embaixador – que vai até os anos 60. Conversei longamente com Homero, Gabriel Ferreira, Júlio Barbero, Jorge Serpa, Plinio Salles Souto, Sérgio Melão, executivos do Bradesco que participaram da fracassada tentativa de fusão, alguns jornalistas que estavam em posição privilegiada, como Evandro Carlos de Andrade.

Foi possível montar um primeiro copião com o esqueleto das três narrativas que se entrelaçavam: a pessoal, a política e a econômica.

Problemas pessoais meus me fizeram interromper a biografia em 1995. Nos 80 anos de Roberto Campos, reencontrei o Embaixador e a esposa Lucia Curia, que insistiu para que eu retomasse os trabalhos. Só no início de 2.000 consegui me equilibrar minimamente para tentar retomar a obra.

Dr. Walther morreu pouco depois.

Em 2004 procurei a família dizendo de minha intenção de terminar a biografia.

Retomei os trabalhos para preencher os claros dos primeiros levantamentos.

Nessa etapa, entrevistei os últimos grandes homens do Rio de Janeiro, José Luiz Bulhões Pedreira, Raphael de Almeida Magalhães, Israel Klabin, José Luiz de Magalhães Lins, Bulhões de Carvalho, Dias Leite, Ernane Galveas, Antônio Carlos de Almeida Braga, familiares de Walther e da segunda esposa Elisinha. E ainda deu tempo para um mergulho nos arquivos do Embaixador.

Mais uma vez problemas pessoais me fizeram interromper os trabalhos. Meti-me em uma guerra desgastante contra a revista Veja, caí de cabeça no mundo virtual e nas batalhas que vocês acompanharam pelo blog nos últimos anos.

Sem condições de saber quando poderia retomar o trabalho, tive uma reunião com o filho Pedro, no qual acertamos que os filhos teriam liberdade para montar a biografia autorizada e eu, quando tivesse condições, retomaria a minha.

Logo depois, foi contratado um historiador para levar adiante a biografia.

No final do ano passado, encontrei Lyra Neto (o autor da festejada biografia de Getúlio Vargas) em um jantar. Lá, ele me disse ter sido procurado pela família para escrever a biografia do Embaixador. Indaguei sobre o historiador contratado. Não havia dado certo.

Aproveitei o breve período de trégua política de duas semanas em dezembro para submergir em Poços de Caldas com o material que havia recolhido a vida toda.

Quando terminei de consolidar os dados, para minha surpresa tinha o livro pronto, e há muito tempo. Pela inexperiência com biografias, sempre achava que faltava algo a mais,

Para minha surpresa, tinha o livro pronto, e há tempos.

A informática havia me salvado.

No início das pesquisas, montei programas em DBase e, depois, em FoxBase, para armazenar as informações. Nos anos 2010, recorri ao OneNote. Todo o material estava devidamente catalogado e registrado.

Agora, ali no computador, tinha informações abundantes sobre qualquer tema que buscasse, ou entrevistas antigas, ou pesquisas bibliográficas, um amplo material sobre a vida política e empresarial e depoimentos relevantes sobre a pessoa de Walther Moreira Salles.

O livro traz algumas revelações históricas, mostra a participação do Embaixador em episódios relevantes, como a tentativa de derrubada de Jango e a tentativa de Costa e Silva de cassar o próprio Walther, os movimentos internacionais de capital, a expansão do capitalismo norte-americano, sobre os escombros do inglês, revela alguns personagens centrais do mercado financeiro, pouquíssimo conhecidos.

 Mais que isso, há os depoimentos de dr. Walther, sua maneira de enxergar o Brasil dos anos 20, 30, até os anos 90, e, principalmente, suas confidências, de homem fechadíssimo, com uma barreira tão intensa de isolamento que poucos penetraram.

23 Comentários

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  1. Interessante o assunto.Tenho
    Interessante o assunto.

    Tenho para mim que a família Moreira Salles é tão ou mais nociva ao Brasil que os Marinho.

    E o fato de Costa e Silva ter tentado cassar sua embaixada serve para corroborar a tese do contra golpe. A tese de que os militares não deixaram os golpistas assumirem em 64.
    Tese que TEM QUE ser aceita pela esquerda se UM DIA quiser Governar O Brasil novamente, acorda fio.

    O Golpe ter tido início com militares é apenas sinal dos tempos. Na época não era possível de outra maneira.

    Os acho suspeitos devido ao envolvimento desta família com os resultados dos trabalhos de Djalma Guimarães.
    Nesta época os EUA dava muito “suporte” aos trabalhos de Djalma Guimarães , em substituição aos alemães na década de 30.
    No fim a família do embaixador dos EUA ficou com o que de mais interessante encontrado, o Tório.

    A História da Escola de Minas é muito interessante. Muito interessante saber como uma idéia simples do Imperador , que foi empregada pelo ESTADO por algum tempo, quase alavancou o Brasil ao futuro.
    Mas sabe como é, vc apresenta um projeto de siderúrgica na década de 50 para ser EXPORTADOR porque tem ferro de qualidade e depois tem que aturar comunistas e facistas dizendo que o FERRO é nosso.
    Logo depois chegaram os japoneses para investir/comprar nossas siderúrgicas ao invés de aço.
    A Usiminas quando idealizada era para ser isso, plataforma de exportação. Mas como O Ferro é Nosso, ela nasceu menor e menos ambiciosa. O projeto foi tocado por Amaro Lanari e o idealizador da ambição, também idealizador da Aceita, saiu fora do projeto.

    Acho que já estou viajando na maionese. ..

      1. É tudo uma questão de ponto de vista
        Pode parecer estranha a minha frase colocando esta família como nociva.

        Mas durante um tempo, na década de 50, O Brasil quase se tornou país relevante no mundo. Quase se organizou graças a Vargas.

        “Em 1965, o Almirante Arthur W. Radford, da Marinha americana, convenceu Walther Moreira Salles, banqueiro brasileiro que já havia sido embaixador nos EUA, a colocar dinheiro em um empreendimento para produção de nióbio.

        Na época, não havia mercado nem uso comercial para o metal em pó -– somente estudos sugerindo que pequenas quantidades dele poderiam tornar o aço mais resistente e flexível.

        Radford era membro do conselho da mineradora Molycorp Inc., que havia adquirido direitos sobre depósitos de nióbio em Minas Gerais e precisava de outro investidor para explorar a mina.”

        Olha que coisa curiosa, os americanos precisavam, sabe do que? Dinheiro.
        Kkkkkkkkkkk , nos contamos e ninguém acredita.

        Nassif, o que isso tudo tem a ver com projeto de Brasil?
        É que durante um tempo, O Plano do Brasil era esse . Não havia outro.
        Era siderurgia, mineração e Djalma Guimarães.

        Após 70 anos de investimentos pelo ESTADO BRASILEIRO, desde o Império, e o resultado é que os Moreira Salles ganharam bilhões.

        Vc conta esta história?

      2. E
        Quem está falando de 68?
        Estamos falando de época bem anterior. Mas tem razão, comparar com os Marinho é um pouco demais.

        Eeles, ele, durante um tempo, ajudou outros, que não o Estado brasileiro, a fazer sua política por aqui. Só isso.
        Estamos falando de niobio…É de como o fim desta história simplesmente acabou com a pesquisa mineral no Brasil.

        Me desculpe Nassif mas eu sempre vou manter meu pé atrás com aqueles que representam/representaram interesses estrangeiros por aqui.

        Dito isso, ele de fato é um personagem interessante em nossa história .
        O livro certamente despertará muito interesse e vai preencher diversas lacunas em nossa história.

        Mas continuando, eu posso aparecer anti americano mas não sou. Se o Brasil tivesse apostado em Percival Farqhuar teria se dado bem. Aquele cara que comandou o projeto da CSN quem convenceu Vargas a encapar a Itabira Iron. Percival ficou puto e foi embora.

        Guinle, que foi quem achou Petróleo no Brasil mas não levou, atrapalhava por motivos pessoais.

  2. Parabens pelo trabalho

    Parabens pelo trabalho Nassif. 

    Esperemos que seja um grande sucesso. 

    Haverá detalhamento do  começo da atividade empresarial do Dr Walher, como o  Unibanco e a CBMM ? 

  3. Em primeiro lugar parabéns

    Em primeiro lugar parabéns pelos trabalhos acerca da biografia Moreira Salles e, também, pela coragem dos últimos meses em relação ao golpe em andamento no Brasil, tocado pelos notáveis temer, Eduardo Cunha, Gedel Vieira, Romero Jucá e, enfim, rede globo! Ainda bem que vc justificou seu sumiço, pois achava que a turma temerida já tinha te acertado! 

  4. E o Delfim ……..

         Vc. tambem falou com ele ?

         Me contaram, faz tempo, nem sei se é verdade, que após o Delfim Neto ter realizado gestões, para que o governo militar, em 1969 , não importuna-se mais o Moreira Salles *, auxiliou a que Delfim e Galveas durante o governo Médici, em 1972 , pressiona-se que o Unibanco (UBB) “casa-se” com o Bradesco, ação que não prosperou devido a “diferenças de culturas” entre as instituições, algo que deixou o “Braguinha” decepcionado e Laudo Natel furioso.

          Outra “lenda”, que o Antonio Aguiar contava ( sobrinho do Amador ), é que nas reuniões sobre a fusão, apesar de serem tão diferentes o Amador e Moreira Salles, eles se entendiam bem, mas os dirtores de ambos os bancos eram completamente opostos, e quando os diretores do Unibanco viram o “mesão” da ainda pequena Cidade de Deus ficavam incomodados.

          Outra “mesa” interessante, mais recente, muito ativa, fica lá no jabaquara, e é o “centro” do nióbio do mundo, preços, quantidades, tudo é definido lá , as linguas preferidas, obrigatórias, antes era o inglês, mas de 2/3 anos para cá, o mandarim é forte.

           * Fofoca: São muitas histórias que seu livro pode desmentir , comprovar ou ainda continuarem “lendas”, mas alguns “espiritos de porco ” já idosos, comentam ainda sobre a “briga dos banqueiros mineiros”, que dizem que Magalhães PInto ( Banco Nacional ) um aliado de 1a hora dos militares, queria que Moreira Salles fosse “cassado”, para poder assumir a UBB.

    1. Tenho um capítulo bem

      Tenho um capítulo bem detalhado sobre a tentativa de casamento Unibanco-Bradesco. E uma versào do Braguinha que o descasamento começou na primeira noite, quando Amador Aguiar leu o documento preparado pelos advogados do Unibanco. Mas houve todos aqueles conflitos de cultura também.

      A contrapartida ao Delfim foi a tentativa de convencer o cappo da CBS, Bill Palley, a fazer uma reportagem positiva sobre o Brasil. Mas foi em vão. Quando juntou seus jornalistas, Paley percebeu que a reportagem seria bem crítica ao regime militar,

      Quanto à cassação, era uma exigência da linha dura e do Costa e Silva, por implicância pessoal. Dr. Walther nada falou a respeito do Magalhães.

      Quanto ao nióbio, parei as pesquisas nos anos 90.

  5. Boa sorte na conclusão,

    Boa sorte na conclusão, Nassif.

    Acredito que nessa biografia será abordado um pouco de meu bisavô, João Affonso Junqueira, pai de minha avó (Maria Alice Junqueira Terra), recentemente falecida. Meu bisavô, que foi prefeito de Poços de Caldas, foi sócio do Walther Moreira Salles no Unibanco, quando de sua fundação.

    Provavelmente saberei um pouco mais dessa sociedade ao ler seu livro.

    abraços

    1. Seu bisavô era o Zé Pelota?

      Seu bisavô era o Zé Pelota? Eu o conheci na minha juventude. Ele se tornou sócio com a crise de 1929. Vendeu algumas fazendas para os Rabelo e se tornou sócio da Casa Bancária.

      1. Sei que minha mãe o chama de

        Sei que minha mãe o chama de vovô pelota e um dos filhos (meu tio avô) é conhecido como zé pelota.

      2. Nassif,
        Fui comentar com

        Nassif,

        Fui comentar com minha mãe sobre o assunto e ela lembrou de você. Disse que você gostava muito do tio Cauby, marido da irmã de minha avó Rosa Maria.

        Não sabia que você era de Poços de Caldas. Que mundo pequeno.

        Abraços.

        1. Seu tio Cauby era sobrinho do

          Seu tio Cauby era sobrinho do Homero, o principal sócio e amigo do Embaixador. E era, o Caiuby, uma espécie de memória viva de Poços.

  6. Disputa fundiária na Gávea virou exemplo de sala de aula…

    Episódio menos nobre de sua biografia foi a remoção de famílias pobres de uma comunidade lá no meu bairro, a Gávea, na Zona Sul do Rio de Janeiro.

    Vivendo então na mansão que futuramente virou o belíssimo Instituto Moreira Salles, lá no alto da Av. Marques de São Vicente (onde fui várias vezes ver filmes de autor), entrou numa disputa fundiária com os “vizinhos pobres”.

    Meu saudoso professor de Direito Internacional na UERJ, o lendário humanista Celso Albuquerque Duvivier Mello (Ah, que falta faz!!), sempre usava esse caso como exemplo da mera formalidade do “olhar cego” da Justiça.

    Celso Mello – nao confundir com o Rolando Lero do STF – autor do melhor manual de Direito Internacional Publico brasileiro:

    Como apontava o mestre, a vendinha nos olhos de Temis são bem fininhas…

    Por mais imparcial que fosse o juiz, o Embaixador chegou lá com uma penca de pareceres dos maiores civilistas de então (Orlando Gomes, Caio Mário, Pontes de Miranda, etc.).

    E os pobres o quê?

    Deviam ter, quando muito, a pecinha do advogado que puderam contratar.

    Preciso contar o resultado da disputa?

    Bom, pelo menos sobrou o belo Instituto M.S., né?

    ¬¬

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