O meio-irmão alemão de Chico Buarque

Jornal GGN – Chico Buarque acaba de lançar um novo livro, que conta a história de um filho alemão que Sérgio Buarque teve antes de se casar no Brasil. Apesar de a existência dele ser conhecida pela família, a última notícia que se tinha dele datava da Segunda Guerra Mundial, mas o próprio Chico, junto com um historiador brasileiro, conseguiram descobrir o paradeiro do meio-irmão perdido. A Detsche Welle entrevistou o historiador João Klug.

Enviado por Webster Franklin

Historiador revela detalhes sobre “irmão alemão” de Chico Buarque

Da Deutsche Welle

Em seu novo livro, o músico e autor brasileiro se refere ao irmão alemão descoberto em 2013. O historiador João Klug, que localizou o parente perdido de Chico, conta em entrevista à DW Brasil como foi a busca em Berlim.

João Klug fazia pós-doutorado em Berlim ao ser contratado para a busca

O compositor, poeta e romancista brasileiro Chico Buarque acaba de lançar seu novo livro, O irmão alemão. Ele se inspira no meio-irmão, fruto do relacionamento de seu pai, Sérgio Buarque de Holanda, com uma alemã, durante sua passagem pelo país entre 1929 e 1930, como correspondente de O Jornal.

O irmão alemão nasceu em 1930. Seis anos depois, o também historiador Sérgio Buarque se casou no Brasil e teve outros filhos. A existência do meio-irmão era conhecida pela família brasileira. No entanto a última notícia que havia dele datava da Segunda Guerra Mundial, gerando a suposição que pudesse ter morrido nesse período.

A história mudou em maio de 2013, quando, a pedido da editora Companhia das Letras e do próprio Chico Buarque, o historiador brasileiro João Klug e o museólogo alemão Dieter Lange identificaram o irmão desconhecido. E ele se revelou uma celebridade da comunista República Democrática Alemã (RDA), com a mesma profissão do pai e o talento do meio-irmão brasileiro.

“Há quem diga que o talento artístico estava no DNA, pois coincidentemente esse irmão do Chico foi alguém que se destacou no meio artístico na RDA e, de fato, ele era um ótimo cantor”, conta Klug em entrevista exclusiva à DW Brasil.

DW Brasil: Você já estava em Berlim desde outubro de 2012, onde ia morar por um ano, fazendo sua pesquisa de pós-doutorado, quando a Companhia das Letras o contatou, em maio de 2013. Como a editora chegou até você?

João Klug: Foi através do historiador Sidney Chalhoub, da Unicamp, que também estava em Berlim para uma pesquisa. Ele me chamou para conversar, mas eu não tinha a mínima noção do que se tratava. Como ele publica seus livros pela Companhia das Letras, o Luiz Schwarcz, que é editor da empresa, pediu um auxílio para o livro que o Chico Buarque estava começando a escrever, relacionado à trajetória do pai dele em Berlim e à questão do irmão. O Sidney disse que não sabia por onde começar, e também não sabia alemão, e me pediu um auxílio.

Como vocês descobriram a identidade do irmão do Chico Buarque?

Tínhamos, no início, duas ou três cartas do Sérgio Buarque de Holanda trocadas com o Ministério alemão das Relações Exteriores, falando dessa criança e do interesse do Sérgio Buarque de repatriar esse menino. Deu para ver um empenho muito grande na tentativa de trazer a criança para o Brasil. Mas já era 1934, em uma correspondência era exigido do Sérgio Buarque um atestado de arianismo e claro que ele não tinha. Em 1935 cessava tudo, e não havia mais nada sobre esse filho.

Fiz uma cópia dos documentos e conversei com meu amigo Dieter Lange que conhece muito bem esses caminhos da arquivologia. Assim, resolvemos pesquisar em alguns arquivos.

Na pesquisa, vocês descobriram que essa criança havia sido adotada. Vocês tinham outras informações sobre ela, inclusive o nome. Como chegaram à família do irmão alemão?

Descobrimos que ele havia entrado para o coral do Exército na Alemanha Oriental aos 16 anos e que se projetou em função da sua voz, além de ter sido apresentador. Eu e o Dieter frequentávamos um bar, uma lojinha de vinhos, de um espanhol no bairro de Prenzlauer Berg, onde se reuniam algumas pessoas da velha guarda da RDA, entre elas, dois jornalistas, o Werner Reinhardt e o Manfred.

Numa tarde, lançamos ao acaso a pergunta: alguém de vocês conhece um tal de Sergio Günther? No ato, o Werner afirmou que sim, “ele foi muito meu amigo”. Então a coisa se abriu no momento dessa descoberta quase que por acaso. O Werner tinha trabalhado junto com o Sergio Günther, e nos forneceu muitas informações.

O que aconteceu depois?

Escrevi para o Luiz Schwarcz, informando os detalhes sobre o irmão, e ele imediatamente comunicou ao Chico, que ficou em êxtase. O Chico veio para Berlim e nós fizemos uma espécie de trilha, seguindo os rastros do seu pai – onde ele provavelmente morou, que cafés frequentava – e também do irmão.

Quais são os motivos que levaram à adoção dessa criança?

Essa é a grande interrogação, por que a mãe entregou a criança para a adoção. Isso não está claro, ainda estamos tentando investigar nos arquivos de Berlim, mas não conseguimos nada concreto até agora.

O irmão de Chico Buarque foi um jornalista e cantor famoso na Alemanha Oriental e faleceu em 1981. Na procura, você encontrou a família dele e intermediou um encontro com o irmão brasileiro. Como foi esse encontro?

Nós localizamos a viúva do Sergio Günther, a filha e a neta. Elas concordaram em conhecer a família brasileira, mas eu não revelei quem era o Chico Buarque no Brasil, e elas também não tinham a mínima noção. O primeiro encontro foi de operação de reconhecimento, a sobrinha do Chico trouxe documentos e fotos.

O encontro foi de tarde no Hotel Adlon. Na semana seguinte, foi marcado outro encontro, dessa vez veio a viúva de Sergio e foi muito agradável. Eu fiquei meio de “papagaio de pirata” no meio disso tudo, tentando traduzir e ajudando.

Como esse encontro marcou o Chico? Qual a importância dele para o livro?

Eu percebi que para o Chico o fato, como ele mesmo falou, de conhecer o lado alemão da família, foi altamente inspirador. E eu acho que inspirou o título do livro. Eu ainda não li o romance e também desconheço o conteúdo, mas à medida que o Chico ia escrevendo, ele me telefonava para perguntar detalhes.

A preocupação dele era com eventuais informações históricas, para não cometer nenhum deslize, com alguma frequência a gente estava em contato para tratar dessa questão.

Quem foi Sergio Günther?

Pelas informações que a gente teve, ele era o homem da TV. Ele apresentava, por exemplo, um programa intitulado Berlin bleibt Berlin[Berlim permanece Berlim], no qual saía pelos bairros fazendo entrevistas, com o objetivo de mostrar como tudo funcionava bem e harmônico na RDA.

Há quem diz que o talento artístico estava no DNA pois, coincidentemente, esse irmão do Chico foi alguém que se destacou no meio artístico na RDA e, de fato, ele era um ótimo cantor. Quando eu enviei a primeira música que achei do irmão para o Chico, eu ainda brinquei com ele e disse: “Isso aí que é voz, não a tua.” O Chico me respondeu dizendo: “É, o alemão tem lá o seu suingue.”

E como foi seu primeiro encontro com o Chico Buarque?

No primeiro momento, devo confessar, que a adrenalina aumentou um pouquinho, porque, afinal de contas, era o Chico, aquele indivíduo que a gente admirava de ver televisão e ouvir as músicas. Mas, logo no primeiro encontro, foi algo muito agradável, talvez o termo melhor é “muito natural”, como se fosse uma outra pessoa qualquer, com que a gente tivesse lidando.

O Chico é uma pessoa extremamente humilde e de fácil trato. Essa relação se tornou uma amizade.

Redação

14 Comentários

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  1. João do Vale

    Entendi porque o Chico não deu nenhuma entrevista para minha pesquisa sobre a trajetória de João do Vale. Agora, quem sabe, ele me atende! Não imaginei que escrevia um livro cujo objetivo ulrapassava a classificação pela categoria “romance”. 

  2. Chico, um artista fantástico.

    Chico, um artista fantástico. Um patrimônio de nosso país. É o que penso. Diante disso, imensa foi minha surpresa ao ver os inúmeros impropérios lançados contra ele no perfil do Facebook do Jornal El Pais quando este postou naquela rede uma nota sobre o referido livro.

    Só essa selvageria ali demonstrada pode explicar o protagonismo cultural (relativo, graças a deus) de um Lobão da vida ou de um Danilo Gentili nos dias que vivemos. Tanto pior para quem gosta das figuras. Eu fico com o Chico mesmo.

  3. Encontrei o irmão do Chico no Youtube

    Nassif,

    Depois de ler a entrevista do Klug, encontrei essa canção, gravada num antigo disco produzido na DDR em 1961, que parece ser interpretada pelo meio-irmão do Chico: Sergio Günther!

    O link é este: http://youtu.be/qvMHtWkMCXE

    Caraca, véi!

     

    Antônio Carlos Queiroz

    1. Uma sugestao, Antônio, sobre inclusao de links

      Sempre que vc der um link, use o botao de inserir link (aquele redondo logo depois da seta para trás). O link fica ativo, e basta clicar sobre ele para ir à página. Sem isso, como vc fez, a pessoa tem que copiar o link e colar noutra guia ou janela, é mais complicado. 

  4. é emocionante ler isso, não

    é emocionante ler isso, não só poque sou fã de chico desde sempre

    mas porque revela sua grandiosidade como artista e como

    ser humano, fato que em muitos autores é paradoxal,

    como borges celine, etc…

  5. Adorei a história, como adoro

    Adorei a história, como adoro o Chico e suas músicas. Vou adquirir o livro. Será que não tinham nenhuma foto do irmão alemao p/ colocar no Post?

    1. É parecido com  Sergito, o

      É parecido com  Sergito, o filho mais velho do Sergião, que foi professor de economia (está aposentado) na FEA-USP. Foi meu professor, e professava o desenvolvimentismo contra a corrente neoliberal. Tudo a ver!

  6. comentarios sobre o meio irmão de chico buarque pt aproveitador

    De fato, foi um grande compositor, não tanto bom cantor, mas um bom cidadão deste Brasil, até se aproveitar  deste atual governo e ¨PERDER” SUA DIGNIDADE AO SER COMPRADO PELO ATUAL GOVERNO IMORAL DESTE PAÍS. É uma pena o acontecido , como diz o popular”podiamos dormir sem essa. 

  7. Eu odeio Chico Buarque – Como me tornei uma semi celebridade.

    Eu odeio Chico Buarque – Como me tornei uma semi celebridade.
    Estou sendo cotado para um reality show de um canal à cabo. Dei entrevista em um talk show de um comediante na madrugada. Fiz comercial de material esportivo de segunda linha. Fui contratado como dj (mesmo sem ser dj) para festas noturnas no interior. Fui jurado em programas de calouros. Cheguei a dar autógrafos, a tirar selfies com fãs. O vídeo que me lançou ao semi estrelato foi o mais visualizado no YouTube no ano. Telejornais faziam matérias sobre o vídeo.
    Minha vida mudou radicalmente. De repente me tornei uma celebridade da segunda divisão. Minha vida pacata e completamente anônima evaporou-se instantaneamente. Passei a ser reconhecido nas ruas, deixei meu emprego de auxiliar de contabilidade em um pequeno escritório no triângulo mineiro.
    Tudo porque em uma pelada de futebol, encerrei a famosa carreira de peladeiro de ninguém mais, ninguém menos do que Francisco Buarque de Holanda! Com um carrinho violento, covarde e vil, rompi os ligamentos dos dois tornozelos do dono do Polytheama!
    http://blogodofranciscoaguas.blogspot.com.br/2017/09/eu-odeio-chico-buarque-como-me-tornei.html

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