O recorde da estupidez, por Marcelo Rubens Paiva

Do Estadão

O recorde da estupidez

Marcelo Rubens Paiva

Nos anos 1960, minha família se americanizou. Tudo o que vinha de lá era lindo: o futuro. Primos passaram a usar camisa polo, tênis brancos, praticar esqui aquático e golfe. Os cabelos eram penteados para o lado com gel. Como um Kennedy.

A febre do consumo pós­guerra substituía o rigor da educação espartana europeia comum no Brasil. Sanduíche, Ketchup e Coca­Cola entraram no cardápio. O cigarro poluiu a sala de jantar. E os enormes e gastões carros americanos tomaram a paisagem urbana.

Junto com a cultura descartável, muitos voltavam de lá fascinados pelas diferenças culturais: eles cumprem as leis, dirigem com prudência, entram em filas; eles próprios colocam combustíveis. Máquinas vendiam jornais nas ruas: colocava­se a moeda e pegava o seu. Por que não pegava todos? Porque são todos honestos.

Havia lá um tipo de respeito desconhecido por nós. E todos respeitavam o limite de velocidade. Um primo contava que, numa estrada deserta do Texas, decidiu testar a potência do seu Mustang alugado, fetiche da época, e acelerou. Foi parado quilômetros adiante. Um avião da polícia com binóculo o flagrara.

Nos anos 1970, um tio morreu na BR­116, a Rodovia Régis Bittencourt, sumariamente conhecida como Estrada da Morte. Entrou com seu Opala na traseira de um caminhão. Um primo de 18 anos morreu ao cair da moto em Santos. Uma prima nunca mais andou sem muletas, depois de um bêbado bater no seu Puma. Perdi colegas e amigos em estradas. Tenho amigos que perderam os pais em acidentes de trânsito. Outros perderam filhos.

Quando vejo a ira causada pela tentativa de controle de velocidade, me pergunto se as pessoas não preferiam que as leis fossem respeitadas e houvesse mais segurança para todos; e menos vítimas nas estatísticas. Se o prefeito ou governador de uma cidade ou Estado instala radares para multar os que violam as leis, é acusado de alimentar uma invisível Indústria da Multa. O radar virou inimigo. Quando é derrubado por um vândalo, comemora-­se.

Já vi “especialistas” afirmarem que a redução de velocidade é perigosa. Que é aliada de assaltantes. Que o motorista tem que frear bruscamente para reduzir, causando acidentes. Que os radares só pioram. Me lembro de autoridades do judiciário proibirem radares, anularem multas. Exige­se que haja uma placa indicando: “diminua a velocidade, radar à frente”. A legislação é prudente com os imprudentes, generosa com os infratores. Nos EUA, as instituições foram se degenerando. Mataram o presidente, seu irmão, candidato à Presidência, dois líderes negros de direitos civis, entraram numa guerra suja e corrupta, apoiaram ditaduras, impeacharam Nixon, envolveram­se em golpes que denegriram a imagem de um Estado libertador. A corrupção policial desorganizou a sociedade. A América se abrasileirou. Mas a vigilância nas ruas e estradas continua severa. E as filas, respeitadas.

Morei em San Francisco, onde até ciclistas são multados se flagrados cometendo irregularidades, como não usar capacete ou indicar que vai virar. Pedestres são multados se não atravessarem na faixa. Mais de 25% da arrecadação vinha de multas. A cidade espalhara radares em todos os cantos, e a população comemorava. Ela pedia radares, para evitar atropelamentos e acidentes em seus bairros: os condutores respeitarão as leis, e o município arrecadará uma grana para melhorar vias, escolas, transporte público, parques, bibliotecas. A imprudência de uns gera qualidade de vida à maioria. Enquanto isso, vamos batendo recordes de morte no trânsito.

***

O táxi para cadeirantes é um serviço que se torna fato em todo mundo. Cada cidade tem sua norma. Em Londres, os famosos carros pretos têm rampas acopladas mas laterais. Qualquer cadeirante entra em qualquer carro com a ajuda do motorista. A tarifa é subsidiada.

Na Espanha, é preciso telefonar e agendar. São minivans com rampas traseiras. Fica­se num espaço acolchoado, em que a cadeira se encaixa. A tarifa é comum. Em Nova York como na Califórnia, são caros rebaixados, em que se entra pela lateral por uma rampa. Basta ligar 311 e agendar ou esperar na rua (um litígio judicial pede que 100% da frota seja adaptada). A tarifa é comum. Todos acima podem pegar passageiros não deficientes.

No Brasil, o serviço, claro, tinha que ser mais complicado, burocrático e ineficiente. Não dá lucro a taxistas. No Rio era um modelo. Uma cooperativa serve apenas a deficientes. Um telefone atende toda demanda. O problema é que o tipo de carro que se exige (com elevadores plataforma e teto levantado) e sua manutenção são caros. E, surpresa, não têm isenção na compra do veículo e equipamento. Às vésperas dos Jogos Olímpicos, o serviço pode fechar.

Em São Paulo, a lei 14.401 de 2007 foi feita para agradar a todos de tal maneira que não agrada ninguém, nem passageiros, nem motoristas. São 88 carros com plataforma difíceis de serem agendados. Kassab sabia que o negócio não funcionava. Prometeu dois alvarás de carros comuns e mais dois de carros híbridos a cada cooperativa (frota) que aceitasse um carro adaptado (acessível).

No fim do ano, uma bomba cai no colo das prefeituras. A lei federal 13.146 de julho de 2015 exige que “as frotas de empresas de táxi devem reservar 10% de seus veículos acessíveis à pessoa com deficiência”. Se seguirem as normas cujos veículos deverão ser adaptados com plataforma elevatória na extremidade traseira ou lateral, o serviço continuará deficitário. Mas se seguirem o modelo de rampas do mundo todo, que também transporta passageiros não deficientes…

A Prefeitura de BH opera com táxis com rampas. A do Rio promete isenções. A de São Paulo reconhece que precisa mudar. Luta para ampliar o conceito de acessibilidade através do Projeto de Lei 563/2014, que tramita a passos lentos. Já foi aprovado em quatro Comissões. Está parado na de Finanças e Orçamento. Sua aprovação garantiria um serviço eficaz de táxis com rampas. E mais inteligente.

Redação

15 Comentários

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  1. Infelizmente, neste país

    Infelizmente, neste país (abençoado por Deus), o povo que o habita não é digno dele (país). Tem radar, obedeça, não queiram levar vantagem em tudo, passando por cima de regras elementares. Acho, infelizmente, que essa visão irá demorar DEMAIS para chegar ao povo deste país, principalmente no que diz respeito à EDUCAÇÃO e RESPEITO. Palavras que parecem não existir em nosso vocabulário, principalmente em meu estado (coitado) de São Paulo.

  2. consideração e respeito

    Nassif

    A repulsa aos radares ocorre desde o início daquela vigilância.

    A anulação de multas emitidas a partir de informações de radares, então, é um artigo exclusivo do patropi. O texto é ótimo exemplo de como a sociedade brasileira transgride leis com extrema facilidade, considera que ações perfeitas só devem ser aplicadas aos políticos, aos outros, pois esta é a regra nº1 dos hipócritas.

    Não sei como funciona neste momento, mas se você tivesse um vizinho morando numa casa com a piscina imunda e perfeitamente propensa ao mosquito da dengue, você ou qualquer outro só entrava no imóvel caso o proprietário permitisse, e muitos dos “proprietários” de focos da dengue ainda ameaçavam quem quisesse eliminar os tais focos. 

    Para cadeirantes, não é somente o taxi que é difícil, pois existem as calçadas irregulares e sem as rampas nas esquinas, aliás, desconheço facilidades para cadeirantes e deficientes visuais, os antigos cegos, cujos cães são barrados nos shopping centers, e por vezes sequer contam com a ajuda de uma alma para atravessar a rua, é impressionante.

    Já relatei aqui, na agência dos Correios o caso do deficiente visual, ao contrário dos idosos que lá estavam, conseguiu não ser  tratado como prioridade, e aquela velharada com ar de paisagem, afinal, aquilo é Copacabana, a meca da velharada mal educada prá xuxu, que fura fila até prá comprar jornal. Em certo momento, depois de ameaças, o fulaneco das senhas colocou o deficiente visual na frente de todos.

      1. antes fosse

        Adir,

        Antes fosse mentira ou piada, mas não é um nem outro.

        Em Copacabana, e pelo que sei, somente neste bairro, existem ocorrem  cotidianamente outras situações sem pé nem cabeça,  como idoso furar fila de idoso e outras mais, é assim que é.

        Quem mora no bairro e falar o contrário, ou não sai de casa, ou é cego ou está mentindo.  

  3. Acho que não é só falta de educação…

    Acho que falta bom senso a uma parcela significativa de nossa sociedade. Parece que foram criados para serem o centro do universo, onde todos devem aceitar suas falhas. Vejo motos passando por passarelas, carros andando na contra-mão e tantas outras pequenas (e grandes) barbaridades cometidas por pessoas “bem educadas” que a cada dia me convenço que botar a culpa na educação é um auto-engano. Temos uma cultura egocêntrica muito presente, onde a culpa é sempre do outro, ou do ente abstrato governo (no caso atual, da Dilma, ou se for em Sampa, do Haddad). Mas será que estamos fazendo nossa parte?

  4. Infelizmente, nada que possa

    Infelizmente, nada que possa vir desta administração agradará à “perferia bem alimentada” (como dizia meu velho pai) de São Paulo.  É do PT? Não serve.  É do Haddad? Aí é que não serve mesmo.
    São Paulo não merece o prefeito que tem, deveríamos ter ficado com o Serra. Aí todo mundo estaria feliz, poruqe nada iria mudar, o município ficaria exatamente como sempre esteve: ABANDONADO e SEM FUTURO!

  5. Infelizmente, o brasileiro 


    Infelizmente, o brasileiro  analfabeto político e intelectual valoriza a barbárie. Preguiçoso sempre valorizará o que não lhe force a tomar atitude que necessite de inteligencia, de raciocinio. Matar, eliminar, destruir, debochar são características do covarde.

  6. Os motoristas têm uma aparelhinho que avisa a presença de

    radares, uai…

    Tudo muito difícil num tempo em que o certo é errado e o errado é certo.

    Tô como minha avó que dizia- e era nascida em 1889, hem – “ah, não vou querer tá aqui pra ver isso não”.

  7. Maestri, salvo engano:  meu

    Maestri, salvo engano:  meu comentario foi (teria sido) tao extremamente agressivo que…  ainda bem que nao entrou pois aquela coisa ja tinha sido apagada.  Voce me antecedeu por segundos.  Congratulacoes pelo aviso mas nunca te perdoarei!!!

  8. NÓS É QUE NÃO SOMOS BURROS…

    Lembro-me de um episódio, quando da entrada em vigor do novo CTB, que chegaram para um portugues, em Portuga e perguntaram para ele:

    – Quanto voce pagaria de multa se estacionasse em lugar proibido?

    – Não estaciono em lugar proibido,respondeu.

    – Vamos fazer de conta que voce estacionou em lugar proibido, quanto é a multa?

    – Eu não estaciono em lugar proibido.

    Isso persistiu por mais algumas vezes até que o “jornalista” desistiu e, com certeza pensou consigo mesmo …

    Portugues é burro!

    Essa é a nossa realidade: somos extremamente inteligentes e, até demais. Nossa inteligência tem nos levado a ser primeiros em muitas coisas:

    Violência no trânsito,

    Morte no trânsito,

    Deficiencias provocadas por acidente no trânsito etc

    Vamos chegar já já no primeiro mundo, se é que já não estamos: Primeiro mundo dos idiotas.

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