Sobre inércia e intolerância pós-eleitoral

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Hudson Luiz Vilas Boas

No blog Dissolvendo no ar

Não dá pra ficar calado!

“Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei.”. Mas “no quarto dia vieram e me levaram. Já não havia ninguém para reclamar”.

(Martin Niemoler)

Ao ler a famosa frase do pastor luterano nascido na Alemanha e testemunha dos horrores da Segunda Guerra Mundial, simplesmente não dá para ficarmos calados diante da onda de ódio, preconceito e intolerância que toma conta de alguns setores ditos “politizados” do Brasil. Escolhermos nos calar nesse instante, significa pecarmos por omissão diante do monstro que aos poucos vai sendo fomentado por uma elite que se recusa a repartir até migalhas, quanto mais construir uma sociedade minimamente civilizada e que faça jus, ao menos, de ser chamada de democrática.

Estou lendo com muita atenção a obra recém lançada do filósofo francês Jacques Rancière “Ódio à Democracia” e é incrível perceber o quanto a conquista de direitos por minorias – entendamos por minoria os oprimidos política, cultural e economicamente – traz consigo a intolerância daqueles que antes detinham determinados privilégios.

Temos vivido isso nessas primeiras semanas pós eleições. Na verdade uma certa onda de intolerância e preconceito já nos ronda bem antes da campanha desse ano. Quem não se lembra da frase recheada de preconceitos jactada por Jorge Bornhausen em 2005? Naquela oportunidade o então senador pelo PFL de Santa Catarina expôs o sentimento de muitos dos seus confrades ao se referir ao PT, seus membros e simpatizante como “raça” – “Vamos acabar com essa raça. Vamos nos ver livres dessa raça por pelo menos 30 anos”.

No entanto, após promulgado o resultado da última eleição presidencial em que sagrou-se vencedora a presidenta candidata a reeleição, todo e qualquer pudor foi prontamente deixado de lado e foram retirados do armário esqueletos de intolerância, ódio e preconceito. O fascismo deixou de ser apenas flertado por parte de nossa “elite” e foi assumido sem nenhum rubor. Os militares chamados de volta e o Brasil, do dia para a noite, se converteu numa república bolivariana, comunista, soviética…

Nesse contexto pobres, negros, mulheres, militantes dos mais diversos movimentos sociais, sindicalistas, homossexuais, defensores dos direitos humanos, mas sobretudo nordestinos (esses nos últimos dias ganharam a companhia de cariocas e mineiros) passaram a ser tratados como escória da humanidade e sujeitos incapazes de participar de forma plena da sociedade, tendo que ser constante e permanentemente tutelados. Todo esse “povo” que faz parte da sociedade brasileira, na visão elitista forma um grupo de preguiçosos, indolentes, inaptos, idiotas que se vendem em troca dos parcos benefícios oriundos dos programas sociais financiados pelos exorbitantes impostos pagos por quem realmente trabalha, mas é massacrado diuturnamente pela presença do Estado aparelhado pela camorra que dele se apropriou há 12 anos. Portanto, nada mais justificável do que, por exemplo, chamar nordestinos de antas, mineiros de burros e ao mesmo tempo clamar para que uma intervenção militar livre o Brasil desse governo corrupto bolivariano, comunista, soviético…

É essa visão preconceituosa, divorciada de qualquer nexo com a realidade, difusora do discurso do ódio, da intolerância e do autoritarismo que somos obrigados a combater se quisermos de fato avançar na construção de uma sociedade mais justa, mais igual, mais democrática. Se quisermos de fato sairmos do atual estágio de democracia meramente formal para alcançarmos aquilo C. B. Macpherson chama de democracia substancial. Democracia substancial é justamente aquela cujos poderes transpassam a esfera das instituições estatais e torna a sociedade civil organizada sua co-protagonista. Infelizmente não conseguiremos chegar a tanto enquanto parte de nossa sociedade preferir viver na Idade das Trevas ao invés do século XXI.

Ontem eu estava lendo um artigo dedicado a contar um pouco da história do Partido Operário Social Democrata da Suécia e seus ininterruptos e incríveis 40 anos no poder. Não dá pra comparar Suécia com Brasil e menos ainda o sistema parlamentarista dos escandinavos com nosso presidencialismo torto. Mas o que achei interessante é que em muitos momentos houve na Suécia um consenso entre governo e oposição em torno de temas que mudariam a face da sociedade sueca. Como pensar em algo assim no Brasil quando o partido que perde uma eleição sequer reconhece sua derrota? Pior, acaba com isso incitando (diretamente ou não) o clima de nós contra eles, de Brasil dividido por conta do mapa eleitoral.

Pena, ainda estamos anos-luz de sermos uma sociedade minimamente civilizada. Ainda falta muito para termos uma sociedade na qual haja uma defesa intransigente das liberdades individuais e radical dos direitos coletivos.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

3 Comentários

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  1. “Como pensar em algo assim no

    “Como pensar em algo assim no Brasil quando o partido que perde uma eleição sequer reconhece sua derrota? Pior, acaba com isso incitando (diretamente ou não) o clima de nós contra eles, de Brasil dividido por conta do mapa eleitoral”:

    A “oposicao” tucana eh movida a complexo de inferioridade.  Merecidissimo.  Eles sao inferiores.

  2. Comício fantasma

    Hudson,

    Os quadros da oposição tupiniquim, leira, com as raríssimasíssimas exceções de sempre, são realmente péssimos.

    Neste momento, a maioria deles continua em feroz campanha, prontos para o próximo debate que não existirá na tv e para o próximo grande comício que já tem presença confirmada de Lobão, Jabor, Ferreira Gullar, merval imortal,ECantanhede e outros, comício também fantasma.

    No CN a bagunça é a mesma, PMDB metade prá lá e metade prá cá, com aquela casa de mãe joana produzindo um rol de notícias que provoca asco maior do que o normal a respeito daquilo ali – basta imaginar a possibilidade ECunha como 3º na linha para sentar no trono, socorro dez vezes.

    Dos que alcançaram o 2º turno na última eleição, o mineirim conseguiu enfiar os pés pelas mãos e, possivelmente, jogar no lixo uma natural tentativa para 2018, e a reeleita DR, como disse Fernando Brito do Tijolaço, confunde silêncio com mudez, um fato.  

  3. Chamemos Tom Cruise com a música conhecida

    Caro Hudson,

    acredito que estou lhe compreendendo. E se isso for verdade então posso concordar em partes com você.

    Indo direto ao ponto concordo com você no seguinte:

    1 A questão da conquista de direitos pelas minorias

    2 O preconceito daquele senador  em 2005

    3 A vitória da Dilma

    4 Nordestinos não são indolentes, inaptos, preguiçosos, idiotas

    5 Algo mais que podemos , no geral, depreender de seu texto.

    Agora digo-lhe o que e por que discordo da outra  parte de sua opinião:

    1 Onda de ódio e preconceito que toma conta de alguns setores. 

       Discordo porque essa onda já ocorre DESDE SEMPRE. Antes era travestida de “cordialidade”.

    2 Essa suposta adoção do bolivarianismo no Brasil já está circulando por ai há mais tempo. Desde Lula e Chavez. Desde a república bolivariana da Venezuela. Suponho que desde a nacionalização da PDVSA.

    3 Aqueles que antes detinham privilégios CONTINUAM detendo privilégios e continuarão detendo privilégios sem a perspectiva de perderam seus privilégios. 

    Lamentavelmente, sou tendente a concordar com a tese de que o Brasil  NÃO FOI CRIADO PARA ELE PRÓPRIO. Trata-se de uma colônia de exploração. Aliás, por falar nisso, deve estar partindo mais um navio de minério uma hora dessas…

    E nessa linha, todo e qualquer “ajuste” na diversas contas será, necessariamente, em prol dos detentores de privilégios. Mesmo que sua excelência queira mudar as regras do jogo  sozinha e no curto prazo,  não conseguirá derrubar o nosso muro de berlim invisível, porém, agora um pouco mais visível.

    4 Penso que Suécia não é Brasil e vice versa. Mas é possível a comparação desde que seja fetia  integralmente, isto é, comparar toda a equação SUÉCIA, com toda a  equação BRASIL. E  desta comparação extrair algum resultado. 

    5 O termo “sociedade” inda por cima  qualificada de “civilizada” não me parece louvável nessas terras tropicais. Está mais para  jargão europeu em solo de ameríndios, caboclos, mulatos, mamelucos etc.

    6 Não creio que a defesa intransigente das liberdades individuais seria o melhor caminho para “proclamar” a nossa república. Muito menos com a defesa dos direitos coletivos. Pelo menos não agora. 

    Isso porque, o próprio mundo dito “civilizado” para defender esses direitos individuais, civis e políticos, precisa pactuar com os direito econômicos, sociais, e culturais. Sabemos, no entanto, que nem sempre foi assim. Isso é coisa recente. De qualquer forma, não nos enganemos, no fundo, predomina ainda  o direito individual. 

    De forma bem simples pode-se dizer que o direito  já está CONSERVADO para os defensores dos direitos individuais, razão pela qual, é preciso encontrar uma forma de descongelar o  direito DE PROPRIEDADE. Retirar-lhe da  da conserva para , ai sim, buscar a defesa dos DIREITOS INDIVIDUAIS. Tudo isso mantendo-se o ambiente amistoso, “cordial” e sem ódio.

    E isso me fez lembrar do filme missão impossível. Chamemos  , portanto, Tom Cruise com aquela música já conhecida para nos ajudar.

    Saudações

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