Agrotóxicos para exportação – Convenção de Roterdã, por Leomar Daroncho

Interessa à agricultura brasileira a fabricação e a exportação de agrotóxicos que provocam câncer, malformação fetal, aborto, distúrbios hormonais, doenças neurológicas e puberdade precoce?

(Antonio Cruz/Agência Brasil)

do Coletivo Transforma MP

Agrotóxicos para exportação – Convenção de Roterdã

por Leomar Daroncho

O Brasil teria interesse em exportar agrotóxicos que provocam câncer, malformação fetal, aborto, distúrbios hormonais, doenças neurológicas e puberdade precoce?

O Projeto de Lei 1.459/2022 (PL1459/22), em tramitação no Senado Federal, modifica integralmente a regulação dos agrotóxicos. Muda inclusive o nome.

Os defensores do PL 1459/22, que interessa à indústria química, estiveram na audiência pública do Senado, nos dias 22 e 23 de junho. Recorreram ao mito de que os agrotóxicos seriam seguros, se usados corretamente (ou seja, a culpa pelas contaminações seria dos agricultores); que o procedimento de análise e aprovação seria lento (apesar dos dados que apontam a intensificação dos registros); e da suposta “modernidade” da proposta (apesar de continuarmos usando e registrando fórmulas ultrapassadas, banidas dos países de origem em razão da toxicidade).

Enquanto isso, representantes da sociedade civil, da comunidade jurídica e de entidades de pesquisa independentes, contrapuseram com dados que apontam a gravidade da situação ambiental e de saúde pública, que tendem a se agravar caso seja aprovada a proposta que dá papel secundário aos órgãos de saúde e do meio ambiente, concentrando a decisão dos processos de registro e reavaliação de agrotóxicos no Ministério da Agricultura.

Há grande preocupação com a substituição do critério que proíbe o registro de agrotóxicos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, ou que provoquem distúrbios hormonais e danos ao aparelho reprodutor. Segundo consta no PL (no art. 4º, § 3º), poderiam ser registrados agrotóxicos que provoquem câncer, alterem a vida embrionária ou fetal, causem dano genético ou provoquem desregulação do sistema hormonal ou reprodutor, se o nebuloso critério de análise considerar o risco aceitável.  

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O PL condiciona a definição do que seria considerado “risco inaceitável” para o registro de “pesticidas”, explicando que seria aquele que, “nas condições recomendadas de uso, apresentem risco inaceitável para os seres humanos ou para o meio ambiente, por permanecerem inseguros, mesmo com a implementação das medidas de gestão de risco”. A proposta ignora as evidências de que boa parte das recomendações de uso são impraticáveis, tanto pelo analfabetismo funcional e condições climáticas quanto pela inadequação da sistemática de gestão de risco para danos tão graves sobre a saúde humana e sua incompatibilidade com o princípio da precaução.

É de se esperar que no necessário aprofundamento da discussão, no Senado, a sociedade e os Senadores reflitam sobre qual seria e quem definiria o percentual de dano “aceitável” para casos de câncer, abortos espontâneos, malformações de bebês, Autismo, depressão, suicídio, Alzheimer ou Parkinson? 

Além disso, há outra questão de fundamental importância para a aferição do real interesse que movimenta o PL. Interessa à agricultura brasileira a fabricação e a exportação de agrotóxicos que provocam câncer, malformação fetal, aborto, distúrbios hormonais, doenças neurológicas e puberdade precoce?

A versão do PL, com 67 artigos, revoga integralmente a Lei em vigor. Trata-se de um Substitutivo da Câmara dos Deputados que modificou a proposta original, do Senador Blairo Maggi, que alterava apenas 2 artigos da Lei dos Agrotóxicos (Lei 7.802/89).

O Relatório da Comissão Especial da Câmara que acompanha o PL cita que teriam sido detectados “inúmeros problemas que dificultam a disponibilidade de pesticidas”. Refere, textualmente o caso dos pesticidas destinados à exportação: “burocracia excessiva para o quê poderia ser resolvido com simples comunicação aos órgãos federais, certos atos tais como pesquisa e exportação de pesticidas, alterações cadastrais devem ser simplificados”.

Assim, o art. 17 do PL dispensaria de registro os pesticidas destinados exclusivamente à exportação. Indo além, isenta esses produtos tóxicos da apresentação de estudos agronômicos, toxicológicos e ambientais. É de se supor que se refira a pesticidas com risco inaceitável no Brasil, pois do contrário seriam registrados. O órgão registrante apenas acolheria, por meio de sistema informatizado, a comunicação da empresa exportadora dos quantitativos de pesticidas e seu destino.

Há aqui uma serie de questões, da maior gravidade: trabalhadores brasileiros e comunidades no entorno de fábricas de alta toxicidade seriam expostos a produtos não registrados; as autoridades sequer teriam conhecimento do tipo de produto manipulado; pesticidas muito tóxicos trafegariam por estradas, mananciais de água ou portos brasileiros, sujeitos a acidentes e derramamentos; as frequentes apreensões de contrabando de agrotóxicos, dada a dificuldade em controlar as fronteiras do Brasil, justificam o receio quanto a possíveis desvios internos na circulação de pesticidas.

O PL, no particular, também pode gerar outro grave dano aos interesses do Brasil e da nossa agricultura de exportação. Dentre outros Tratados, o Brasil é signatário da Convenção de Roterdã, de 1998, que regula o comércio internacional de produtos químicos perigosos. Assim, obrigou-se a observar o princípio da prevenção e a responsabilidade compartilhada. O Anexo III da Convenção relaciona agrotóxicos perigosos dentre substâncias sujeitas ao Consentimento Prévio Informado de Importação (PIC).

O desconhecimento das características agronômicos, toxicológicos e ambientais pelas autoridades brasileiras, conforme estabelece o PL, impede o cumprimento da obrigação assumida pelo país quanto à informação de substâncias químicas proibidas ou sujeitas a severas restrições, inviabilizando a ciência do impacto nocivo à saúde humana e ao meio ambiente de agrotóxicos perigosos no comércio internacional. Como se sabe, o descumprimento de acordos internacionais expõe o país e os exportadores brasileiros a retaliações.

Para além dos interesses da indústria química, parece difícil justificar algum ganho para a agricultura brasileira na aprovação de uma proposta com um permissivo dessa natureza, que representaria retrocesso na pauta ambiental, ameaçando a posição do Brasil, que é um ator relevante, na disputa pelos mercados mais seletivos e exigentes, preocupados com a pauta ambiental e atentos à Agenda 2030.

Leomar Daroncho é procurador do Trabalho e membro do Coletivo Transforma MP

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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1 Comentário

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  1. Não é agrotóxico; É VENENO!
    Paremos de usar nomes pomposos, “modernos”, “tops”… por mais que apropriados sejam. Nada de agrotóxicos muito de “defensivos” agrícolas com nos querem empurrar… É VENENO mesmo!

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