Em meio a tensões entre Venezuela e Guiana, Lula recorda “tradição de diálogo na América Latina” a Maduro 

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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Petista recebeu telefonema do presidente venezuelano, neste sábado (9)

Brasília (DF), 29/05/2023 – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, no Palácio do Planalto. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O presidente Lula (PT) recebeu, na manhã deste sábado (9), um telefonema do líder venezuelano Nicolás Maduro, que enfrenta um embate com a Guiana pelo território de Essequibo. Segundo o Planalto, o petista fez chamado ao diálogo sobre a questão.

Durante a ligação, Lula “transmitiu a crescente preocupação dos países da América do Sul” sobre o conflito, além de recordar ao colega “a longa tradição de diálogo na América Latina e que somos uma região de paz“​, comunicou a Presidência.

No último domingo (3), 97% dos venezuelanos aprovaram o plano do governo de Maduro para a anexação à Venezuela da região de Essequibo, que fica na Guiana. Ontem (8), o líder latino o assinou seis decretos para incorporar o território em um estado venezuelano.

A disputa entre a Venezuela e a Guiana por Essequibo se arrasta desde o século XIX, mas o processo de delimitação ficou ainda mais acirrado após a interferência dos Estados Unidos, que tem empresas de petróleo na região.

Lula, então, sugeriu que o presidente de turno da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), Ralph Gonsalves, trate do tema com as duas partes. “O presidente reiterou que o Brasil está à disposição para apoiar e acompanhar essas iniciativas“, afirmou o governo brasileiro.

Lula também destacou para Maduro “que é importante evitar medidas unilaterais que levem a uma escalada da situação“.

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  1. A região pouco habitada do Essequibo, porém, sempre foi um ponto de debate entre Reino Unido e Venezuela. Em função disso, os países submeteram a questão à uma arbitragem em 1899.
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    Os Estados Unidos representaram a Venezuela (que havia cortado relações diplomáticas com o Reino Unido) perante um painel de cinco juízes — dois americanos, dois britânicos, e um russo como voto de minerva presumidamente neutro [5]. Na sua decisão de 3 de outubro de 1899 o tribunal, sediado em Paris, decidiu em favor do Reino Unido, estabelecendo a fronteira sobre o rio Wenamu em vez do Cuyuni, logo, dando controle aos britânicos sobre quase toda a região do Essequibo e todos os seus recursos minerais [6].

    Contudo, a Venezuela não concordou com o veredito. Em vista disso, em 1958 o país, à época liderado por Marcos Pérez Jiménez, planejou a invasão da região, sendo ultimamente interrompido por um coup d’etat no mesmo ano [7].

    Depois, em 1962, o ministro venezuelano Marcos Falcón Briceño questionou o domínio da região pelos britânicos perante as Nações Unidas (ONU), culminando na assinatura de um acordo em 17 de fevereiro de 1966, em Genebra [8]. Nele, haja vista a Guiana ainda não ser independente (o que ocorreria apenas em 26 de maio daquele ano), o Reino Unido concordou com a Venezuela que o laudo arbitral deveria ser anulado e que deveria ser formada uma Comissão Mista para chegar a uma conclusão sobre a “propriedade” do território.

    Caso isso não fosse possível, um dos mecanismos de solução pacífica de disputas previsto no artigo 33 da Carta da ONU deveria ser usado, e caso ainda ocorresse desacordo sobre qual mecanismo utilizar, o Secretário Geral da ONU deveria ser acionado [9]. Nos anos seguintes à conclusão do Acordo de Genebra de 1966, a Comissão Mista por ele prevista foi colocada em prática, mas um desacordo quanto ao escopo de seu mandato fez com que em 1970 ela terminasse sem atingir nenhuma solução. [10] Após um período de 12 anos em que o acordo ficou suspenso, em 1982 Venezuela e Guiana — já independente — iniciaram o procedimento estabelecido pelo artigo IV, sob o qual tentariam decidir qual meio de solução pacífica dentre aqueles previstos pelo citado artigo 33 seria utilizado [11]. Como não chegaram a uma conclusão, as partes prosseguiram para solicitar ao Secretário-Geral que então escolhesse o meio de solução pacífica a ser utilizado pelos países, conforme previsto pelo artigo IV do Acordo. [12]

    Essequibo era parte da Capitania Geral da Venezuela, colônia espanhola que já estava em processo de independência junto com as demais capitanias espanholas, formando a Grã-Colômbia.

    Para não correr o risco de ver o novo país em emancipação reclamar para si o antigo território do Essequibo, o Reino Unido tratou de criar uma expedição liderada pelo explorador alemão Robert Hermann Schomburgk para dizer até onde iria a fronteira da colônia britânica. Schomburgk definiu que a toda a área que se estendia após a margem oeste do rio Essequibo até a margem leste do rio Cuyúni eram parte da Guiana Inglesa.

    Essa cartografia traçada por Schomburgk engolia para dentro dos domínios ingleses – propositalmente – todo o território do Essequibo espanhol que era parte da, agora independente, Venezuela.

    Há que se imaginar que falamos de um tempo quem mapas eram feitos sem satélite, sem GPS, e com técnicas de referenciamento baseada na observação de cursos d’água, montanhas com algum auxílio de astronomia, numa área de mata tropical fechada, sem estradas e praticamente sem qualquer construção civil. Portanto, não era algo tão absurdo que os grandes impérios europeus conseguissem empurrar para lá ou para cá vários quilômetros de fronteira nas colônias, muitas vezes utilizando-se de manobras ilegais….

    O Laudo Arbitral de Paris

    Em fevereiro de 1897 a Venezuela apelou – olha a ironia do destino – aos Estados Unidos para que este intercedesse em seu favor junto ao Reino Unido.

    Os americanos convenceram os britânicos a firmar o Tratado de Washington com a Venezuela. No acordo, os querelantes se comprometiam a resolver o problema mediante uma arbitragem internacional.

    A arbitragem foi feita por dois grupos de peritos representando para cada uma das partes e mais um terceiro perito neutro, e partir disso foi firmado o Laudo de Paris de 1899, que deu uma sentença a favor do Reino Unido.

    A Maracutaia no Laudo de Paris

    A Venezuela, já no Tratado de Washington, teve que aceitar ser representada por juristas dos Estados Unidos, entre eles os juristas Melville Weston Fuller e David Josiah Brewer. A parte neutra foi a Rússia, representada pelo jurista Fiódor Martens.

    Já no momento da publicação do laudo os venezuelanos protestaram contra o resultado, alegando que a sentença não apresentava fundamentos jurídicos, mas o acataram. No entanto, após 50 anos, a Venezuela encontrou algo sólido para apoiar as suas reivindicações.

    O motivo foi a publicação, em 1949, do artigo The Venezuela-British Guiana Boundary Dispute (A disputa de fronteira Venezuela-Guiana Inglesa) no American Journal of International Law, de autoria do jurista norte-americano Otto Schoenrich, sobre um acordo de bastidores entre a Rússia e a Grã-Bretanha no Laudo Arbitral de Paris.

    O artigo descreve o seguinte: Schoenrich teve acesso a um documento chamado Memorando de Severo Mallet-Prevost. Mallet-Prevost foi um jurista respeitado em sua época e atuou como Secretário Oficial da delegação EUA/Venezuela no Tribunal de Arbitragem em questão, e o memorando – que trata-se de um relato testemunhal – foi escrito por ele em 1944, com ordens de ser publicado somente após sua morte.

    Mallet-Prevost conta que testemunhou, durante sua atuação na arbitragem do caso da Venezuela, um acordo político entre a Rússia e a Grã-Bretanha. Martens, o jurista russo, teria visitado a Inglaterra acompanhado dos dois árbitros britânicos no verão de 1899 para propor aos dois juízes americanos a escolha entre aceitar uma sentença unânime dando o Essequibo aos britânicos ou uma decisão majoritária (3 x 2, com o voto do russo e dos britânicos) ainda mais desfavorável à Venezuela: seguir inteiramente a Linha Schomburgk original e dar toda a foz do rio Orinoco aos britânicos.

    Mallet-Prevost relata em seu testemunho que os juízes americanos (que representavam a Venezuela) e os advogados venezuelanos estavam desesperados com a situação, mas acabaram por concordar com a chantagem para evitar privar a Venezuela de um território valioso ao qual tinha direito.

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