do Saúde Popular
As mortes políticas e o desmonte das universidades
Por Luana Lima*
Semana passada fui acionada por uma aluna a respeito de uma tentativa de suicídio na nossa universidade. O rapaz sobreviveu. Foi hospitalizado. No dia seguinte, notícias de uma nova tentativa de suicídio no campus. Na mesma semana, terceiro dia consecutivo, a ocorrência de um suicídio. O mesmo método da primeira tentativa, na mesma instituição, próximo à Reitoria – um ato dirigido ao Estado? Isso tem nome e é esperado. O efeito Werther seguiu seu fluxo sem maiores impedimentos.
O que essas tentativas e suicídio denunciam? O que esses jovens estão tentando nos dizer? O que tem gerado tamanho conflito e impossibilidades de manutenção da(s) existência(s)?
Considerando o cenário de desamparo da juventude contemporânea, a escassez de produção de dados específicos e que nem todo suicídio ocorrido dentro ou ligado à universidade tenha completa associação com essa realidade, há uma forte impressão suscitada pelas ocorrências, que vêm mobilizando as universidades em torno do problema: o crescente número de casos, perdas irrefreáveis em seus quadros, notadamente de discentes.
Pressão da ideologia dominante
Ainda que a realidade universitária tenha avançado em políticas afirmativas, em especial as cotas, gerando um cenário mais democrático – conjuntura atual e politicamente ameaçada em seu caráter inclusivo e orçamentário – a produção do conhecimento é perpassada pela ideologia da classe dominante, detentora dos valores da formação e qualificação da força de trabalho das novas gerações (NETTO & SOUZA, 2015).
O imperativo capitalista cria exigências que recaem sobre a futura força de trabalho dos estudantes, que devem funcionar sob a ótica de “mentes sãs em corpos sãos” e, qualquer desarmonia com essa prescrição se converte em defeito e/ou anomalia, desencadeando possíveis situações de violência (NETTO & SOUZA, 2015). Para esses autores, com frequência, as características são transmutadas em patologias. Esse estatuto costuma restringir a responsabilidade do fenômeno ao indivíduo, aos seus transtornos/fatores biológicos, sem apreciação das influências sociais e políticas.
A colonialidade do saber molda subjetividades e políticas de afeto. Como nos lembram Flor do Nascimento & Garrafa (2011), “na medida em que os ditames hegemônicos de produção de conhecimento estão ancorados e produzidos na lógica da colonialidade, temos de pensar de que maneira os conceitos de vida estão em jogo para a elaboração de outros conhecimentos e políticas sobre a vida.”
Estratégia de genocídio
A importância do enfrentamento e compreensão crítica sobre o fenômeno do suicídio são como um passo decisivo para criar outras formas, mais sustentáveis, de existência.
A colonialidade da vida, o desmonte das universidades, o corte de verbas, a restrição financeira às pesquisas científicas brasileiras, as mortes simbólicas e políticas, etc. são como balas atravessadas nos sonhos e nos corpos dos mais vulnerados. No último dia 20 de setembro perdemos mais um jovem negro no território universitário, cujo pressuposto é cultivar sementes do amanhã. O amanhã não existe mais pra ele. O amanhã sequer existiu para muitos como ele.
Perdemos jovens negros diariamente das formas mais violentas possíveis, mas o suicídio é uma estratégia de genocídio que pouco falamos. Como afirmou oportunamente o historiador Phelipe Cunha, essas estratégias genocidas matam os que morrem e os que ficam. Ficamos e seguimos um tanto menos vivos.
Luana Lima é psicóloga (UFBA), doutoranda e mestra em Bioética (UnB), membro-fundadora da Associação Brasileira de Estudo e Prevenção do Suicídio e pesquisadora no Observatório do Direitos Humanos dos Pacientes.
1. NETTO, N; SOUZA, T. Adolescência, educação e suicídio: uma análise a partir da psicologia histórico-cultural. Nuances: estudos sobre Educação, Presidente Prudente-SP, v. 26, n. 1, p. 163-195, jan./abr. 2015
2. FLOR DO NASCIMENTO, W; GARRAFA, V. Por uma vida não colonizada: diálogo entre bioética de intervenção e colonialidade. Saúde Soc. São Paulo, 2011;2(20):287-299.
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.
A universidade é duplamente tóxica para a juventude negra e pobre. O habitus burgues ordena hierarquicamente os sujeitos de forma dissimulada mas férrea. Mata a subjetividade indesejável com requintes de esnoberia e insensibilidade, porque racista, não é capaz de exercitar respeito em relação à ontologia negra que suporta pura e simplesmente porque não pode descartar como antes, na perspectiva cínica da democracia racial. Lembbra Drummond: Amor é primo da morte e da morte matador, por mais que o matem, e matam, a cada instante de amor”