Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Lula descobre as estratégias alt-right de desconstrução de debates. Será tarde?, por Wilson Ferreira

A cada debate a avaliação final sempre foi a mesma: um candidato ganhou em um bloco... o outro candidato ganhou depois... e no final, empate.

Lula descobre as estratégias alt-right de desconstrução de debates. Será tarde?

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Nervoso, numa noite particularmente beligerante, perdendo o controle e exigindo até um inédito direito de reposta do mediador William Bonner. Pisando em falso e quase se desequilibrando. Procurava sempre na palma da mão a colinha com duas palavras chaves fatais que teimava em esquecer: “décimo terceiro” e “férias”. Um candidato visivelmente incomodado, porque viu o oponente Lula utilizando as mesmas técnicas de desconstrução trumpista e pós-moderna que a alt-right sempre se primou: metalinguagem, comunicação indireta, técnica de dissociação e desautorização do interlocutor. Talvez, um reflexo do “efeito Janones”: apropriar-se do mesmo ímpeto desconstrutivista do adversário e lutar no mesmo campo semiótico que sempre a extrema direita atuava sem ninguém incomodar. Até agora. Resta saber se essa novidade tardia veio a tempo suficiente para evitar o pior.

O que impressionou em todo esse tempo de campanha eleitoral é a forma como a grande mídia a enxergou: a vantagem de Lula sempre estável, intenções de voto consolidadas, e assim por diante.

A cada debate a avaliação final sempre foi a mesma: um candidato ganhou em um bloco… o outro candidato ganhou depois… e no final, empate. Parece que em toda a campanha, a grande mídia evitou a todo custo surpresas, sempre quis manter a temperatura constante. Isso quando não contou com o the last minute rescue do presidente do TSE, Alexandre Moraes, quando decidiu retirar das redes o vídeo “pintou um clima” e quaisquer referências a ele. Como foi no debate da Band, garantindo um “debate” anódino.

E no lado das pesquisas eleitorais, o mesmo tom: eleitor polarizado, opiniões consolidadas, pouco espaço para viradas ou de eleitores indecisos que poderiam ser conquistados, números entre votos validos e totais praticamente idênticos etc. Até acontecer a única coisa fora da curva dessas eleições: “candidatos fantasmas” que ganharam “votos invisíveis” – candidatos ao senado que de repente viraram com ganhos de votos num padrão de 20% – votos brotaram e as viradas foram épicas, sempre para a extrema direita. Trazendo crise aos institutos de pesquisa e pauta para a extrema direita, decidida em criar uma “CPI das pesquisas”.

Em suma: parece que a estratégia geral do jornalismo corporativo foi “descafeinar” as campanhas, manter tudo em banho maria, criar uma imagem de estabilidade. 

E no último debate da Globo não poderia ter sido diferente. Enquanto a emissora fazia o seu habitual exercício tautista (jornalistas como crianças radiantes mostrando o estúdio, passeando em carros elétricos pelo Projac, um “colonista” entrevistando outro “colonista” sobre o “debate histórico” etc.), nas redes pegavam fogo com a suposta “bomba” que o deputado federal André Janones (Avante) estaria levando aos assessores de Lula nos estúdios da Globo.

Ao chegar na emissora, Bolsonaro saiu do carro visivelmente tenso, rosto crispado, não olhou para a repórter que lhe dirigiu uma pergunta, olhar perdido em algum horizonte imaginário, repetindo frases em tom de decoreba, como se quisesse se livrar o mais rápido possível de uma situação incômoda

E o início do debate confirmou essa impressão: tenso, mais agressivo do que o de costume, não cumprimentou ninguém e partiu para o ataque, chamando Lula de “Luis Inácio”.

O que estaria rolando nos bastidores? Pouco importava para a anfitriã do evento, a não ser tentar passar uma atmosfera de absoluta normalidade de que supostamente estaríamos num estúdio da BBC em alguma democracia civilizada liberal europeia. 

Em postagem anterior falávamos que os formatos televisivos de debates eleitorais buscam qualquer coisa, menos aprofundar ideias e propostas. As fórmulas desses debates visam fundamentalmente desgastar o primeiro colocado nas pesquisas eleitorais. Principalmente num segundo turno, quando todas as expectativas estão voltadas em saber se aquele que está atrás nas pesquisas poderá virar o jogo – clique aqui.

Em última instância, o que a grande mídia pretende é manter o controle de qualquer narrativa escolhendo perguntas ou dividindo o debate em blocos de temas que, por fim, retroalimentam tautisticamente a agenda imposta pelo próprio jornalismo corporativo. As únicas “surpresas” toleradas em debates são gafes (incapacidade do candidato de lidar com a linguagem televisiva) ou falácias articuladas como fossem graves denúncias.

Inception!

Porém, nessa campanha, a novidade nos debates televisivos foi o de dispor livremente aos oponentes tempo para perguntas, réplicas e tréplicas dos oponentes – blocos de 15 e cinco minutos. Deixando o “debate” correr mais solto.

Mas nem assim os debates televisivos conseguiram fugir da retroalimentação tautista dos oponentes apenas repercutindo as pautas midiáticas.

E na Globo chegamos ao paroxismo, no qual o debate foi simplesmente asfixiado, transformando-se numa espécie de pot-pourri de todos os clichês e inflexões dos anos de jornalismo de guerra de Mensalão e Lava Jato.

“Corrupto!”, “mentiroso!”. Foram apenas asserções como essas que dominaram de cabo a rabo o suposto debate final. Lula bem tentou começar lançando a questão da pauta econômica: por que em quatro anos o salário-mínimo não teve aumento real? Para dar início à dobradinha corrupto/mentiroso, ora de um lado, ora de outro.

O pretenso debate transformou-se apenas numa câmara de eco de tudo que o jornalismo de guerra inseriu nos corações e mentes do País ao longo das últimas décadas. Inception! Angustiados, os “colonistas” se queixaram nas “mesas redondas” da ausência de “propostas” e de um debate “monotemático”. Ora! Depois de anos da presença de jornalistas em debates e entrevistas questionando “petrolão”, “rachadinhas” etc., seja para quem fosse, fica difícil voltar a colocar a tampa na caixa de Pandora. 

Como Guilherme Boulos observou muito bem no programa Roda Viva, da TV Cultura, “soltar o pit bull é fácil, quero ver prendê-lo outra vez…”.

Estratégia trumpista de desconstrução de debates

O que assistimos na TV, portanto, foi Lula baixando no mesmo nível simbólico alt-right trumpista no qual Bolsonaro sente-se à vontade. Ou, pelo menos, sentia-se, a partir do momento em que a esquerda parece estar começando a aprender o método de desconstrução pós-moderna da extrema-direita. A chegada do deputado André Janones na campanha petista foi o começo. 

E agora Lula começa a aprender: nos seus quinze minutos de dois blocos, o ex-presidente dava estocadas rápidas e saia andando. O tempo inteiro desautorizava seu interlocutor. Com isso conseguiu controlar a dinâmica, quase levando Bolsonaro ao descontrole quando, em uma das suas divagações erráticas, começou a atacar o “sistema”, a TV Globo e Bonner. Que, de forma inédita, fez o próprio mediador pedir direito de resposta. Enquanto os assessores do presidente sentiam o impacto, passaram a ficar agitados e falar alto. Forçando Bonner a interromper por duas vezes o “debate”.

O próprio Lula, em entrevista concedida no podcast “Flow”, já havia declarado sua perplexidade, depois de 50 anos de carreira política, com a impossibilidade em discutir qualquer coisa com Bolsonaro. O debate da Globo pelo menos serviu para mostrar que Lula superou sua perplexidade para jogar no mesmo campo semiótico do adversário.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

3 Comentários

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  1. A diminuição do tempo de campanha nas eleições a cada disputa, foi o início da retirada de pauta do que mais importa, quem tem mais a oferecer no quesito ideias e propostas. Com o descrédito da política e associações diretas dela com mentiras e corrupção, criar um tipo de efeito manada através dos usos de semiótica por meio das mídias sociais, provocou uma indiferença na maioria da sociedade sobre o que pode ou não estar em jogo numa disputa eleitoral. Tudo vira uma divisão entre torcedores numa partida de futebol, do ponto de vista prático não causará maior ou menor importância quem vencer, afinal o que vale mesmo é de que lado da torcida você ficou. Os políticos são vistos como bando de aproveitadores que só prejudica quem realmente trabalha. Não existe um perfil nos eleitores. Uma ligação relacionada ao que possa propor os que estão concorrendo. De forma geral não há uma compreensão sobre o que cada candidatura representa de quais são as diferenças entre elas. A condição individual passa a ter maior preocupação, sem uma visão coletiva de uma eventual mudança que traga melhoria para as condições sociais e econômicas. A política perdeu essa legitimidade. Em um sentido mais amplo as instituições perderam.

  2. Lula conseguiu,surpreendentemente, ocupar o palco, movimentando-se no menor espaço possível e, desse modo, deixando o palhaço perdido no grande picadeiro.
    Bolsonaro quase caiu no chão, pois não sabia aonde ir. Lula ficou invisível aos olhos dele. Absolutamente genial a tática do Presidente. Muhammad Ali. Pura arte. Nem um diretor de teatro conseguiria tamanha façanha.

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