O que os nomes de urna nos dizem sobre as eleições municipais?, por Átila Vital e Eric Batista

O nome “professor(a)” aparece com mais frequência em partidos de esquerda, enquanto que “doutor(a)” é mais utilizado por partidos de direita

Agência Senado

O que os nomes de urna nos dizem sobre as eleições municipais?

por Átila Augusto Soares Vital e Eric Tempesta Batista

A radicalização política é um fenômeno crescente em muitas sociedades contemporâneas, caracterizado por posições extremas e polarização entre diferentes grupos ideológicos. Esse processo pode ser impulsionado por fatores sociais, econômicos e culturais, levando a um ambiente de intolerância e hostilidade, tanto nas interações sociais quanto nas esferas políticas.

A análise dos nomes de urna dos candidatos é uma ferramenta interessante para entender a dinâmica eleitoral e a percepção pública. Os nomes escolhidos podem refletir estratégias de marketing político, como a tentativa de se conectar com certos grupos demográficos ou transmitir uma imagem específica. Além disso, a forma como os candidatos se apresentam pode influenciar a percepção dos eleitores e impactar os resultados das eleições, especialmente em contextos de radicalização, nos quais a identidade e os valores se tornam ainda mais centrais na escolha do voto.

Conforme o artigo 12 da Lei das Eleições, do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), os candidatos devem indicar três opções de nomes para o nome de urna, em ordem de preferência: “poderão ser o (1)prenome, sobrenome, cognome, nome abreviado, (2) apelido ou (3)nome pelo qual é mais conhecido, desde que não se estabeleça dúvida quanto à sua identidade, não atente contra o pudor e não seja ridículo ou irreverente, mencionando em que ordem de preferência deseja registrar-se.”

Um levantamento feito pelo Observatório das Eleições indica que grande parte dos candidatos das Eleições Municipais de 2024 utilizaram o nome de urna para veicular informações, que vão além de seus nomes próprios (como, por exemplo, quando um candidato cujo nome é João da Silva se apresenta nas urnas como Doutor João). Dentre os candidatos que disputaram o cargo de prefeito, em 2024, 47% concorreram com um nome de urna diferente de seu nome próprio. Esse percentual foi de 51% para candidatos a vice-prefeito e de 61% para candidatos a vereador.

A tendência, já percebida em outras eleições, de diminuir o tamanho do nome de urna com relação ao nome próprio dos candidatos, foi novamente confirmada. Na média, os nomes têm sua extensão reduzida pela metade, contando com apenas duas palavras. Essa prática reflete uma estratégia de simplificação, visando facilitar a memorização e o reconhecimento pelo eleitor. Além disso, a adoção de nomes curtos e de fácil pronúncia pode contribuir para a construção de uma identidade política mais direta e acessível, favorecendo a comunicação eficaz nas campanhas eleitorais.

Como é de se esperar, as palavras acrescentadas aos nomes de urna são figurativos do atual ecossistema político do país. Estudos sobre eleições de deputados estaduais apontam para o acréscimo de nomes qualitativos, isto é, indicativos de alguma qualidade do candidato. Entre as categorias relevantes, qualitativos militares, religiosos, profissionais e aquelas que homenageiam outros indivíduos se destacam como as mais frequentes. 

Os dados das Eleições Municipais de 2024 corroboram com o que se observa nas eleições federais. Os qualitativos mais frequentes entre os candidatos em número absoluto foram: professor(a), doutor(a), pastor(a), irmã(o), da saúde e do povo. A Figura 1 ilustra a distribuição de tais categorias segundo a Unidade Federativa dos candidatos.

Figura 1

Figura 1

Quando analisados os nomes mais comuns por partidos políticos, observam-se tendências relevantes. O nome “professor(a)” (e variações, como “prof”, “profa”, etc) é aquele que aparece com maior frequência dentre todos os partidos, com destaque especial para partidos de esquerda e extrema esquerda, como PCdoB, PSOL, PSTU, PT e UP. O nome “doutor” surge com mais frequência em nomes de candidatos do partido Novo e do PL, conforme a Figura 2.

Figura 2

Embora ocorram em frequência menor, há nomes de urna que se utilizam de figurações que despertam uma análise de interesse político-ideológico, como designações religiosas (como “pastor” e “igreja”), políticas (como “bolsonarista”, “Bolsomito”) e do agronegócio, como mostrado na Figura 3. Dentre as cinco regiões do país, o nome “pastor” é um dos mais frequentes no nome dos candidatos, o que evidencia a importância das lideranças neopentecostais no cenário político. A região Nordeste acumula o maior uso da sigla “PT” no nome de urna, fazendo alusão ao Partido dos Trabalhadores. Na região Sul, o acréscimo das palavras “polícia” ou “policial” ao nome também é um fenômeno relevante. 

Figura 3

Se observadas segundo os cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador, pleiteados pelos candidatos, os nomes acrescentados aos nomes de urna com maior frequência são “doutor”, “professor”, “saúde”, “pastor” e “irmão”. Observa-se que o nome “doutor” é mais utilizado por candidatos que concorrem para os cargos de prefeito (representando mais de 10% das alterações no nome de urna para esse cargo) e vice-prefeito (representando 8%). Os nomes “professor”, “professora”, “prof” e variações são relativamente mais frequentes em candidatos a vereador (cerca de 4% das alterações no nome de urna do cargo). 

Na pesquisa do Observatório das Eleições, também foram identificadas combinações peculiares de nomes, como “Lula da Direita” (vereador, PL), “Lula do Bem” (vereador, PL), “Inácio do 38” (vereador, PODEMOS), “Diógenes Pobre de Direita” (vereador, PL), “Youtuber Ricardo Zunidos” (vereador, PP), dentre outros. 

Átila Augusto Soares Vital – Mestrando em Linguística pela UFMG

Eric Tempesta Batista – Graduando em Letras pela UFMG

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