É mais fácil uma mulher se eleger por um partido de direita? Quando um “sim” é um “não”, por Carlos Machado e Danusa Marques

Outra forma seria controlar pela capacidade do partido em obter vitórias, ponderando pela taxa de sucesso geral do partido

Anita Malfatti

É mais fácil uma mulher se eleger por um partido de direita? Quando um “sim” é um “não”

por Carlos Machado e Danusa Marques

Desde 2018, quando os partidos de direita tradicional e de extrema-direita passaram a conquistar um percentual maior das cadeiras parlamentares, diversas questões sobre quem estes partidos elegem passaram a circular entre as pessoas interessadas em política. Neste mesmo ano de 2018, quando passou a valer a extensão das cotas eleitorais de gênero para a reserva de recursos do fundo partidário e do horário de propaganda eleitoral gratuita, também tivemos o crescimento percentual de 50% para a bancada feminina na Câmara dos Deputados, assim como de 37,5% nas Assembleias Legislativas.

Nas eleições municipais de 2020, este crescimento no número de vereadoras eleitas não foi muito grande, de 18,5%, ainda que provavelmente este pequeno crescimento seja efeito da mudança na interpretação por lei conquistada pela via do litígio estratégico em 2018. Em 2024, o crescimento foi de 13,8%, ainda menor do que no pleito anterior, fazendo com que as vereadoras eleitas em 2024 atingissem 18,4% das cadeiras nas Câmaras municipais – ou seja, ainda faltam 31,8 pontos percentuais para chegarmos à paridade de gênero.

A título de comparação, a adoção de políticas afirmativas baseadas na paridade tem se difundido com sucesso pelos países latino-americanos, a partir de sua adoção na Costa Rica, Bolívia e Equador, em 2009[1], mas, no Brasil, estamos muito distantes, em uma posição lamentável, sendo que nunca chegamos sequer a 20% das cadeiras parlamentares em nenhum nível federativo, seja ele municipal, estadual, distrital ou federal.

Ainda assim, esse pequeno crescimento tem sido analisado com cautela e curiosidade: quem são as mulheres eleitas nas últimas eleições? Com o crescimento do peso da direita na constituição das casas parlamentares brasileiras, estas novatas ingressantes são todas da direita? A ascensão de mulheres de direita proeminentes na organização da direita, assim como na cobertura midiática, também tem trazido questões importantes para a análise das eleições: afinal, hoje em dia, mulher que se elege é de direita? Haveria alguma contradição nisso, dado que a promoção da participação feminina na política é historicamente uma pauta da esquerda? Como fica a análise racial para estas últimas eleições? É também pela direita que as mulheres negras estão se candidatando?

Para responder – ainda que parcialmente – a estas questões, propomos a seguir a análise da taxa de sucesso dos diferentes grupos de gênero e raça/cor por partido, a fim de que consigamos observar as diferenças entre eles dentro de um mesmo partido. Evidentemente, se partidos de direita conquistaram o maior número de cadeiras, eles foram mais competitivos. Mas isso não é suficiente para entendermos, nem nos permite deduzir, se a construção de uma candidatura feminina e/ou negra nestes partidos é mais fácil, competitiva ou apoiada internamente nos grandes partidos de direita do que em partidos menos competitivos (ou seja, que no fim são mais fracos em captar o apoio eleitoral e conquistar cadeiras).

Caso a raça ou o gênero de uma candidatura não importasse para a eleição, teríamos correspondência de candidaturas por gênero e raça/cor ao tamanho desses grupos na população[2] para todos os partidos. No entanto, há expressivas variações na presença dos diferentes grupos raciais e de gênero nas candidaturas dos partidos brasileiros. Um dado que circulou nestas eleições municipais, mas também nas anteriores, é o de que pessoas negras e mulheres eleitas estavam vinculados a partidos de centro ou de direita. Nestas eleições, MDB, PP e PSD elegeram mais de 10% de todas as mulheres negras cada um.  Se a esquerda pretensamente apresenta projetos políticos direcionados de forma mais efetiva para esses grupos, poderíamos estar vivendo um desencaixe entre a apresentação de plataformas políticas e a ideologia de cada partido. Contudo, medir apenas o percentual de pessoas eleitas, sem qualquer contextualização, deixa de lado aspectos importantes. Os três partidos citados, MDB, PP e PSD, são aqueles que apresentaram o maior volume de candidaturas que tiveram sucesso. Ou seja, vemos que nosso problema não se relaciona diretamente aos incentivos à participação eleitoral de mulheres negras nestas agremiações, mas do volume de candidaturas que estes partidos lançaram, expressando sua capacidade de se organizar eleitoralmente em um maior número de municípios.

Quais, então, são os partidos que têm mais sucesso de mulheres e negros/as em suas candidaturas? A análise da taxa de sucesso de cada grupo de gênero e raça/cor nos permite diferenciar partidos considerando também a quantidade de candidaturas que registraram e como foi o desempenho destes grupos internamente, ou seja, como se deu a competitividade interna ao partido. Evidentemente, as taxas de sucesso dos grupos nos partidos que mais conquistaram cadeiras se encontram entre as mais elevadas, mas é importante perceber que ela não é igualmente alta entre todos os grupos raciais e de gênero no partido. Nos mais competitivos, a taxa de sucesso de mulheres negras varia entre 7 e 8 pontos percentuais, enquanto para homens brancos, entre 25 e 28 pontos percentuais.

Outra maneira de analisar o problema seria controlar pela capacidade do partido em obter vitórias, ponderando pela taxa de sucesso geral do partido, o que nos permite pensar cada partido a partir de suas características, sem correr o risco de comparar grandes partidos (que controlam a maior parte do jogo eleitoral) com agremiações menores. A diferença entre a taxa de sucesso do grupo isoladamente e a taxa geral do partido pode ser indício das dificuldades ou facilidades eleitorais que aquele conjunto de candidaturas carregam dentro daquele partido. São pistas sobre o apoio que este grupo consegue organizar, os recursos materiais e organizativos que controlam e, provavelmente, a centralidade deste grupo de gênero e/ou racial nas posições de coordenação partidárias, além da possibilidade da maior ou menos influência dos setoriais de gênero e raça do partido – quando existem.

Observando-se as diferenças entre a taxa de sucesso de cada grupo racial e de gênero no partido e a taxa de sucesso geral do partido, percebemos que os dados se invertem. Os dados para as mulheres, sejam negras ou brancas, é sempre negativo, mostrando como, em todos os partidos, elas estão em desvantagem – com uma única exceção, as mulheres brancas do PSOL, que têm um valor mais alto do que a taxa de sucesso média do partido.  PRTB, PSOL e PMB apresentam as menores desvantagens para as candidaturas de mulheres, além do NOVO para as mulheres brancas e o DC para as mulheres negras. Excetuando-se o PSOL para as mulheres brancas, ressalta-se que nestes partidos a distância do grupo em relação à média é menor, mas não é vantajosa. Quanto às desvantagens, percebemos que MDB, PP, PSD e PL tiveram as piores diferenças para mulheres negras, todos com taxas negativas de entre 10 e 11 p.p. MDB, PP e PSD também encabeçam as piores desvantagens para mulheres brancas, mas essas entre 6 e 7 p.p. – ao lado do PcdoB.

Quanto tratamos das candidaturas de homens, estamos falando do perfil vencedor das eleições – homens brancos conquistaram 42,3% das cadeiras, enquanto homens negros ganharam 38,3%, somando 80,6% das cadeiras de vereador conquistadas por homens em 2024. As diferenças para homens negros não são muito expressivas, mas os dados referentes aos homens brancos mostram que em vários partidos há muitos pontos percentuais separando a alta taxa de sucesso deste grupo em relação à média partidária: no MDB, PP e PCdoB[3], pelo menos 8,1 p.p. separam a média do grupo da média do partido, seguidos pelo PL, com 7,6 p.p.. Ou seja, nestes partidos, que em sua maioria correspondem às agremiações com maior força eleitoral, ser um homem branco coloca a candidatura cerca de 8 p.p. à frente da média do partido.

Observando-se o problema da eleição de mulheres por este ângulo, fica evidente que a candidatura de mulheres, brancas ou negras, não é promovida prioritariamente em nenhum partido – com uma única exceção pontual para as mulheres brancas do PSOL (que não é de grande vantagem, 1,4 p.p.), com uma diferença de sua taxa de sucesso em relação à média partidária maior do que as candidaturas dos homens brancos desta agremiação. Para a vereança em 2024, ainda que o maior número de mulheres tenha sido eleita exatamente pelos mesmos partidos que mais elegeram homens – MDB, PP, PSD, PL e Republicanos, nesta ordem – e, portanto, as bancadas de centro-direita e direita sejam maiores, as candidaturas de homens nestes partidos tem taxa de sucesso muito superior às candidaturas femininas. Nestes grandes partidos, que têm mais chances de sucesso na média, ela é puxada por seus candidatos homens: as mulheres, principalmente se negras, estão a uma enorme distância de seus correligionários homens. Em resumo, não é verdade que a direita brasileira esteja se construindo como a alvorada da igualdade feminina nas disputas eleitorais.

Os dados que apresentamos mostram as enormes desvantagens para a candidatura de mulheres, principalmente negras, justamente nos partidos mais competitivos. Para avançarmos em requisitos básicos para a democracia, é fundamental que estes partidos de maior porte, aqueles que são mais competitivos no geral e que elegem um volume maior de pessoas negras e mulheres, sejam cobrados a promover condições melhores de competição eleitoral para todas as suas candidaturas.


[1] Para setembro de 2024, estes três países apresentam, respectivamente, 49,1%, 46,2% e 43,1% de mulheres parlamentares em suas Câmaras baixas nacionais (Fonte: IPU, https://data.ipu.org/women-ranking/?date_year=2024&date_month=09).

[2] Calculando-se a partir dos dados do Censo 2022, homens brancos são 21,0% da população brasileira; mulheres brancas são 22,3%; homens negros são 27,4% e mulheres negras, 28,0% (Fonte: IBGE , https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/38719-censo-2022-pela-primeira-vez-desde-1991-a-maior-parte-da-populacao-do-brasil-se-declara-parda).

[3] O PcdoB é um partido pequeno, que conquistou poucas cadeiras, 0,06%. A título de comparação, o MDB conquistou 13,9% das cadeiras, sendo o maior vencedor em 2024, seguido pelo PP, que conquistou 11,9% do total de cadeiras em disputa.

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